Foi muito divulgada esta asserção
do professor Wanderley Guilherme dos Santos: "Depois de criado, o Estado
liberal transforma-se no estado em que a hegemonia burguesa não é seriamente
desafiada. Trata-se de um estado cuja intervenção em assuntos sociais e
econômicos tem por fim garantir a operação do mercado como o mais importante
mecanismo de extração e alocação de valores e bens."
2. Esse cientista político
destaca a óbvia natureza intervencionista (não-admitida) do Estado dito
liberal, sem, porém, propor uma denominação que saia dessa contradição em
termos.
3. De resto, os muitos que
repetem o termo (neo)liberal, mesmo sabendo-o falso, colaboram com a enganosa
comunicação social do capitalismo.
4. O mesmo cientista afirma: “O
Estado liberal não é de modo algum um Estado não intervencionista. Muito pelo
contrário, o Estado liberal está sempre intervindo, a fim de afastar qualquer
obstáculo ao funcionamento 'natural' e 'automático' do mercado."
5. Aí está um engano sério. O
mercado, nas mãos dos oligopólios e carteis, não funciona natural nem
automaticamente: ele é controlado e manipulado por eles, e lhes serve de álibi,
ao usarem o termo impessoal “mercado” em relação a ações praticadas por pessoas
físicas, a serviço de grupos concentradores de poder econômico e financeiro.
6. Isso é exatamente o contrário
do funcionamento 'natural' e 'automático' do mercado e também do que teorizaram
os clássicos da economia sobre mercados livres, com participantes igualmente
submetidos à concorrência. Na realidade,
a intervenção do Estado capitalista:
1) afasta a aplicação dos
mecanismos de defesa econômica do Estado, coibidora dos abusos praticados pelos
concentradores;
2) promove o aumento da
concentração do poder da oligarquia financeira, através de subsídios
governamentais e das políticas fiscal e monetária, entre outras;
7. Portanto, capitalismo é o
sistema político e econômico que não admite restrições à concentração dos meios
de produção e financeiros, ademais de a fomentar, nas mãos da oligarquia, por
menor que seja o número das pessoas que a compõem.
8. Nos países centrais ou
imperiais, o Estado liderou o desenvolvimento econômico e nunca abandonou o
fomento ao setor privado. À medida que este ganhou corpo, o Estado passou a
apresentar-se como liberal, a fazer concessões no campo social e a adotar, na
política, formas exteriormente democráticas;
9. Nos períodos de crescimento e bem mais nos de
crises, a concentração foi
crescendo, e regrediram os avanços,
surgindo o fascismo (antes da 2ª Guerra Mundial). E o fascismo não-declarado,
como nos EUA, desde antes do inside job de setembro de 2001 (destruição das
Torres Gêmeas e míssil lançado no Pentágono).
10. A concentração do poder
financeiro mundial alcançou o incrível
grau presente (147 corporações transnacionais, vinculadas a apenas 50 grupos
financeiros, detendo mais de 40% da riqueza mundial).
11. Isso se foi intensificando por
mais de 100 anos após se terem os concentradores tornado bastante fortes, para que o Estado capitalista os
protegesse adicionalmente. Os setores mais aquinhoados foram o das armas e a
finança.
12. O grande impulso recente
deu-se através da financeirização da
economia, abusando os bancos dos privilégios de criar moeda e títulos de toda
sorte. Seus acionistas e executivos locupletaram-se assim, beneficiados pela
desregulamentação dos mercados financeiros, a qual lhes proporcionou abusar da
alavancagem e de fraudes diversas.
13. Ilustrativa da subordinação
do Estado capitalista, falsamente dito liberal, à oligarquia financeira foi a
resposta ao colapso financeiro de 2007/2008, provendo mais de 20 trilhões de
dólares em ajuda aos banqueiros delinquentes, ao invés de realizar as correções
estruturais necessárias ao bem da economia e da justiça.
14. De há muito, as intervenções imperiais - militares ou não - recrudescem em todos os
continentes, gerando sistemas políticos pró-imperiais e Estados vassalos, como
se tornou o Brasil, à raiz do golpe de Estado de agosto de 1954, passando a
partir das Instruções 113 da SUMOC e seguintes (janeiro de 1955) a subsidiar os
investimentos estrangeiros diretos, de modo absurdo.
15. Não há como falar em
capitalismo periférico. Há somente indivíduos riquíssimos originários das
periferias, como muitos outros dos países centrais, subordinados à oligarquia
capitalista mundial.
16. À medida que essa oligarquia
se foi apropriando, no Brasil, da estrutura econômica, foi também promovendo
sucessivas intervenções e manobras, no campo das instituições políticas, que
propiciaram intensificar ainda mais essa apropriação.
17. Temos agora mais uma crise.
Nesta, a baixa resiliência – devida à desindustrialização e à desnacionalização
– combina-se com o déficit das transações correntes exteriores, mais os déficits das contas públicas nos três níveis
da Federação, resultando em grande salto qualitativo para nova degradação
econômica e social.
18. Consideremos as taxas básicas
dos juros dos títulos públicos, uma das mega-fontes de agravamento do caos
decorrente do “ajuste” em curso.
19. Nos últimos cinco meses, a
taxa SELIC foi elevada várias vezes. Era 11,25%, em novembro de 2014, e chegou
a 13,25%, em 30.04.2015, o que significa taxa efetiva em torno de 16,25% aa.
20. Em artigo anterior, comparei
a aplicação das taxas de 12% aa. e de 18% aa., durante 30 anos, sobre o atual
montante da dívida mobiliária interna, de cerca de R$ 3 trilhões: a primeira resultaria em R$ 90 trilhões, e a
segunda em incríveis R$ 430 trilhões, quantia igual ao dobro da soma dos PIBs
de todos os países do mundo.
21. A taxa atual alçaria o estoque da dívida
para R$ 274,73 trilhões de reais.
22. Tal como as letais taxas de
juros, as demais políticas do “ajuste”
só podem ter por objetivo concluir a desestruturação (destruição) econômica e
social do País.
23. Em função dos estratosféricos
juros da dívida e também da intenção restritiva do “ajuste”, os investimentos
públicos sofrem enormes cortes. Do mesmo modo, a demolição de direitos sociais,
incluindo generalizar a terceirização, significa extrair sangue de organismos
anêmicos.
24. É inútil esperar resultados
positivos de tais medidas, porque, na atual estrutura, dominada pelos carteis
transnacionais, e dada a infra-estrutura existente, nenhum “ajuste” levará a
diminuir significativamente o “custo Brasil”, qualquer que seja a taxa de
câmbio.
25. Até mesmo as subsidiárias das
transnacionais, que poderiam apresentar custos competitivos, inclusive por não
precisarem do crédito local, absurdamente caro, preferem, em vez disso, auferir
lucros fabulosos no País, reforçados pelos incríveis subsídios que lhes dão a
União, Estados e municípios.
26. Elas remetem esses lucros ao
exterior, disfarçados em despesas por serviços, superfaturamento de importações
(dos equipamentos, máquinas e insumos) e
subfaturamento de exportações. Assim, seus custos são forçosamente altos.
27. Já as empresas de capital
nacional vêm sendo alijadas do mercado, desde 1954. Além de não contarem com as vantagens dos
incentivos e subsídios, que só as transnacionais estão em condições de
aproveitar, elas foram desfavorecidas pelas políticas públicas e deixadas à
mercê das práticas monopolistas dos cartéis multinacionais.
28. A política de crédito as
afeta de modo especialmente agudo, pois os juros que despendem - são múltiplos da taxa dos títulos públicos.
Já as transnacionais, além de não necessitarem de crédito, bastando-lhes reinvestir
pequena parcela dos lucros, têm acesso a crédito barato no exterior.
29. A partir dos anos 90 e após a
devastação produzida pela dívida externa, passou-se às indecentes
privatizações, já que a classe dominante eram os controladores das
transnacionais, cujos governos impõem
suas vontades, diretamente e através de agentes, cooptados e corrompidos.
30. Sob o modelo dependente, o
País carece de poder armado e financeiro para fazer valer seus interesses na
esfera mundial, e sua inserção externa é
a pior possível, pois os segmentos de maior valor agregado e maior emprego de
tecnologia são controlados pelos carteis mundiais.
31. A própria infra-estrutura,
como a dos transportes, inclusive em sua orientação geográfica, foi desenhada para servir o interesse das
corporações estrangeiras, tal como a escolha dos investimentos, priorizando a
extração de minérios em escalas imensas, com pouco ou nenhum processamento no
País.
32. Também na agricultura,
privilegia-se a grande escala, segundo as regras dos carteis mundiais do
agronegócio e suas tradings, abusando-se dos agrotóxicos, transgênicos e
fertilizantes químicos, para grande dano dos solos e da saúde pública.
33. Entre os grandes escárnios
ilustrativos da submissão do Brasil à condição de periferia imperial é a Lei
Kandir, que isenta de tributos as exportações primárias. A Inglaterra entendeu, já no Século XIII, que
era vital sair dessa condição, quando a lã de seus carneiros ia para as
indústrias de Flandres e da Itália.
Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado (OAB-DF nº 10.613), formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília, do Instituto Rio Branco. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”. abenayon@brturbo.com.br
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