terça-feira, 5 de outubro de 2021

Paulo Guedes e Bob Fields Grandson

 

Foto: Agência Câmara

São apenas a ponta de um iceberg financeiro maquiavélico que corrói a economia de mercado e a soberania nacional

Por Said Barbosa Dib*

A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados aprovou convocação do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele terá que explicar suas movimentações financeiras no exterior através de empresas offshore em paraíso fiscal. O vazamento também apontou empresa no exterior em nome do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Não há notícia se Bob Fields Grandson também será chamado. Mas fica o mal-estar no ar em pensar que homens que têm tanto poder e influência sobre o COPOM - Comitê de Política Monetária – têm a possibilidade de ganhar dinheiro com base nos estudos técnicos e informações privilegiadas sobre o mercado financeiro dos tecnocratas do BC. O COPOM é o órgão do Banco Central formado pelo seu presidente e diretores, que define, a cada 45 dias, a taxa básica de juros da economia, a SELIC - Sistema Especial de Liquidação e de Custódia. Isso não é pouco! “Não basta a mulher de César ser honesta, ela tem que parecer ser honesta”, como dizia o ditado popular. Paulo Guedes pode até ser um santo franciscano de dar dó, mas apenas a possibilidade dele poder se beneficiar e fazer investimentos lucrativos a seu favor, em decorrência de informações privilegiadas que possui, coloca em xeque as políticas fiscal, monetária, creditícia ou cambial do País, que poderiam beneficiá-lo. Portanto, coloca em xeque sua posição no governo.

Abstraindo-se a cara-de-pau do ministro - e a total falta de cobertura por parte da mídia -, este caso obriga-nos a refletir sobre o que importa, o essencial: a extrema facilidade na movimentação financeira pelos elementos envolvidos em lavagem de dinheiro desde o caso Banestado e em muitos outros casos, como o mensalão do PT ou as privatarias tucanas. Tanto as organizações terroristas internacionais, os traficantes, quanto os cleptocratas e corruptos de todos os matizes, se beneficiam justamente da desregulamentação das movimentações financeiras em escala mundial, o que permite que suas operações ilegais sejam encobertas e não possam ser rastreadas. Isto vem ocorrendo depois da onda neoliberal intensificada a partir das décadas de 80 e 90.

Segundo informações oficiais do próprio Banco Central, obtidas pelo “censo de capitais de brasileiros no exterior”, referentes ao ano de 2004 (lá atrás, imagine hoje...), oficialmente (OFICIALMENTE!!!), os brasileiros tinham US$ 94,731 bilhões, equivalentes a 15,7% do PIB - Produto Interno Bruto -, “investidos no exterior”, dinheiro que nem de longe é citado pelos jornalões amestrados. Em 2003, eram US$ 82,692 bilhões. No espaço de um ano, os ativos de brasileiros no exterior cresceram, portanto, 14,6%. O dinheiro, com as mesmas origens OBSCURAS do que foi levantado no escândalo que deu origem à obliterada “CPI do Banestado” está aplicado em locais livres de tributação, como Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas.

Segundo o professor Michel Hudson, economista financeiro independente que atua em Wall Street, o percurso é o seguinte: o dinheiro roubado das mais diversas e “criativas” formas do Brasil é remetido aos paraísos fiscais offshore através de uma complexa rede de laranjas. O sistema de regulamentação permissivo relativo a estas cabeças de ponte offshore da evasão fiscal evoluiu para um ponto que permite a investidores americanos, japoneses, brasileiros ou europeus - “democraticamente”, sem distinção de nacionalidade - livrarem-se de impostos e lavarem dinheiro. Para isso, são contratados escritórios de advogados e contabilistas nesses paraísos, especializados em camuflar a origem do dinheiro. O sistema institucional de “sigilo bancário” dos paraísos offshore garantem a não-identificação das operações. Esta grana roubada de empresas nacionais e/ou estatais (ou “apenas” sonegada), como agora se vê todos os dias na televisão, financia uma porção substancial tanto do déficit da balança de pagamentos do Brasil quanto dos EUA, quando os dinheiros localizados nos paraísos fiscais passam a comprar os bônus e os títulos dos tesouros desses países. Ou seja, são os rentistas nacionais ou estrangeiros que detêm e especulam com nossa dívida pública, que representa aproximadamente 39,08% do Orçamento da federal e que tantos sacrifícios nos impõem.

Foto: O Globo

Michel Hudson explica: os recursos desviados pelos "reformadores" neoliberais e cleptocratas tupiniquins “transformam-se nos famosos capitais voláteis que permitem beneficiar ladrões, traficantes e terroristas do mundo todo e, de lambuja, beneficiam as corporações transnacionais, que evadem impostos por toda a parte, incluindo os próprios Estados Unidos. É este o efeito maior do que os ingênuos de plantão chamam de ´globalização`”.

O mais impressionante disso é a constatação de que a maior parte dos detentores de liquidez na sociedade de hoje são criminosos e sonegadores fiscais. Mas há também os inúmeros neobilionários que surgem por aí (mas esta é uma outra história). Eles têm uma boa razão para evitar o imobiliário ou outras propriedades tangíveis. É demasiado visível para acusadores e autoridades fiscais. É por isso que as estatísticas de balança de pagamentos classificam os movimentos de capital como "invisíveis". Segundo Hudson, importante firmas de contabilidade e parceiros legais ocupam-se em inventar truques para evitar impostos e criar um "véu de camadas” ("veil of tiers") de intermediários para proporcionar um manto de invisibilidade para a riqueza acumulada por desfalcadores, evasores fiscais, traficantes de droga, traficantes de armas, traficantes de seres humanos e agências de inteligência do governo norte-americano, da China, da Rússia e de Israel, para utilização nas suas operações encobertas.

No fim da década de 1980, administradores de dinheiro americanos estavam incorporando fundos mútuos offshore para penetrar ainda mais nos mercados globais de capitais. Os maiores investidores foram políticos bem informados do Terceiro Mundo, como o Chicago Boy que atualmente dirige a economia brasileira, que compraram o fundo sabendo que os seus bancos centrais pagariam as suas dívidas em dólar, apesar dos altos riscos. Enquanto estes oligarcas legais apareciam nas estatísticas dos seus países como "credores de dólares", “investimentos diretos estrangeiros”, ingênuos internos culpavam apenas os ianques, o FMI, o Banco Mundial e banqueiros britânicos por aplicarem austeridade financeira aos países em desenvolvimento e seus próprios países para a garantia dos lucros dos especuladores. Segundo ainda Hudson, ainda que a dívida em dólar da Argentina no princípio da década de 1990 fosse possuída principalmente por argentinos, a operarem do estrangeiro, a partir de centros bancários offshore, os maiores beneficiários do serviço da dívida externa não foram nem europeus nem norte-americanos, mas os próprios capitalistas voláteis argentinos, não possuidores de títulos na América do Norte e nem na Europa. E o mesmo vem acontecendo com o Brasil há muito tempo.

Hudson avisa que, para a Argentina ou para o Brasil, um "estrangeiro" era provavelmente um oligarca local a operar de uma conta offshore invisível para o seu governo (o qual era constituído em grande parte por suas próprias famílias). Pode-se encontrar o mesmo fenômeno na Rússia de hoje, segundo Hudson, onde um "investidor estrangeiro" tende a ser um russo com uma conta offshore a operar a partir de Chipre, da Suíça ou do Lichtenstein, talvez em parceria com um americano ou outro estrangeiro para camuflagem política.

E é para atrair esse dinheiro que os últimos “governos” apátridas no Brasil vêm impondo apertos financeiros inomináveis aos que verdadeiramente produzem e pagam impostos no Brasil. A verdade é que esse dinheiro corrupto e corruptor, que nasce no bojo da própria política econômica dependente e assassina, vem colocando o Brasil de joelhos há bastante tempo. Por isso, quase toda a mídia esteja tão preocupada em “blindar” a política econômica diante das revelações sobre as transações petistas, tucanas ou de Paulo Guedes e Bob Filds. Talvez com medo de que a farra acabe, pois não são poucas as notícias de que grandes veículos de comunicação se aproveitam da estratégia. Também não é novidade nenhuma que são essas fontes obscuras que pagam as caras campanhas eleitorais de maus políticos.

Não é por outro motivo que figurinhas como aqueles que estavam sendo investigados na CPI do Banestado, ou as operações de Marcos Valério e do PT, ou na atual CPI da Pandemia, juntamente com os traficantes, os cleptocratas de todos os matizes, os terroristas, os ladrões, etc., são, ao mesmo tempo e contraditoriamente, os homens que roubam as riquezas do Brasil, lavam seus botins nos paraísos fiscais e nos emprestam para que paguemos depois as nossas dívidas interna e externa com juros estratosféricos, impostos por quem? Sim. O Ministro da economia e o presidente do BC, com respaldo do COPOM. Ou seja, a atração dos tais investimentos estrangeiros, que FHC, Lula e Bolsonaro tanto defendem e em nome do qual tanta privação nos é imposta, não passa de nosso próprio dinheiro, que nos é roubado. É brincadeira!!!

(*)Said Barbosa Dib é analista político e professor de História em Brasília