quarta-feira, 20 de maio de 2015

Maria Lucia Fattorelli: “O impasse da dívida de estados e municípios”


Os estados e diversos municípios brasileiros estão fortemente endividados.

Esse processo de endividamento tem um ponto em comum: a partir do final da década de 90, a União refinanciou as então existentes dívidas dos estados, por meio da Lei n o 9.496/97 [2], e dos Municípios, pela Medida Provisória nº 1.811/99 [3].

Na época, cada ente federado firmou seu contrato com o Tesouro Nacional, representante da União, obrigando-se a colocar em prática um pacote de medidas. Os estados e municípios tiveram que assumir o compromisso de promover rígido ajuste fiscal mediante o enxugamento de gastos [4] e investimentos, além da privatização de empresas públicas, inclusive os bancos estaduais. A privatização dos bancos estaduais seguiu o programa denominado PROES, mediante o qual passivos desses bancos ficaram com os respectivos estados e foram refinanciados em conjunto com as dívidas do estado.

Esse processo vem absorvendo grande parte dos recursos dos orçamentos estaduais e municipais, afetando a vida de toda a sociedade que paga a conta, tanto por meio dos elevados tributos como por meio dos serviços públicos que deixa de receber. Apesar de pagar a conta, a sociedade não sabe que dívidas são essas; como foram contraídas; onde foram aplicados os recursos; quem se beneficiou dos recursos; qual a natureza dos passivos dos bancos estaduais privatizados que foram transformados em dívida do estado, etc.

É raro encontrar bibliografia sobre esse importante tema. Nesse sentido, a Auditoria Cidadã da Dívida vem cumprindo importante papel, publicando livro [5] e incentivando a organização de núcleos [6] locais para estudos e demais ações para a mobilização social.

As condições de refinanciamento impostas pela União aos estados e municípios mostraram-se extremamente onerosas. A cada mês a dívida é atualizada e sobre o montante atualizado incidem os elevados juros, de forma cumulativa ao longo dos meses. Esse formato fez com que as dívidas se multiplicassem e se transformassem em uma bola de neve.

Para se ter uma ideia, o município de São Paulo refinanciou uma dívida de R$ 11 bilhões no ano 2.000. Em 2013 essa dívida alcançou o patamar de R$ 58 bilhões, apesar de o município ter pago R$ 28 bilhões para a União no período. Os números não fecham, pois entram em ação os perversos mecanismos de atualização monetária mensal cumulativa calculada com base em um dos índices mais onerosos, o IGP-DI, calculado por instituição privada, a FGV. Em cima dessa correção mensal, ainda incidem os elevados juros, a cada mês. E essa onerosidade de condições não é o único problema dos paulistanos. Recaem, sobre a origem da dívida que foi refinanciada, diversas denúncias de fraude comprovadas até por Comissões Parlamentares de Inquérito. Resultado: a maior cidade da América Latina não tem recursos para uma série de investimentos essenciais à população, mas vem pagando religiosamente essa dívida eivada de fraudes, ilegalidades e ilegitimidades.

A situação de diversos entes federados ficou tão onerosa que alguns preferiram buscar recursos no exterior, endividando-se junto a bancos privados internacionais e Banco Mundial, para pagar à União. Uma verdadeira aberração! E mais: diante da nova alta do dólar, os entes federados que adotaram essa alternativa esdrúxula se depararão com dificuldades ainda mais graves.

Esse problema da dívida dos estados não fazia parte da agenda de debates políticos, até que a CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados em 2009/2010 pautou o tema, juntamente com as discussões sobre a dívida federal externa e interna [7].

A partir daí, aumentou a pressão sobre o governo federal, para que fossem revistas as condições do refinanciamento das dívidas dos estados e municípios, tendo em vista o desrespeito ao Federalismo e uma série de ilegalidades e ilegitimidades verificadas no processo.

Nesse contexto, o governo federal apresentou ao Congresso Nacional o projeto de lei que recebeu o n o 238 na Câmara dos Deputados e n o 99 no Senado Federal, propondo modificações mínimas que não chegam a resolver o problema, mas significavam um alívio bem reduzido para os estados e municípios.

Tal projeto foi discutido nas duas Casas Legislativas, tendo sido aprovada, em 5 de novembro de 2014, a Lei Complementar n o 148 [8]. No dia 25 do mesmo mês a Lei foi sancionada pela Presidente Dilma, autorizando, em resumo, as seguintes modificações:

  • Em relação ao cálculo dos juros, estes passariam a ser calculados e debitados mensalmente, à taxa de quatro por cento ao ano (antes variavam de 6 a 9%), sobre o saldo devedor previamente atualizado. A atualização passaria a ser calculada mensalmente com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampliado – IPCA (antes era aplicado o IGP-DI). Esse somatório de atualização mais juros reais ficaria limitado à Selic.
  • Em relação ao estoque, este seria recalculado com base na Selic, e a União concederia descontos se o recálculo resultasse em valor inferior ao existente.

Apesar de representar uma redução ínfima para os estados e municípios, o Governo Federal anunciou, na tarde de 24 de março de 2015, que não irá cumprir a Lei Complementar n o 148/2014.

Cabe lembrar que o próprio governo encaminhou o projeto de lei ao Congresso Nacional em 2013 e o sancionou em 2014, alimentando os discursos de governadores e prefeitos de que tal lei “resolveria o problema” de suas dívidas.

A Advocacia Geral da União declarou que o governo tem razão em não reduzir os juros cobrados dos entes federados, utilizando o argumento de que a lei é “apenas autorizativa”. Por sua vez, o Tesouro Nacional afirmou que precisaria de decreto para regulamentar os novos cálculos indicados na Lei Complementar nº 148/2014.

Na realidade, o não cumprimento da Lei Complementar no 148/2014 está relacionado à necessidade de utilização de recursos advindos de estados e municípios para completar os pagamentos da dívida pública federal. Desde a aprovação da Lei 9.496/97 e da edição da MP 1.811/99, todos os pagamentos de dívidas por parte de estados e municípios à União são destinados por esta ao pagamento de suas próprias dívidas, conforme dispositivos idênticos que constam dos respectivos atos legais:

  • Lei 9.496/97, Art. 12 – A receita proveniente do pagamento dos refinanciamentos concedidos aos estados e ao Distrito Federal, nos termos desta Lei, será integralmente utilizada para abatimento de dívida pública de responsabilidade do Tesouro Nacional.

  • MP 1.811/99, Art. 10 – A receita proveniente dos pagamentos dos refinanciamentos concedidos aos Municípios, nos termos desta Medida Provisória, será integralmente utilizada para abatimento da dívida pública de responsabilidade do Tesouro Nacional.
Diante disso, é evidente que o governo federal está preferindo atender à pressão do setor financeiro, que exige elevado superávit primário em 2015, implementação de rigoroso ajuste fiscal, e elevação dos juros, sob ameaça de agências de risco virem a rebaixar a nota de grau de investimento do Brasil. É evidente que nenhuma concessão pode ser tolerada nesse contexto.

O Congresso Nacional reagiu ao descumprimento da Lei Complementar nº 148/2014. Já foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar n o 37/2015 [9] que estabelece prazo para que a União dê cumprimento à referida Lei. Agora o projeto se encontra no Senado Federal.

O grave problema da dívida dos estados e municípios demonstra a necessidade de envolvimento da cidadania no tema do endividamento público. É preciso exigir o enfrentamento do Sistema da Dívida, que atua em âmbito nacional e regional sacrificando o país e toda a sociedade para beneficiar exclusivamente ao setor financeiro nacional e internacional. A ferramenta que joga luz sobre esse processo e revela a verdade é a AUDITORIA.

Maria Lucia Fattorelli  é Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida www.auditoriacidada.org.br e https://www.facebook.com/auditoriacidada.pagina. Membro da Comissão de Auditoria Oficial da dívida Equatoriana, nomeada pelo Presidente Rafael Correa (2007/2008). Assessora da CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados (2009/2010). Convidada pela Presidente do parlamento Helênico, deputada Zoe Konstantopoulos para integrar a Comissão de Auditoria da Dívida da Grécia a partir de abril/2015.


[2] A gênese desse refinanciamento está expressa em Carta de Intenções de dezembro/1991 com o FMI, itens 24 e 26.

[3] Esta Medida Provisória foi sendo reeeditada até a MP 2.185-35/2001, quando passou a vigorar permanentemente.

[4] Em relação aos gastos com pessoal por exemplo, os estados e municípios teriam que:
limitar o gasto com pessoal, adequando-se às limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal
promover a reforma da previdência dos servidores municipais aumentando a alíquota de contribuição de 6% para 11% 
limitar as despesas com aposentados e pensionistas.

[5] FATTORELLI, Maria Lucia Auditoria Cidadã da Dívida dos Estados (2013) Inove Gráfica e Editora, Brasília.


Vicente Limongi Netto


Nossa amada Tribuna da Imprensa faz 62 anos. Ultrajada pelos parvos, mas jamais esquecida pelos verdadeiros patriotas

No dia 28 de dezembro de 1994, escrevi na Tribuna da Imprensa, página 4: "45 anos imprimindo verdades. Verdades jornalísticas de interesse público, coletivo, que incomodam vestais de aluguel e poderosos de plantão. Porque incomodam essa laia de medíocres? Porque são servos desprovidos de grandeza, de um gesto nobre, de realmente colocarem-se ao lado das legítimas causas populares. Só admitem elogios, não sabem conviver com criticas. São anões engravatados. Como o legado da Tribuna da Imprensa sob o comando do guerreiro Hélio Fernandes é esse, os pilantras não dormem. Entra ano, sai ano, sai governo, começa governo, boicotam as páginas da Tribuna. Morrerão como pobres diabos, serão comidos pelos vermes, mas a Tribuna permanecerá altiva, forte, corajosa". Em 2001, nos 52 anos da Tribuna, tornei a exaltar os méritos do jornal dirigido por Hélio Fernandes, escrevendo na edição do dia 27 de dezembro: "Caro Hélio, ao acordar, uns tomam banho, café, fumam ou vão correr. Prefiro fazer minha higiene mental e física lendo a tribuna. Banho saudável tem que ter as bordoadas de Hélio Fernandes, Nery, Chagas, Argemiro, Said Dib, Adriano Benayon. Timaço. Uma ducha nos velhacos engravatados. São 52 anos lutando contra o cinismo, contra a hipocrisia, contra a covardia. São 52 anos de jornalismo verdadeiro, de manchetes que fogem do óbvio e da rotina. São leitores que pensam, que têm o direito de criticar. A Tribuna não manipula fatos, não adoça acontecimentos, para desapontamento da Fernandolândia tucana e áulicos. Saúde, mestre Hélio!" A resposta de Hélio Fernandes veio a seguir: "Obrigado, Limongi. São 52 anos de História, de 27 de dezembro de 1949 a 27 de dezembro de 2001. E sempre na oposição, não por intransigência, mas porque realmente não havia o que apoiar. E continua não havendo, embora tenhamos a certeza: o Brasil será uma das potências do futuro, tem tudo para isso: território, população e todas as riquezas imagináveis. Atrasaram o futuro do país, só não conseguem destruí-lo. Tentam, em vão. A nossa oposição é otimismo. Os que estão no Poder praticam o pessimismo, fingindo que constroem".
Nesta linha, portanto, no próximo dia 27, a Tribuna da Imprensa faz 62 anos!  Quero registrar, salientar e enfatizar a todos que não mudo uma vírgula sequer de tudo que escrevi na Tribuna todos estes anos. Meus textos, cartas, artigos, comentários, reportagens, na Tribuna, começaram a ser publicados na década de 60. Veio a estúpida censura que cortava geralmente quase tudo. Tenho artigos guardados com tudo cortado. Deixaram só meu nome e o título do artigo. Às vezes mantinham apenas o meu nome. A redação era tomada por um terror coletivo. Seguramente Hélio Fernandes também não muda nada do que escreveu. Pelo contrário, acrescentaria mais verdades nas consciências dos gênios de meia pataca que tomaram conta do Brasil. Pinóias arrogantes encastelados em todos os setores de atividade. O que dizer ao nosso querido Hélio Fernandes pelos 62 anos da Tribuna? Que o jornal foi estraçalhado pelas poderosas e covardes hienas. Mas um belo dia o Sol voltará a brilhar no coração do nosso jornal. Porque nas nossas veias, amado Hélio, jamais deixou de correr dignidade, coragem, isenção e patriotismo. Forte abraço do Limongi.

Vicente Limongi Netto é jornalista em Brasília


Adriano Benayon: “Destruição econômica e social”


Foi muito divulgada esta asserção do professor Wanderley Guilherme dos Santos: "Depois de criado, o Estado liberal transforma-se no estado em que a hegemonia burguesa não é seriamente desafiada. Trata-se de um estado cuja intervenção em assuntos sociais e econômicos tem por fim garantir a operação do mercado como o mais importante mecanismo de extração e alocação de valores e bens."

2. Esse cientista político destaca a óbvia natureza intervencionista (não-admitida) do Estado dito liberal, sem, porém, propor uma denominação que saia dessa contradição em termos.

3. De resto, os muitos que repetem o termo (neo)liberal, mesmo sabendo-o falso, colaboram com a enganosa comunicação social do capitalismo.

4. O mesmo cientista afirma: “O Estado liberal não é de modo algum um Estado não intervencionista. Muito pelo contrário, o Estado liberal está sempre intervindo, a fim de afastar qualquer obstáculo ao funcionamento 'natural' e 'automático' do mercado."

5. Aí está um engano sério. O mercado, nas mãos dos oligopólios e carteis, não funciona natural nem automaticamente: ele é controlado e manipulado por eles, e lhes serve de álibi, ao usarem o termo impessoal “mercado” em relação a ações praticadas por pessoas físicas, a serviço de grupos concentradores de poder econômico e financeiro.

6. Isso é exatamente o contrário do funcionamento 'natural' e 'automático' do mercado e também do que teorizaram os clássicos da economia sobre mercados livres, com participantes igualmente submetidos à concorrência.  Na realidade, a intervenção do Estado capitalista:

1) afasta a aplicação dos mecanismos de defesa econômica do Estado, coibidora dos abusos praticados pelos concentradores;

2) promove o aumento da concentração do poder da oligarquia financeira, através de subsídios governamentais e das políticas fiscal e monetária, entre outras;

7. Portanto, capitalismo é o sistema político e econômico que não admite restrições à concentração dos meios de produção e financeiros, ademais de a fomentar, nas mãos da oligarquia, por menor que seja o número das pessoas que a compõem.

8. Nos países centrais ou imperiais, o Estado liderou o desenvolvimento econômico e nunca abandonou o fomento ao setor privado. À medida que este ganhou corpo, o Estado passou a apresentar-se como liberal, a fazer concessões no campo social e a adotar, na política, formas exteriormente democráticas;

9.  Nos períodos de crescimento e bem mais nos de crises,  a concentração foi crescendo,  e regrediram os avanços, surgindo o fascismo (antes da 2ª Guerra Mundial). E o fascismo não-declarado, como nos EUA, desde antes do inside job de setembro de 2001 (destruição das Torres Gêmeas e míssil lançado no Pentágono).

10. A concentração do poder financeiro mundial alcançou  o incrível grau presente (147 corporações transnacionais, vinculadas a apenas 50 grupos financeiros, detendo mais de 40% da riqueza mundial).

11. Isso se foi intensificando por mais de 100 anos após se terem os concentradores tornado bastante  fortes, para que o Estado capitalista os protegesse adicionalmente. Os setores mais aquinhoados foram o das armas e a finança.

12. O grande impulso recente deu-se  através da financeirização da economia, abusando os bancos dos privilégios de criar moeda e títulos de toda sorte. Seus acionistas e executivos locupletaram-se assim, beneficiados pela desregulamentação dos mercados financeiros, a qual lhes proporcionou abusar da alavancagem e de fraudes diversas.

13. Ilustrativa da subordinação do Estado capitalista, falsamente dito liberal, à oligarquia financeira foi a resposta ao colapso financeiro de 2007/2008, provendo mais de 20 trilhões de dólares em ajuda aos banqueiros delinquentes, ao invés de realizar as correções estruturais necessárias ao bem da economia e da justiça.

14. De há muito,  as intervenções imperiais  - militares ou não - recrudescem em todos os continentes, gerando sistemas políticos pró-imperiais e Estados vassalos, como se tornou o Brasil, à raiz do golpe de Estado de agosto de 1954, passando a partir das Instruções 113 da SUMOC e seguintes (janeiro de 1955) a subsidiar os investimentos estrangeiros diretos, de modo absurdo.

15. Não há como falar em capitalismo periférico. Há somente indivíduos riquíssimos originários das periferias, como muitos outros dos países centrais, subordinados à oligarquia capitalista mundial.

16. À medida que essa oligarquia se foi apropriando, no Brasil, da estrutura econômica, foi também promovendo sucessivas intervenções e manobras, no campo das instituições políticas, que propiciaram intensificar ainda mais essa apropriação.

17. Temos agora mais uma crise. Nesta, a baixa resiliência – devida à desindustrialização e à desnacionalização – combina-se com o déficit das transações correntes exteriores, mais os  déficits das contas públicas nos três níveis da Federação, resultando em grande salto qualitativo para nova degradação econômica e social.

18. Consideremos as taxas básicas dos juros dos títulos públicos, uma das mega-fontes de agravamento do caos decorrente do “ajuste”  em curso.

19. Nos últimos cinco meses, a taxa SELIC foi elevada várias vezes. Era 11,25%, em novembro de 2014, e chegou a 13,25%, em 30.04.2015, o que significa taxa efetiva em torno de 16,25% aa.

20. Em artigo anterior, comparei a aplicação das taxas de 12% aa. e de 18% aa., durante 30 anos, sobre o atual montante da dívida mobiliária interna, de cerca de R$ 3 trilhões:  a primeira resultaria em R$ 90 trilhões, e a segunda em incríveis R$ 430 trilhões, quantia igual ao dobro da soma dos PIBs de todos os países do mundo.

 21. A taxa atual alçaria o estoque da dívida para R$ 274,73 trilhões de reais.

22. Tal como as letais taxas de juros, as demais políticas  do “ajuste” só podem ter por objetivo concluir a desestruturação (destruição) econômica e social do País.

23. Em função dos estratosféricos juros da dívida e também da intenção restritiva do “ajuste”, os investimentos públicos sofrem enormes cortes. Do mesmo modo, a demolição de direitos sociais, incluindo generalizar a terceirização, significa extrair sangue de organismos anêmicos.

24. É inútil esperar resultados positivos de tais medidas, porque, na atual estrutura, dominada pelos carteis transnacionais, e dada a infra-estrutura existente, nenhum “ajuste” levará a diminuir significativamente o “custo Brasil”, qualquer que seja a taxa de câmbio.

25. Até mesmo as subsidiárias das transnacionais, que poderiam apresentar custos competitivos, inclusive por não precisarem do crédito local, absurdamente caro, preferem, em vez disso, auferir lucros fabulosos no País, reforçados pelos incríveis subsídios que lhes dão a União, Estados e municípios.

26. Elas remetem esses lucros ao exterior, disfarçados em despesas por serviços, superfaturamento de importações (dos equipamentos, máquinas e insumos)  e subfaturamento de exportações. Assim, seus custos são forçosamente altos.

27. Já as empresas de capital nacional vêm sendo alijadas do mercado, desde 1954.  Além de não contarem com as vantagens dos incentivos e subsídios, que só as transnacionais estão em condições de aproveitar, elas foram desfavorecidas pelas políticas públicas e deixadas à mercê das práticas monopolistas dos cartéis multinacionais.

28. A política de crédito as afeta de modo especialmente agudo, pois os juros que despendem -  são múltiplos da taxa dos títulos públicos. Já as transnacionais, além de não necessitarem de crédito, bastando-lhes reinvestir pequena parcela dos lucros, têm acesso a crédito barato no exterior.

29. A partir dos anos 90 e após a devastação produzida pela dívida externa, passou-se às indecentes privatizações, já que a classe dominante eram os controladores das transnacionais, cujos  governos impõem suas vontades, diretamente e através de agentes, cooptados e corrompidos.

30. Sob o modelo dependente, o País carece de poder armado e financeiro para fazer valer seus interesses na esfera mundial, e sua inserção externa  é a pior possível, pois os segmentos de maior valor agregado e maior emprego de tecnologia são controlados pelos carteis mundiais.

31. A própria infra-estrutura, como a dos transportes, inclusive em sua orientação geográfica,  foi desenhada para servir o interesse das corporações estrangeiras, tal como a escolha dos investimentos, priorizando a extração de minérios em escalas imensas, com pouco ou nenhum processamento no País.

32. Também na agricultura, privilegia-se a grande escala, segundo as regras dos carteis mundiais do agronegócio e suas tradings, abusando-se dos agrotóxicos, transgênicos e fertilizantes químicos, para grande dano dos solos e da saúde pública.


33. Entre os grandes escárnios ilustrativos da submissão do Brasil à condição de periferia imperial é a Lei Kandir, que isenta de tributos as exportações primárias.  A Inglaterra entendeu, já no Século XIII, que era vital sair dessa condição, quando a lã de seus carneiros ia para as indústrias de Flandres e da Itália.


Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado (OAB-DF nº 10.613), formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília, do Instituto Rio Branco. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”. abenayon@brturbo.com.br