quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Bolsonaro e a Marcha da Insensatez

 

Foto: Valor Econômico/Globo

“Honra é a força que nos impele a prestigiar nossa personalidade. É o sentimento avançado do nosso patrimônio moral, um misto de brio e de valor. Ela exige a posse da perfeita compreensão do que é justo, nobre e respeitável, para elevação da nossa dignidade; a bravura para desafrontar perigos de toda ordem, na defesa da verdade, do direito e da justiça.”

Joaquim Marques Lisboa – Patrono da Marinha (Alm. Tamandaré)

Por Said Barbosa Dib

O desfile de blindados, acompanhado de voos rasantes pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, nesta terça-feira (10/08), foi mais um passo no processo de desconstrução das instituições democráticas. A Marinha do Brasil, a gloriosa Marinha de Tamandaré, a Marinha da Batalha Naval do Riachuelo, foi escancarada e desavergonhadamente usada por Bolsonaro para pressionar o Congresso Nacional em dia de votação polêmica sobre o voto impresso, matéria de interesse casuístico do presidente. Partidos repudiaram a tentativa de constrangimento, os veículos de comunicação protestaram, diplomatas estrangeiros em Brasília ficaram atentos e lideranças da República temem o pior. Entre os membros das Forças Armadas, a maioria quase esmagadora repudiou a falta de escrúpulos daquele que ocupa o Planalto.

Muitos compararam nas redes sociais o fato lamentável com a famosa “Marcha sobre Roma”, quando os fascistas caminharam sobre a Cidade Eterna, em 28 de outubro de 1922, para forçar o rei da Itália, Vitor Emanuel III, a fazer de Mussolini o primeiro-ministro, dando início ao processo de institucionalização do fascismo no país. As consequências, todos sabemos. A subida dos fascistas ao poder, no entanto, não aconteceu pela força ou pelo golpe, mas pela estratégia política de pressão de longo prazo e dentro das regras constitucionais então vigentes. Por pior que seja, Mussolini atuou, pelo menos, “dentro do quadrado da constituição” da Itália de então. Mussolini chegou ao poder com apoio das instituições da monarquia italiana, tendo grande apoio da Igreja Católica, dos industriais, das classes médias, além da massa de trabalhadores desassistidos. Havia grande medo da difusão do socialismo. Amplos setores viam no fascismo a solução para enfrentar a grave crise econômica da Itália e o perigo comunista. A violência dos chamados “camisas negras”, milícias fascistas, era vista com condescendência pelas autoridades italianas. Começavam a surgir demandas por um governo de força na Itália.

Quando os fascistas encaminharam-se para Roma, Luigi Facta, o então primeiro-ministro da Itália, pediu ao rei autorização para decretar estado de emergência e usar o exército para reprimir os fascistas. O rei Vitor Emanuel III recusou-se a autorizar, forçou a demissão de Luigi Facta e convocou Mussolini para ser primeiro-ministro. Após a nomeação de Mussolini, os fascistas entraram triunfalmente em Roma, consolidando um processo que já vinha de longe. Por incrível que pareça, a nomeação de Mussolini foi, portanto, ato constitucional e dentro do que a lei italiana permitia.

Diferente de Mussolini, o seu arremedo, Bolsonaro, usou as Forças Armadas para fazer política rasteira, não para atender aos interesses das massas, não para um programa claramente de direita que acreditasse realmente em ideias de um Estado forte, mas para interesses pessoais e eleitoreiros. A movimentação de tropas envolve imensos gastos para o Erário Público não para servir de milícia para golpistas de plantão, não para interesses mesquinhos, mas para se garantir a Segurança Nacional contra inimigos externos na defensa da Pátria e garantir as instituições do Estado brasileiro, os poderes constituídos, a lei e a ordem social. As Forças Armadas não foram criadas para fazer política partidária ou eleitoral. Embora apoiado por um punhado de terroristas digitais, gangues, milicianos criminosos, fanáticos radicais e por uma parcela da classe média desiludida, Bolsonaro, ao contrário de Mussolini, não tem base orgânica de apoio nas massas. Ele conseguiu, eticamente, ser pior do que Mussolini. Os fascistas pressionaram e conseguiram o que desejavam, mas não deram um golpe, nem usaram as forças armadas da monarquia italiana para chegarem ao poder, como está fazendo Bolsonaro com nossas Forças. Mussolini não usou a máquina do Estado para dar um golpe. Bolsonaro, sim.

E Bolsonaro, por outro lado, faz isso com discurso “patriota” roubado dos verdadeiros militares. Militares honrados do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que, durante a 2ª Guerra Mundial (1939-45), lutaram contra o nazi-fascismo e pela democracia, com patriotismo e bravura. Este presidente incrustado no Planalto não merece e não pode ser considerado um militar, muito menos um patriota. Os verdadeiros militares deveriam menosprezá-lo e repudiar tudo que ele representa e fala. Bolsonaro foi expulso do Exército por insubordinação, desrespeitou o Exército da Caxias no passado e, agora, faz o mesmo com a Marinha de Tamandaré. Coisa inadmissível!!!


Ele também não tem o direito de falar em patriotismo. Patriotismo travestido de patriotada torna-se ruim e destrutivo quando é usado apenas nas soluções para crises agudas, não como prática constante e saudável de valorização cidadã do que nos pertence e do que amamos: nós mesmos, brasileiros, nossos imensos recursos, nossos valores, nossos cidadãos, nossa História. A patriotada desesperada e pragmática, engendrada em momentos de crise, se manifesta como “estado febril e tardio do patriotismo”, como dizia o padre Fernando Bastos de Ávila. Por isso mesmo, corre-se o perigo de se tornar, quando a situação apresenta-se insuportável, algo de chauvinismo, de xenofobia, de intolerância e de terror. A patriotada, seja de um Lula da Silva ou de um Bolsonaro da vida, pode ser ruína para todos. Patriotismo verdadeiro, ao contrário, é sempre positivo. Não visa a vantagens pessoais nem aos descaminhos da intolerância. Que os membros valorosos das Forças Armadas do Brasil lembrem-se disso, principalmente daqui a pouco quando os conflitos estimulados por Bolsonaro ficarem mais agudos e ameaçadores... É isso...