terça-feira, 25 de agosto de 2015

Golpe final na soberania do País


1. Não é hipérbole dizer que o Brasil – consciente disto, ou não – vive momento decisivo de sua História. Se não quiser sucumbir, em definitivo, à condição de subdesenvolvido e (mal) colonizado, o povo brasileiro terá de desarmar a trama, o golpe em que está sendo envolvido.

2. Essa trama – que visa a aplicar o golpe de misericórdia em qualquer veleidade de autonomia nacional, no campo industrial, no tecnológico e no militar – é perpetrada, como foram as anteriores intervenções, armadas ou não, pelas oligarquias financeiras transnacionais e instrumentalizada por seus representantes locais e pelo oligopólio mediático, como sempre utilizando hipocritamente o pretexto de combater a corrupção.

3. Que isso significa? Pôr o País à mercê das imposições imperiais sem que os brasileiros tenham qualquer capacidade de sequer atenuá-las.

4. Implica subordinação e impotência ainda maiores que as que levaram o País, de 1955 ao final dos anos 70, a endividar-se, importando projetos de infra-estrutura, em pacotes fechados, e permitindo o crescimento da dívida externa, através dos déficits de comércio exterior decorrentes da desnacionalização da economia, e em função das taxas de juros arbitrariamente elevadas e das não menos extorsivas taxas e comissões bancárias para reestruturar essa dívida.

5. Ora, a cada patamar inferior a que o Brasil é arrastado, o império o constrange a afundar para degraus ainda mais baixos, tal como aconteceu nas décadas perdidas do final do Século XX.

6. Na dos anos 80 ocorreu a crise da dívida externa, após a qual o sistema financeiro mundial fez o Brasil ajoelhar-se diante de condições ainda mais draconianas dos bancos “credores”.

7. Na dos anos 90, mediante eleições diretas fraudadas em favor de ganhadores a serviço da oligarquia estrangeira, perpetraram-se as privatizações, nas quais se entregaram e desnacionalizaram, em troca de títulos podres de desprezível valor, estatais dotadas de patrimônios materiais de trilhões dólares e de patrimônios tecnológicos de valor incalculável.

8. A Operação Lava-jato está sendo manipulada com o objetivo de destruir simultaneamente a Petrobrás – último reduto de estatal produtiva com formidável acervo tecnológico – bem como as grandes empreiteiras, último reduto do setor privado, de capital nacional, capaz de competir mundialmente.

9. Quando do tsunami desnacionalizante dos 90, a Petrobrás foi das raras estatais não formalmente privatizadas. Mas não escapou ilesa: foi atingida pela famigerada Lei 9.478, de 1997, que a submeteu à ANP, infiltrada por “executivos” e “técnicos” ligados à oligarquia financeira e às petroleiras angloamericanas.

10. Essa Lei abriu a porta para a entrada de empresas estrangeiras na exploração de petróleo no Brasil, com direito a apropriar-se do óleo e exportá-lo, e propiciou a alienação da maior parte das ações preferenciais da Petrobrás, a preço ínfimo, na Bolsa de Nova York, para especuladores daquela oligarquia, como o notório George Soros.

11. Outros exemplos do trabalho dos tucanos de FHC agindo como cupins devoradores – no caso, a Petrobrás servindo de madeira – foram: extinguir unidades estratégicas, como o Departamento de Exploração (DEPEX); desestruturar a administração; e liquidar subsidiárias, como a INTERBRÁS e numerosas empresas da área petroquímica.

12. Como assinalam os engenheiros Araújo Bento e Paulo Moreno, com longa experiência na Petrobrás, a extinção do DEPEX fez que a empresa deixasse de investir na construção de sondas e passasse a alugá-las de empresas norte-americanas, como a Halliburton, a preços de 300 mil a 500 mil dólares diários por unidade.

13. Os próprios dados “secretos” da Petrobrás, inclusive os referentes às fabulosas descobertas de seus técnicos na plataforma continental e no pré-sal são administrados pela Halliburton. Em suma, a Petrobrás é uma empresa ocupada por interesses imperiais estrangeiros, do mesmo modo que o Brasil como um todo.

14. Além disso, a Petrobrás teve de endividar-se pesadamente para poder participar do excessivo número de leilões para explorar petróleo, determinados pela ANP, abertos a empresas estrangeiras.

15. Para obter apoio no Congresso, os governos têm usado, entre outras, as nomeações para diretorias da Petrobrás. Essa política corrupta e privilegiadora de incompetentes, já antiga, é bem-vinda para o império, e é adotada para “justificar” as privatizações: vai-se minando deliberadamente a empresa, e depois se atribui suas falhas à administração estatal.

16. Tal como agora, assim foi nos anos 80 e 90, com a grande mídia, incessantemente batendo nessa tecla, e fazendo grande parte da opinião pública acreditar nessa mentira.

17. Mas as notáveis realizações da Petrobrás são obras de técnicos de carreira, admitidos por concurso – funcionários públicos, como foram os da Alemanha, das épocas em que esse e outros países se desenvolveram. Entretanto, a mídia servil ao império demoniza tudo que é estatal e oculta a corrupção oriunda de empresas estrangeira, as quais, de resto, podem pagar as propinas diretamente no exterior.

18. Para tirar do mercado as empreiteiras brasileiras, as forças ocultas – presentes nos poderes públicos do Brasil – resolveram aplicar, contra essas empresas, a recente Lei nº 12.846, de 01.08.2013, que estabelece “a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira (sic).”

19. Seu art. 2o reza: As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.”

20. Como as coisas fluem rapidamente, quando se trata de favorecer as empresas transnacionais, a Petrobrás já cuidou de convidar empresas estrangeiras para as novas licitações, em vez das empreiteiras nacionais.

21. A grande mídia, tradicionalmente antibrasileira, noticia, animada, a possibilidade de se facilitar, em futuro próximo, a abertura a grupos estrangeiros do mercado de engenharia e construção civil, mais uma consequência da decisão, contrária aos interesses do País, de considerar inidôneas as empreiteiras envolvidas na operação Lava Jato.

22. Recentemente, nos EUA, foi infligida multa recorde, por corrupção, a um grupo francês, a qual supera de longe os US$ 400 milhões impostos à alemã Siemens. Já das norte-americanas, por maiores que sejam seus delitos, são cobradas multas lenientes, e não está em questão alijá-las das compras de Estado.

23. Já no Brasil – país ocupado e dominado, mesmo sem tropas nem bases estrangeiras – somente são punidas empresas de capital nacional. Fica patente o contraste entre um dos centros do império e um país relegado à condição de colônia.

24. Abalar a Petrobrás e inviabilizar as empreiteiras nacionais implica acelerar o desemprego de engenheiros e técnicos brasileiros em atividades tecnológicas. As empreiteiras são importantes não só na engenharia civil, onde se têm mostrado competitivas em obras importantes no exterior, mas também por formar quadros e gerar de empregos de qualidade nos serviços e na indústria, inclusive a eletrônica e suas aplicações na defesa nacional.

25. Elas estão presentes em: agroindústria; serviços de telefonia e comunicações; geração e distribuição de energia; petróleo; indústria química e petroquímica; construção naval. E – muito importante – estão formando a nascente Base Industrial da Defesa.

26. A desnacionalização da indústria já era muito grande no início dos anos 70 e, além disso, foi acelerada desde os anos 90, acarretando a desindustrialização. Paralelamente, avança, de forma avassaladora, a desnacionalização das empresas de serviços.

27. Este é o processo que culmina com o ataque mortal à Petrobrás e às empreiteiras nacionais, e está recebendo mais um impulso através da política fiscal – que vai cortar em 30% os investimentos públicos – e da política monetária que está elevando ainda mais os juros.

28. Isso implica favorecer ainda mais as transnacionais e eliminar maior número de empresas nacionais, sobre tudo pequenas e médias, provedoras mais de 80% dos empregos no País. De fato, só as transnacionais têm acesso aos recursos financeiros baratos do exterior e só elas têm dimensão para suportar os cortes nas compras governamentais.

29. Como lembra o Prof. David Kupfer, a Petrobrás e seus fornecedores respondem por 20% do total dos investimentos produtivos realizados no Brasil. Só a Odebrecht e Camargo Corrêa foram responsáveis por mais de 230 mil empregos, em 2013.

30. A área econômica do Executivo parece não ver problema em reduzir o assustador déficit de transações correntes (mais de US$ 90 bilhões de dólares em 2013), causando uma depressão econômica, cujo efeito, além de inviabilizar definitivamente o desenvolvimento do País, implica deteriorar a qualidade de vida da “classe média” e tornar ainda mais insuportáveis as condições de vida de mais da metade da população, criando condições para a convulsão social.

31. Por tudo isso, há necessidade de grande campanha para virar o jogo, com a participação de indivíduos, capazes de mobilizar expressivo número de compatriotas, e de entidades dispostas a agir coletivamente.


Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de Globalização versus Desenvolvimento”.





abenayon@brturbo.com.br

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Steinbruch: “ganham bilhões com juros sem fabricar um alfinete”.

“Superávit primário é para pagar juros da dívida”. 



“Neste ano, pagamentos de juros vão custar ao governo até R$ 430 bilhões”


“Juros de 14,25% ao ano só interessam a quem vive de renda. Quem investe em produção só perde com isso. Associados ao programa de austeridade, esses juros vão produzir uma recessão absurda”, afirma o presidente da CSN. 

O empresário Benjamin Steinbruch, diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), presidente do conselho de administração e 1º vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), condenou “essas aberrações dos juros” que só beneficiam os rentistas, que não investem e não produzem nada. “Dinheiro ganho sem mover uma palha, sem fabricar um alfinete”, disse em artigo publicado na Folha de São Paulo. Ele afirma que “o superavit primário que o governo tenta obter em suas contas é para pagar juros da dívida pública”, em detrimento da Saúde e da Educação, por exemplo. Você sabia que o orçamento da Educação, cortado, é só de R$ 38 bilhões? Apenas um pontinho a menos de juros quase sustentaria toda a educação”. A seguir a íntegra do texto.


Você sabia?



  • “O Brasil é o país que adota hoje a mais alta taxa de juros básicos, 14,25% ao ano. Você sabia que a taxa nos EUA é de zero a 0,25% ao ano? Que no Japão é 0,10%? Que na Suíça é negativa e que, para deixar dinheiro no banco, o investidor paga até 0,75% ao ano? Lá fora, não é fácil “viver de renda”. Aqui, é normal. 
  • Você sabia que, desde março de 2013 até agora, a taxa básica de juros já foi elevada em sete pontos percentuais? Quanto custou isso em juros da dívida? Mais de R$ 200 bilhões a cada 12 meses, uma vez que, segundo economistas, cada ponto percentual tem impacto de R$ 30 bilhões na dívida.
  • Você sabia que neste ano os pagamentos de juros da dívida, com essa taxa elevada, vão custar ao governo até R$ 430 bilhões? Sabia que em três anos, de 2013 até o fim de 2015, o total de gastos com juros atingirá R$ 1,038 trilhão?
  • É um valor inimaginável R$ 1,038 trilhão. Esse dinheiro está sendo pago a investidores, locais e estrangeiros, que aplicam em títulos do governo. Dinheiro ganho sem mover uma palha, sem fabricar um alfinete.
  • Você sabia que o valor destinado aos juros nesses três anos daria para pagar o programa Bolsa Família, que atende a 14 milhões de famílias, durante 38 anos?
  • Você sabia que o orçamento da Educação, cortado, é só de R$ 38 bilhões? Apenas um pontinho a menos de juros quase sustentaria toda a educação.
  • Você sabe, porque vem sendo noticiado, que o superavit primário que o governo tenta obter em suas contas é para pagar juros da dívida pública. Mas você sabia que essa dívida deve atingir neste ano R$ 3,6 trilhões? O superavit pretendido inicialmente para o ano era de R$ 66,3 bilhões. No mês passado, a meta foi reduzida para R$ 8,6 bilhões.
  • Para alcançar o superavit, no dia 31, saiu um decreto com um corte adicional de R$ 8,47 bilhões nas despesas do governo federal neste ano —a Saúde perdeu R$ 1,7 bilhão, e a Educação, R$ 1,16 bilhão. Mas você sabia que a decisão de um dia antes de aumentar os juros básicos em 0,50 ponto percentual criou uma despesa anual para o governo maior do que o corte de R$ 8,47 bilhões?
  • Você sabe, porque a Folha noticiou, que a taxa de juros de cartão de crédito atingiu 372% ao ano em junho. Mas você sabia que não existe nada semelhante em matéria de custo de dinheiro no mundo civilizado? Trata-se de uma exclusividade brasileira.
  • O governo federal tem uma dívida de R$ 3,6 trilhões e pagamos R$ 430 bilhões de juros por ano para mantê-la, embora uma parte desse valor decorra de variação cambial. Mas, se houvesse um simples corte de dois pontos percentuais nos juros, já haveria um ganho de uns R$ 60 bilhões, valor quase do tamanho do ajuste fiscal pretendido no início do ano.
  • O aumento dos juros é para reduzir a inflação. Mas você sabia que desde março de 2013 a inflação só subiu? Passou de cerca de 6,5% para quase 9% em 12 meses. O problema é que a alta dos juros, segundo as teorias econômicas, serve para reduzir a demanda, o que força a queda dos preços. Mas, no caso do Brasil, o grosso da inflação atual decorre dos reajustes de preços administrados, como luz, gasolina, água etc., que não têm relação com demanda.
  • Juros de 14,25% ao ano só interessam a quem vive de renda. Quem investe em produção só perde com isso. Associados ao programa de austeridade, esses juros vão produzir uma recessão absurda.
  • Temos a tendência de considerar normais essas aberrações dos juros, como fizemos décadas atrás, de forma irresponsável, ao considerar a inflação aceitável porque o Brasil havia inventando a correção monetária. Isso não é normal. Mudanças são urgentes, por que esperar?"

domingo, 9 de agosto de 2015

Aldemario Araujo Castro: “A corrupção e o Sistema da Dívida”


Na última sexta-feira, dia 31 de julho de 2015, tive a honra de proferir palestra ("A corrupção e o Sistema da Dívida") no seminário regional, em Alagoas, do movimento pela Auditoria Cidadã da Dívida (Pública). Afirmei, na palestra, que a corrupção é, sem dúvida, um dos grandes problemas nacionais. Trata-se da expressão mais perversa da lógica, profundamente incorporada à cultura nacional, de se levar vantagem em tudo, sem preocupações com a licitude ou moralidade. Ademais, assistimos todos a um triste espetáculo de corrupção que nos chega diariamente, pela via da grande imprensa, como capítulos de uma novela de extremo mal gosto. Ocorre que essa grande exposição midiática da corrupção, cuidadosamente operada por veículos de uma mídia excessivamente concentrada, produz pelos menos duas grandes distorções: a) a maioria da sociedade admite que a corrupção é o nosso maior problema e b) essa mesma maioria acredita que a ausência de serviços públicos de qualidades nas áreas de educação, saúde, transporte, cultura, esporte, entre outras, decorre da falta de recursos públicos drenados pela corrupção. Fiz, nas duas últimas semanas do mês de julho do corrente, essas constatações de forma empírica com 90 (noventa) alunos das minhas turmas no curso de Direito da Universidade Católica de Brasília. 95,5% deles acredita que o Estado brasileiro arrecada/dispõe (d)o volume necessário de recursos pecuniários para viabilizar a realização adequada, com eficiência (quantitativa/qualitativa), dos serviços públicos que garantem os direitos sociais fundamentais de educação e saúde. 66,6% dos alunos pesquisados entende que a corrupção é a principal razão para as deficiências verificadas. 31,1% aponta a ineficiência/incompetência administrativa como a principal razão para a negativa dos direitos aludidos. Na minha modesta avaliação, o maior problema vivenciado pelo Brasil (e pelo mundo) na atual quadra história é a alarmante desigualdade socioeconômica. No caso do Brasil, temos um país que figura entre as dez maiores economias do mundo e ocupa, para espanto geral, os últimos postos nas lista de distribuição de renda. Esse triste e paradoxal quadro não é obra da corrupção, embora essa mazela tenha sua cota significativa de "culpa no cartório". Para explicar essa discrepância entram em cena mecanismos socioeconômicos cuidadosamente construídos, mantidos e aperfeiçoados por segmentos sociais privilegiados. Destaco os seguintes: câmbio flutuante; metas de superávit primário; metas de inflação; intenso endividamento do Estado; juros altíssimos; desnacionalização do parque produtivo; financiamento externo baseado na exportação de minerais e produtos agrícolas; atração de recursos financeiros oriundos da especulação internacional; sistema tributário profundamente injusto; profunda concentração e elitização da grande imprensa; elevada distorção e deterioração da estrutura político-partidária; considerável descaso com a necessidade de uma profunda e abrangente revolução educacional; baixíssima atenção para com os mecanismos de planejamento e gestão eficiente das ações do Poder Público, notadamente em setores estratégicos; significativo desprezo pelo meio ambiente e o cultivo de uma “cultura” baseada em valores extremamente deletérios, tais como o consumismo, a ditadura da aparência e das mais variadas formas de futilidade e superficialidade e um certo incentivo à violência física e simbólica. De todos esses instrumentos de criação e reprodução de desigualdades sociais, o chamado "sistema da dívida" comparece como o mais relevante. Por ocasião da palestra aludida foram destacados dois números que a Auditoria Cidadã trabalha como muita ênfase em nível nacional, principalmente pela voz aguerrida de Maria Lúcia Fatorelli, uma incansável batalhadora pelas causas democráticas e populares no Brasil e no mundo. Refiro-me: a) ao montante da dívida pública brasileira e b) ao tamanho do serviço dessa dívida (juros, encargos, amortizações e rolagem). O primeiro elemento é um número que ultrapassa os 4 (quatro) trilhões de reais. O segundo elemento é um número que representa algo em torno de 40% (quarenta por cento) do orçamento anual da União. No caso específico do Estado de Alagoas, os dados apresentados pelo combativo Professor José Menezes, coordenador do Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida em Alagoas e palestrante no evento do dia 31 de julho, também são estarrecedores. Em 31 de dezembro de 1998, a dívida do Estado de Alagoas alcançava R$ 2,38 bilhões. Entre 1998 e 2014 foram pagos (serviço da dívida) cerca de R$ 7,25 bilhões. Em 31 de dezembro de 2014, a dívida de Alagoas estava em R$ 9,73 bilhões. Em suma, em 17 anos, a dívida foi paga três vezes e, atualmente, é quatro vezes maior. Foi anotado com muita ênfase no seminário do dia 31 de julho que a construção de instrumentos de geração de privilégios e desigualdades socioeconômicos, notadamente no campo do “sistema da dívida”, lança mão da ilicitude (e da corrupção) como ferramentas fundamentais. A demarcação clara da fronteira entre a legalidade e a ilegalidade é conscientemente dificultada em magnitude monumental. Destaquei, diante desses números, a necessidade imperiosa de cumprir a Constituição (art. 26 do ADCT) e realizar a auditoria da dívida pública. Importa pontuar que a OAB ingressou no Supremo Tribunal Federal com a ADPF n. 59 justamente buscando uma decisão da mais alta Corte de Justiça do Brasil que concretize a auditoria da dívida pública (que deveria ter sido realizado até 1989). Não tenho dúvida de que a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem pobreza, marginalizações e discriminações (objetivos inscritos na Constituição) somente será alcançada com o desmonte, pela via da crescente participação popular, desses perversos instrumentos de geração e reprodução de desigualdades socioeconômicas, em especial o “sistema da dívida”.

Aldemario Araujo Castro é mestre em Direito, procurador da Fazenda Nacional, professor da Universidade Católica de Brasília e conselheiro Fefderal da Ordem dos Advogados do Brasil.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Adriano Benayon: “Há que reverter o rumo da guerra”


Não se pode mais ter dúvida de  que estamos em guerra, nem de que a estamos perdendo. Onde ela se trava? Obviamente, na economia. A inflação está em alta, e os juros na estratosfera são arma, não de defesa contra a inflação, mas, sim, de destruição em massa da economia.

2. A enorme desvalorização cambial, com o dólar a mais de R$ 3,40, mostra a dimensão do descalabro, pois, em qualquer economia não corroída, altas taxas de juros implicariam valorização cambial.

3. O bombardeio destrutivo é lançado, não diretamente pelo inimigo, mas pela 5ª coluna a serviço deste. É ela que decreta as taxas de  juros absurdas  e,  através delas, a falência múltipla do País, com a colossal dívida interna.

4. A desnacionalização da  indústria, acelerada  desde 1955,  já  levara ao saqueio do  País  nos anos 90, por meio das privatizações,  e  o pretexto para isso foi a dívida externa, completamente fora  de controle já em  1982.  A origem foram as transferências das transnacionais e o consequente acúmulo de déficits com o exterior.

5. A essa altura as potências imperiais não  precisavam mais do regime  militar, cuja política financeira era submissa ao sistema financeiro “internacional”, mas tinha bolsões nacionalistas. Aproveitaram os anseios democratizantes da maioria da nação e comandaram a formação das instituições que viabilizaram radicalizar a desnacionalização da economia brasileira, inclusive a Constituição de 1988.

6. Isso lhes permitiu, paralelamente à pilhagem das privatizações, ir inflando a gigantesca dívida interna, que agora serve para entabular nova fase de saqueio acelerado do patrimônio público do País.

7. Esta fase, tal como a dos anos 90, é movida pela corrupção e pretexta moralidade para varrer do mapa a Petrobrás, a única mega-estatal, que escapara de ser totalmente alienada durante a ofensiva entreguista do Executivo  “eleito” após a farsa  do Plano Real (1994).

8. Estão também marcadas para morrer as empresas nacionais de engenharia, o último bastião estratégico do empresariado nacional dotado de dinamismo tecnológico.

9. O Estado brasileiro, dominado por interesses monopolistas dos cartéis transnacionais, ao contrário dos Estados sedes desses cartéis, age contra as empresas controladas por seus nacionais.

 10. É como se empobrecer o País fosse meta constitucional. Visto de outro modo, as instituições pátrias estão fora do controle do governo.

11. O sistema da dívida – de há muito montado pelo sistema financeiro mundial - perpetua e agrava a abissal desigualdade entre as potências centrais e os países que, como o Brasil, vêm sendo submergidos na periferia.

12. A partir do colapso financeiro (2007/2008), dos grandes bancos capitaneados pela oligarquia,  ficou ainda mais patente que antes, que eles contam com todo o  poder daquelas potências.

13. Quando controladores e executivos dos bancos da oligarquia se locupletaram ainda mais, através de fraudes, e, assim, os abalaram, através dos derivativos, os governos e as instituições financeiras mundiais os capitalizaram, dando-lhes dezenas de trilhões de dólares, inclusive novos títulos em troca de títulos podres.

14. É diferente em relação aos países marcados para ser vitimados. É guerra, disfarçada como “austeridade”: programas de demolição econômica prescritos pelos fraudadores, que nem tomam conhecimento das auditorias de dívida, e os impõem via terrorismo: não adotar esses programas implica sanções descritas como letais para os recalcitrantes.

15. O  mais grave é que, nessa guerra, as potências imperiais confiam em seu poder, e  isso não se dá do outro lado. No Brasil, por exemplo, investem, há mais de um século, na corrupção, desinformação e alienação das classes e corporações influentes: as forças estão dispersas e falta, mais que tudo, visão estratégica e até da realidade.

16. O indispensável conhecimento sobre o adversário, recomendado  por Sun Tsu, exige  entender que nada há  a  ganhar das potências imperiais e que todo acordo com elas conduz à ruína. Só há esperança sem ele.

17. Observadores honestos, com experiência em instituições-chave do poder imperial, confirmam-lhe a estrutura oligárquica e totalitária.

18.  Entre esses, Karen  Hudes,  durante vinte  anos, assessora jurídica do Banco Mundial. Ela verificou a coesão, regida pelas famílias dominantes da oligarquia, entre: grandes bancos comerciais e de investimentos, empresas gigantes, Banco Mundial e FMI, bancos centrais, coordenados no Banco de Liquidações Internacionais, sediado em Basel, Suiça; além disso, sua ascendência conjunta sobre os governos.

19. Hudes não omite a observação essencial, de que a dívida é a ferramenta principal para escravizar nações e governos.  Estas são suas palavras:

"Querem que sejamos todos escravos da dívida, querem ver todos os nossos Governos escravos da dívida e que todos os nossos políticos sejam adictos das gigantes contribuições financeiras que eles canalizam nas suas campanhas. Como a elite também é dona de todos os principais meios de informação, esses meios nunca revelarão o segredo de que há algo fundamentalmente errado na maneira como funciona o nosso sistema”.

20. Os economistas mais citados e entrevistados pela grande mídia ajudam a fomentar a falsa crença em que os juros altos e demais instrumentos  da política  de arrocho  seriam aceitáveis diante da crise, e não, agravadores dos males estruturais que assolam a economia.

21. Estarrece-me que os sensatos, que rejeitam a aplicação abusiva de teorias em contextos diferentes do de seus pressupostos, se limitem a refutá-la somente à luz da macroeconomia, sem  apontar  que o Brasil só poderá ser tirado  do  pântano através de profundas medidas estruturais, como  as  delineadas no artigo “Prosperar  ou sucumbir”.

22. Não me parece razoável, dadas as mazelas do subdesenvolvimento incorporadas à economia brasileira por obra do modelo dependente, esperar sejam sanados através da desvalorização cambial os problemas decorrentes da baixa produtividade, nem que a sobrevalorização do câmbio tenha sido causa primordial dos desequilíbrios causadores  da presente crise.

23. O País não tem mais setor público nem privado. Ambos têm de ser recriados. O primeiro, com grandes empresas, sob princípios administrativos baseados no mérito, e substanciais investimentos em tecnologias para as infraestruturas e indústrias de base, inclusive no âmbito das Forças Armadas.

24. Ao lado da fabulosa expansão dos empregos qualificados decorrente disso, despontará  comparável crescimento  no setor privado, em que o teste do mérito tem de ser feito no mercado em estrutura de concorrência.

25. Quem mostrar qualificações  para agir produtivamente e trazendo tecnologias de interesse nacional e social, terá o financiamento,  podendo-se absorver incontáveis técnicos e empresários brasileiros e até estrangeiros.

26. Não devem, é claro, ser admitidos cartéis das grandes transnacionais, que já estão aqui na função de parasitas dos sobrepreços aos clientes e dos  subsídios governamentais, além de abusarem do superfaturamento das despesas.

27. Havendo  a desnacionalização  feito da indústria  um fardo para o País, em lugar de um ativo - e disso são exemplos as montadoras - é incrível não reconhecer a necessidade de  reformulá-la de modo compatível com o desenvolvimento econômico e social.

28. Eliminada a chantagem do sistema da dívida, não haverá problema algum de recursos financeiros para investir. Basta macroeconomia decente, sem as letais taxas  de juros que  os inimigos do País representados por todos os partidos, a serviço das potências imperiais, infligem ao Tesouro Nacional.

29.  Se prosseguir o atual andar da carruagem, a situação não demorará a ficar muitíssimo pior, porque a inércia do subdesenvolvimento é muito maior aqui, e porque a altura das taxas de juros não tem termo de comparação nem com as mais absurdas da própria periferia europeia.

30. Os juros altos são a droga altamente tóxica que o sistema usa para cobrir os déficits externos, os quais só podem ser afastados (e sem problemas) através das correções estruturais. Curioso que os críticos, inclusive de esquerda, não ousem dar um pio a respeito.




Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de Globalização versus Desenvolvimento”.





abenayon@brturbo.com.br