terça-feira, 13 de maio de 2014

Heitor Scalambrini Costa: “Tarifas do setor elétrico: equilíbrio econômico-financeiro e qualidade dos serviços”




Desde os anos 90, o setor elétrico brasileiro vem passando por uma reforma institucional, cujos objetivos seriam o aumento da competição, a melhoria da qualidade dos serviços e maior participação de recursos privados na distribuição e transmissão do setor. No entanto, pode-se afirmar, o maior legado (negativo) deste período (que se convencionou chamar de “Nova República”) foram às mudanças introduzidas na forma de tarifação da energia elétrica. A Lei 8.631, de 4 de março de 1993, promoveu uma profunda modificação na política tarifaria, estabelecendo que os parâmetros de preços seriam propostos pelas próprias concessionárias, com a homologação (conivente?) do Poder Concedente. Com a liberalização econômica, a partir de 1995, a tarifação adota a metodologia do “Preço Teto Incentivado” (price cap), que fixa tarifas consideradas “adequadas” para remunerar e amortizar os investimentos, e cobrir os custos operacionais, além de receberem o benefício de reajustes e revisões. Na formula de cálculo do índice de reajuste, a tarifa está indexada ao IGP-M (índice geral de preços do mercado), cuja evolução é bem superior ao IPC (índice de preços ao consumidor) e ao IPCA (índice geral de preços amplo), que regem os reajustes de salário e de preços ao consumidor. Na pratica, enquanto o salário sobe pela escada, as tarifas elétricas sobem pelo elevador. Um “passar de olhos” nos balancetes anuais dessas empresas comprovam que os ganhos extraordinários das concessionárias se devem aos draconianos contratos de privatização – em particular os das distribuidoras. A noção de equilíbrio econômico, introduzida nos contratos de privatização (ou “de concessão”) como mecanismo de proteção ao capital estrangeiro investido no setor elétrico, garante que os investimentos são sempre remunerados. E assim criou-se, no setor elétrico brasileiro, o “capitalismo sem risco”. Na prática, o que acontece, e está previsto em lei, é que as distribuidoras são ressarcidas por qualquer interferência que afete os preços da energia por elas adquirida. O custo é sempre pago pelos consumidores (via tarifas), que subsidiam a saúde financeira dessas empresas, garantindo ganhos extraordinários a todas, mesmo quando a qualidade de seus serviços é sofrível. Então, que fique bem claro, a “maracutaia” do famigerado “equilíbrio econômico-financeiro” das empresas está nos contratos de privatização, que desconsidera o equilíbrio do orçamento familiar e a competitividade dos bens e serviços fornecidos pelo setor industrial e comercial, que têm na energia elétrica um insumo importante. Logo, responsabilizar adversários políticos pelas altas tarifas é politicar e camuflar o real problema. A responsabilidade é do governo federal (que criou), que tem mantido a principal causa das tarifas estratosféricas de energia: os contratos de privatização – feitos sob encomenda para que as concessionárias ganhem sempre. Neste inicio de ano (de 2014), a política energética tem contribuído para o aumento da inflação. Com a justificativa de que a energia das termoelétricas é mais cara – mais ainda com a contratação no mercado livre –, os reajustes tarifários chegam a ser de 2 a 5 vezes o IPCA (inflação). E o consumidor deverá perder até 50% do desconto recebido na conta de luz, em 2013. Para 2015 e anos posteriores, antecipa-se mais aumentos significativos na conta de luz. Os aumentos tarifários já autorizados pela ANEEL (Agencia Nacional de Energia Elétrica) refletem os erros cometidos na condução da política energética. Os consumidores atendidos pela AES Sul, do Rio Grande do Sul, tiveram um aumento médio de 29,54%. Os consumidores da CEMIG, em Minas Gerais, foram surpreendidos em abril com um aumento de 14,82% e, em São Paulo, o aumento médio nas tarifas da CPFL Paulista foi de 17,23%. Para quatro distribuidoras no Nordeste os aumentos médios autorizados foram: 16,77% no Ceará; 11,85% em Sergipe; 14,82% na Bahia; e 12,75% no Rio Grande do Norte. Em Pernambuco, o pleito da CELPE junto a ANEEL foi de um aumento médio de 18,13%. A justificativa para este aumento exorbitante, frente a uma inflação de 5,68% no período, foi o mesmo usado por todas as distribuidoras: “pagaram mais caro pela energia comprada”. Todos os pedidos de aumento seguem rigorosamente os contratos, que atendem unicamente aos interesses das empresas, e deixam de lado os interesses do consumidor. No caso da CELPE, o aumento premia uma empresa cujo nível de qualidade e continuidade dos serviços tem despencado no IASC (Índice Anual de Satisfação do Consumidor, ranking divulgado anualmente pela própria ANEEL). Em 2011, a companhia estava em 4º lugar, e em 2013 caiu para o 24º, em uma lista com 35 concessionárias. Também deve ser levado em conta às multas irrisórias recebidas pelo excesso de interrupções e por mortes por choques elétricos – que chegam a 48 óbitos, desde 2012 (Bahia e Pernambuco são os Estados com maior número de mortes, vindo o Ceará, em 3º lugar). Nada disso abalou o lucro líquido da CELPE que, em quatro anos (de 2010 a 2013) somou cerca de R$ 850 milhões. A Celpe foi ainda recompensada com um aumento na tarifa muito superior à inflação, e fica bem fora dos padrões da realidade econômica de seus usuários (mais de 80% são consumidores domiciliares). Ao consumidor restam duas saídas. Reclamar ao Bispo de Itu ou, como cidadão consciente, se insurgir contra mais este descalabro que avilta seus interesses (tudo “legal” e com a conivência dos últimos governos).

Basta! Revisão dos contratos já.


Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco

Adriano Benayon: “Juros: taxa efetiva e taxa SELIC”


Se os brasileiros têm alguma esperança de o País organizar-se para terem condições de vida toleráveis, precisam avaliar o que realmente significa a dívida pública e seus juros e amortizações.

2. Se o fizerem, perceberão a ação devastadora do “serviço da dívida,um dos principais instrumentos da brutal extorsão que o País vem sofrendo há decênios. 

3. As pessoas menos mal  informadas  já têm razão de sobra para escandalizar-se com a altura e as elevações da taxa básica de juros SELIC determinadas formalmente pelo  Conselho de Política Monetária (COPOM) e, na realidade,  pelo Banco Central (BACEN).

4. De fato, as taxas básicas de juros da SELIC voltaram a ter várias elevações, a última das quais as fixou em 11% aa., um valor absurdo, uma vez que as correspondentes taxas nos EUA, Europa, Japão etc., não chegam, na maioria dos casos, a 1% aa.

5. Nada justifica essa diferença. É falacioso o argumento, considerado verdade  absoluta pela mídia e por grande número de economistas,  segundo o qual taxa de juros alta ou em elevação detém os aumentos dos preços dos bens e serviços (inflação).

6. Ademais, a dívida pública interna do Brasil,  é inferior à daqueles países, em proporção aos respectivos PIBs.

7. A demonstração a seguir comprova que a principal função e o objetivo (não declarado) das altas taxas de juros no Brasil é assegurar seu subdesenvolvimento, bem como fabulosos lucros para concentradores locais e estrangeiros.

8. Estes e muitos brasileiros, captam, no exterior, dólares criados irresponsavelmente pelo FED e por bancos comerciais da oligarquia financeira angloamericana -   sem lastro, ou seja, do nada -  e os convertem em moeda brasileira para aplicar em títulos do Tesouro no País.

9.  Os ganhos dos concentradores com os títulos do Tesouro brasileiro crescem não só em função das taxas atuais, mas também em decorrência de elas incidirem sobre montantes de dívida formados pela capitalização de juros ainda mais elevados, na maior parte do tempo, desde há decênios.

10.  Vamos aos números, para ver que a terrível taxa SELIC parece módica diante dos juros efetivamente pagos pela União às custas do sangue dos brasileiros e dos recursos naturais do País.  O Eng. Luiz Cordioli, de São Carlos (SP) elaborou tabela, baseada em dados oficiais do site do BACEN, com as taxas mensais da SELIC de 1986 a 2010.

11. Mais recentemente ele verificou que os dados atualmente encontráveis no site do BACEN foram modificados, até mesmo os referentes aos primeiros anos abrangidos, sem, entretanto, que a divergência,  no conjunto, chegue a 1%.

12. Completei os números da tabela de Cordioli com os pertinentes aos anos de 2011 a 2013. As taxas SELIC acumuladas de 1986 a dezembro de 2013, mostram que, se a dívida equivalesse a um 1 real em 1986, ela teria chegado a 18,39 trilhões de reais no final do período, em grande parte devido às enormes taxas dos anos anteriores ao Plano Real, quando grande proporção delas era atribuída à correção monetária.

13. Então, dividi esse acumulado de 18,39 trilhões por 679,3 milhões, o fator acumulado até julho de 1994, quando se iniciou o Plano Real.  Essa divisão resultou no fator  27,1 para o período de julho de 1994 a dezembro de 2013.

14. As dívidas mobiliárias somavam, em 1994, R$ 135,9 bilhões, sendo R$ 61,8 bilhões da federal e o restante das dívidas estaduais e municipais, as quais foram mais tarde federalizadas, submetendo os governos locais a taxas de agiotagem praticadas pela União, com a aplicação do IGP-DI.

15.  Multiplicando-se R$ 135,9 bilhões  por 27,1, a dívida mobiliária interna da União deveria ter atingido R$ 3,68 trilhões, se não tivesse sido feito pagamento algum de juros nem de amortizações de 1994 a 2013.

16. Ora, a dívida mobiliária interna atualmente é de cerca R$ 3,3 trilhões, computando-se, como é recomendável, também os títulos do Tesouro que circulam no mercado aberto, em montante superior a 900 bilhões de reais.


17. Já  o montante atualizado dos pagamentos do serviço da dívida (juros e amortizações) supera R$ 7 trilhões, de 1994 ao final de 2013.

18. Portanto, as taxas básicas da SELIC constituíram apenas uma parte, talvez nem a metade, das taxas efetivas pagas pelo Tesouro Nacional em seus títulos.

19. Eis por que, se as taxas básicas já são desnecessária e grotescamente altas, que dizer das efetivas, as quais retratam o gasto real do poder público com “dívidas” formadas principalmente pela composição dos juros?
20 As próprias taxas básicas foram escandalosamente elevadas, mesmo após o indecente Plano Real -  outra mentira que custou caríssimo para os brasileiros. 

21. De fato, como entender taxas da magnitude que demonstro a seguir,  divulgadas  - através da propaganda oficial e a da mídia - como destinadas a conter a alta dos preços, e ainda mais durante a vigência de um Plano que diziam ter eliminado a inflação, por meio da âncora cambial e da extinção da indexação?

22.  Calculei as taxas básicas acumuladas de 1995 a 2006, começando com a confrangedora taxa de 53,1% aa. em 1995. Nos dois fatídicos mandatos de FHC e no primeiro de Lula - também promotor de lucros espantosos em favor dos bancos e demais rentistas – essa taxa nunca ficou abaixo de 15% aa, e o acumulado de 1995 a 2006 resultou no fator de 12,7. 

23. Ou seja: somente a aplicação da taxa básica SELIC nesses 12 anos faria multiplicar quase 13 vezes o montante da dívida do primeiro ano da série. E, como vimos, essa taxa oculta grande parte, se não a maior parte, do dano infligido ao País pela taxa de juros efetiva, paga pelo Tesouro, o qual, por sua vez, achaca os brasileiros para extrair os recursos que presenteia aos aplicadores em seus títulos.

24. Para isso, o poder público -  dominado por interesses que não são os nacionais, mas sim, os de quem deseja condená-lo à condição de vil colônia de exploração de recursos naturais – usa expedientes adotados em emendas constitucionais, como a da DRU (desvinculação das receitas da União),  e a famigerada lei completar, falsamente denominada de Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF), que merece ser chamada Lei de Proteção aos Predadores Financeiros.

25. O Eng. Luiz Cordioli, tal como a auditora fiscal Maria Lucia Fatorelli, fundadora e dirigente da Auditoria Cidadã da dívida, impressionaram-se com trabalhos que escrevi, há anos – inclusive o artigo “Anatomia de uma Fraude à Constituição”, em que tive a colaboração do Prof. Pedro Rezende, da UNB, perito em ciência da computação e criptografia.

26. Ali está minuciosamente descrito, juntamente com a documentação comprobatória,  como a fraude foi operada, a fim de favorecer o “serviço da dívida” no Orçamento da União.

27. Cordioli e Fatorelli labutam incansavelmente para demonstrar os mecanismos  através dos quais -  sob a proteção dessa fraude, transformada em norma constitucional -  o Tesouro, o BACEN e quem os manipula, lesam os contribuintes e arrasam as finanças públicas em dimensões inacreditáveis. 

28. Cordioli  e Fatorelli tem demonstrado, há anos, em requerimentos em petições ao Ministério Público Federal e a diversas outras autoridades, como o Conselho Nacional de Justiça, o STF, a Câmara e o Senado federais, OAB, além de as expor em audiências.

29. Apesar desses esforços e da competência de seus empreendedores,  nenhum membro das instituições mencionadas animou-se, até hoje,  a defender a supressão da ilegal, ilegítima e infame adulteração do inciso II do § 3º do art. 166.

30. Esse inciso, como qualquer outra norma, não podia ser modificada em seu mérito ou substância, após ter sido votado em 1º Turno. Ele rezava: “As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa”.

31. Sob o disfarce de um requerimento de fusão de emendas dos arts. 165 a 167 (que só seriam legais, se fossem somente de redação), foi inserido fraudulentamente este acréscimo ao citado inciso II: “excluídas as que incidam sobre:” e mais a alínea b): “serviço da dívida”.
32. Assim, o “serviço da dívida”-  ao contrário das demais despesas – ficou sendo aumentado sem limites, e sem sequer discussão, na votação do Orçamento Federal. 

Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
abenayon@brturbo.com.br