sexta-feira, 29 de julho de 2011

Crise da hiperdívida dos EUA

Os jornais destacam o debate entre parlamentares dos EUA sobre o aumento do limite da dívida estadunidense, reproduzindo o desejo dos “mercados” de que deputados e senadores cheguem logo a um acordo e permitam ao governo a tomada de mais empréstimos para pagar a dívida que está vencendo a partir de 2 de agosto. Parlamentares aliados ao governo Obama (Democratas) e de oposição (Republicanos) discutem sobre quanto a dívida deve subir, e o quanto de gastos sociais teria de ser cortado para permitir o pagamento da dívida.
Porém, a grande imprensa nacional e internacional jamais discute o essencial, no qual democratas e republicanos têm a mesma culpa: por que a dívida cresce tanto, e por que os gastos sociais devem ser cortados?
Nestes últimos dias, uma pista surgiu em um importante Relatório de Auditoria das operações do FED (Federal Reserve Bank, o Banco Central dos EUA) de salvamento dos bancos falidos. De dezembro de 2007 a junho de 2010 – período que abrange tanto a administração Bush (Republicano) como Obama (Democrata) - o FED fez empréstimos secretos de nada menos que 16 trilhões de dólares a diversos bancos, não somente estadunidenses, mas de várias partes do mundo, conforme mostra a página 131 do Relatório. Tais empréstimos foram feitos a juros baixíssimos, e não se sabe exatamente o quanto destes financiamentos foi devolvido ao FED pelos bancos.
Tais US$ 16 trilhões representam nada menos que 4 orçamentos anuais do governo dos EUA, e mais que toda a dívida pública estadunidense.
Além desta ajuda do Banco Central dos EUA, os bancos também contaram com vultosos recursos do Tesouro estadunidense, conforme mostra artigo de Michel Chossudovsky.
Enquanto o governo Bush garantiu US$ 700 bilhões do orçamento público aos bancos falidos, Obama reservou mais US$ 750 bilhões, resultando em  US$ 1,45 TRILHÃO do Tesouro estadunidense para salvar os bancos. Tal estimativa ainda está bastante subestimada, dado que foram implementados diversos outros programas de salvamento de instituições financeiras, não contabilizados pelo autor.
Além do mais, os gastos militares chegam a US$ 739 bilhões por ano, e US$ 164 bilhões são gastos anualmente para os juros da própria dívida. Para termos uma idéia do que significa estes valores, basta dizer que a soma destes 3 tipos de gasto (US$ 2,353 TRILHÕES) equivalem a, simplesmente, toda a receita tributária anual do governo dos EUA! Tais gastos, obviamente, geram imenso déficit público, que é financiado por meio da emissão de mais títulos da dívida.
Outra comparação interessante que pode ser feita é que tais US$ 2,353 trilhões representam mais que o dobro dos cortes de gastos sociais exigidos para os próximos 10 anos pelo Partido Republicano. Em bom português: o povo estadunidense - especialmente o mais pobre - sofrerá por 10 anos pesados cortes nas políticas sociais para garantir o que os banqueiros e a indústria da guerra ganham de uma tacada só!
Chossudovsky também mostra que, para financiar o salvamento dos bancos, o governo recorreu a empréstimos destes mesmos bancos! Ou seja: como num passe de mágica, os bancos falidos foram salvos e ainda transformados em credores do Estado!
Ao final de seu texto, o autor defende a ANULAÇÃO destas dívidas, o retorno dos recursos ao Tesouro dos EUA, e o confisco dos bens dos especuladores.
Porém, não é isso que discutem os parlamentares, os "mercados" e a grande imprensa, apenas preocupados em cortar gastos sociais para que o setor financeiro pose de "arauto da responsabilidade fiscal" quando, na verdade, é o verdadeiro responsável pela explosão do endividamento.

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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Portal "Auditoria Cidadã' entrará como "amicus Curiae" em Ação da OAB pela auditoria da Dívida


O portal da Ordem dos Advogados do Brasil e o JusBrasil mostram que a Auditoria Cidadã da Dívida apoiará juridicamente a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental da OAB, impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF), pleiteando a realização da auditoria da dívida, prevista na Constituição, porém jamais realizada. Este apoio jurídico será feito por meio do instrumento “amicus curiae”, ou seja, a Auditoria Cidadã também participará da Ação e poderá se manifestar junto ao STF.
Os jornais de hoje mostram as medidas tomadas pelo Ministério da Fazenda para tentar frear a queda do dólar, com a tributação de operações de venda da moeda americana no mercado futuro com uma alíquota de 1% de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
Ou seja: o Ministério reconhece os problemas já apontados há anos por este boletim, de que os investidores nacionais e estrangeiros forçam a baixa do dólar para ganhar ainda mais com a chamada “arbitragem”, ou seja, a tomada de empréstimos no exterior a juros baixos para ganhar os juros mais altos do mundo aplicando na dívida “interna” brasileira. Forçando a baixa do dólar, estes investidores ganham ainda mais, pois passam a necessitar de menos reais para pagarem suas dívidas no exterior, dado que o dólar se desvalorizou.
Por outro lado, a tributação em apenas 1% destas operações é muito baixa, dado que o lucro dos especuladores é muito maior, equivalente à soma da taxa de juros (atualmente em 12,5% ao ano) mais a valorização do real frente ao dólar. Em anos anteriores, tal rendimento chegou a cerca de 50%. Talvez por isso o governo tenha incluído na Medida Provisória editada hoje a possibilidade de aumentar tal alíquota para até 25%.
Mas como funcionam estas operações especulativas, realizadas por meio dos complexos mecanismos de “derivativos cambiais”? Os investidores vendem dólares no chamado “mercado futuro”, ou seja, prometem vender uma determinada quantidade da moeda americana em um determinado dia no futuro próximo, mas a um preço determinado agora. Desta forma, cria-se uma oferta virtual de dólares no futuro, fazendo com que o preço da moeda americana caia. Quando chega o dia da venda, o investidor tem grande lucro, pois venderá o dólar ao preço acertado anteriormente, ou seja, bem maior do que a cotação efetiva do dólar naquele dia.
Finalmente, depois de anos de reclamações de vários especialistas – inclusive deste boletim – o governo reconhece esta farra dos especuladores às custas do povo, e começa a tributar tais operações.
Porém, cabe uma pergunta: por que o povo perde com estas operações? Esta pergunta poderia ser feita de outra forma: quem aceita comprar aqueles dólares no futuro, por um preço determinado hoje, mesmo sabendo que vai levar grande prejuízo, dado que o dólar tem caído ao longo dos últimos anos?
A resposta é: o Banco Central, que recebe estes dólares - por meio de operações como o “swap cambial reverso” - e ainda dá em troca títulos da dívida interna, que paga os juros mais altos do mundo, conforme mostra reportagem da Revista Exame, de janeiro deste ano.
Ou seja: o próprio governo estimula tais operações que agora diz tentar frear com o IOF.
O prejuízo do Banco Central com a queda do dólar já chegou a R$ 147 bilhões em 2009 e cerca de R$ 50 bilhões em 2010. De acordo com a Lei Complementar 101/2000, que possui o sugestivo nome de “Lei de Responsabilidade Fiscal”, este prejuízo tem de ser coberto, sem limite algum, pelo Tesouro Nacional, que para tanto emite mais títulos da dívida interna, ou seja, se endivida mais ainda às taxas de juros mais altas do mundo, que são pagas, também sem limite algum, pelo povo brasileiro.




quarta-feira, 27 de julho de 2011

Randolfe Rodrigues

Política Nacional

Em seu artigo na página da Revista Veja na internet, de 27/6/2011, o colunista Ricardo Setti alega que a minha emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2012, pleiteando o fim do superávit primário, seria um projeto “estapafúrdio, próximo do ridículo”, e ainda pede que eu “tenha juízo, e não minhoca na cabeça!”

Porém, é preciso esclarecer que minha emenda foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, para ser apresentada à Comissão de Orçamento, ou seja, já é um projeto de toda a CCJ, e não só meu. Além do mais, para garantir o pagamento da questionável dívida pública e o cumprimento da meta de “superávit primário”, as pessoas morrem nas filas dos hospitais, se apertam em ônibus que mais parecem latas de sardinha, sofrem com a má qualidade do ensino público, esperam indefinidamente pela garantia do direito de acesso à terra, etc.

Segundo o colunista, caso o superávit primário fosse extinto, “o país e todos os bancos quebrariam imediatamente, centenas de milhares de brasileiros levariam um monumental calote, os investidores estrangeiros sairiam correndo, haveria desemprego em massa e a paralisação da economia e o Brasil levaria uns 10 anos, ou mais, para voltar aos patamares de hoje.”

Porém, os EUA e a União Européia não têm metas de superávit, mas praticam imensos déficits, e nem por isso seus bancos quebram, ou há crise. Na verdade, há uma grande crise global sim, mas causada pela irresponsabilidade dos próprios bancos, que tiveram de ser salvos pelo próprio Estado, à custa do povo, gerando, aí sim, uma imensa dívida pública, que está sendo paga à custa da grande retirada de direitos dos trabalhadores europeus.

No Brasil, os bancos também são sustentados pelo Estado. A maior parte dos títulos da dívida interna (63%) se encontra não mão de bancos e grandes investidores, que assim ganham a maior taxa de juros do mundo. Outros 21% estão na mão dos chamados “Fundos de Investimento”, o que completa o percentual de 84% da dívida, principalmente na mão de grandes investidores.

Apesar de muitos analistas argumentarem que tais “Fundos de Investimento” teriam como principais beneficiários os pequenos investidores, a recente CPI da Dívida na Câmara dos Deputados (proposta pelo Deputado Ivan Valente – PSOL/SP) desmascarou esta informação. Respondendo a requerimento oficial da CPI, que solicitava o perfil (tamanho) dos principais credores da dívida via tais Fundos e outras aplicações bancárias, o governo afirmou simplesmente que não dispunha desta informação.

Interessante ressaltar que o próprio articulista diz que os brasileiros credores da dívida seriam “centenas de milhares”, ou seja, não chegam a um milhão, representando no máximo 0,5% da população.

Na realidade, sabemos que são os grandes investidores os principais beneficiários da dívida pública que, conforme mostrou a CPI possuem diversos e graves indícios de ilegalidade, tais como juros sobre juros, falta de documentos e informações, a não-autorização do Senado em operações de dívida externa, e até mesmo a realização de reuniões entre o Banco Central e “analistas independentes” - que, na realidade são, em sua maioria, rentistas - para definir variáveis como inflação e juros, depois usadas pelo COPOM na definição da taxa Taxa Selic, que beneficia os próprios rentistas.

Até mesmo o Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, criticou os superávits do governo, criticando as metas anteriores e futuras.
Dessa maneira, a dívida e seus credores agem como verdadeiras minhocas na maçã, e vão fazendo tuneis no desenvolvimento brasileiro, acarretando o corte nos investimentos sociais e concentrando renda e riqueza na mão de poucos.

Lembremos que a principal justificativa do corte de R$50 bi no orçamento do governo federal neste ano, que atingiu centralmente as áreas sociais e estratégicas do País teve como objetivo o ajuste fiscal para cumprir as metas do superávit primário que só nos quatro primeiros meses do ano  alcançou em tempo recorde o valor de R$ 57,3 bilhões, o que equivale a 49% da meta para 2011. O objetivo para este ano foi fixado em termos nominais, em R$ 117,9 bilhões. Ou seja, enquanto cortava dos investimentos sociais o governo em um terço do ano, fez a metade da meta de pagamentos ao capital financeiro.

Mas a maior ilegalidade da dívida é o descumprimento do Art. 26 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, que prevê a Auditoria da Dívida, jamais realizada, e que poderia apurar a fundo todos estes fatos, mostrando que dívida é essa, como cresceu absurdamente, e se realmente devemos ou não.

A auditoria da dívida foi executada recentemente com grande sucesso pelo governo do Equador, que assim pôde provar a ilegalidade da dívida, e impor aos rentistas a anulação de 70% do débito com os bancos privados internacionais. Nem por isso houve crise ou desemprego, mas sim, um grande aumento dos gastos sociais.

Auditar a dívida é conquistar a soberania do país frente ao setor financeiro, que no Brasil continua sugando a maior parcela do orçamento, em detrimento da garantia dos direitos sociais.

Randolfe Rodrigues é licenciado em História, graduado em Direito, mestre em Políticas Públicas, professor universitário e senador da República pelo PSOL do Amapá.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Brasil será um dos maiores perdedores com o default dos EUA

Os jornais de hoje mostram a dificuldade de aprovação da elevação do limite do endividamento dos EUA, mas não mostram porque a dívida pública norte-americana chegou a esse ponto: nos últimos anos, o endividamento público norte-americano explodiu, principalmente devido aos empréstimos contraídos para salvar bancos ameaçados de quebra, além da cara manutenção de uma máquina de guerra em várias partes do mundo.
Os jornais resumem a dificuldade de elevação do teto da dívida dos EUA à disputa entre parlamentares republicanos e democratas. A principal dificuldade do país é o esgotamento da capacidade de emitir dólares para pagar uma monstruosa dívida pública. A cotação da moeda norte-americana caiu em todo o mundo e essa desvalorização se agravaria ainda mais diante de elevada emissão de moeda.
Os parlamentares (tanto republicanos como democratas) sabem que é necessário emitir mais títulos da dívida para que os EUA possam pagar empréstimos anteriores, e a condição posta para autorizar o aumento do teto tem sido a necessidade de um amplo corte de gastos sociais. Os deputados republicanos - que são maioria na Câmara - estão exigindo um corte maior nos gastos e rejeitam o aumento dos tributos sobre os mais ricos. Tudo indica que mais uma vez os trabalhadores pagarão a conta da irresponsabilidade dos bancos privados.
Diferentemente dos países do Sul, os EUA podem tomar empréstimos a juros muito baixos pois imprimem o dólar: moeda aceita internacionalmente, inclusive para pagar sua dívida. Devido à aceitação internacional do dólar em transações comerciais e financeiras internacionais, diversos países aplicam suas reservas internacionais em títulos da dívida dos EUA. O Brasil é um destes países, tendo acumulado mais de 200 bilhões de dólares em títulos do Tesouro estadunidense nos últimos 6 anos, embora tal aplicação não renda quase nada. Agora, a própria imprensa internacional começa a mostrar o risco de investir nesses papéis.
O mais grave é que adquirimos essas reservas internacionais em moeda que se desvaloriza frente ao real - e que não remunera quase nada - mediante a emissão de títulos da dívida interna que pagam os juros mais elevados do mundo. O endividamento brasileiro já atinge quase R$ 3 trilhões e em 2010 consumiu quase a metade dos recursos do orçamento, sacrificando os investimentos em saúde, educação e todas as demais áreas.
Ou seja: o povo brasileiro financia o salvamento de bancos falidos e a máquina de guerra estadunidense, às custas do aumento da dívida pública brasileira.