sexta-feira, 23 de março de 2012

Privatização da previdência sacrifica aposentadoria dos servidores e beneficia especulação


A Agência Senado repercute a participação da Coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, na Audiência Pública que debateu o Projeto que privatiza a previdência dos servidores públicos, entregando-a aos fundos de pensão. Participaram vários senadores, tais como Paulo Paim (PT/RS, proponente da Audiência), Randolfe Rodrigues (PSOL/AP), e José Pimentel (PT/CE), relator do Projeto, além de representantes dos servidores e dos Ministérios da Fazenda e Previdência. Refutando o argumento oficial de que os servidores seriam os vilões das contas públicas (e que por isso teriam de aceitar a entrega de suas aposentadorias para os fundos de pensão), Fattorelli mostrou que o verdadeiro problema do orçamento é a dívida pública, que consumiu 45% do orçamento federal em 2011. Fattorelli também mostrou em sua exposição a recente nota do Itaú-Unibanco em defesa da aprovação do Projeto, mostrando que são os bancos os verdadeiros interessados nesta proposta. Em sua exposição Fattorelli mostrou que, em uma conjuntura de Crise Global, o mercado financeiro mundial se encontra repleto de “derivativos” e outros papéis “podres”, muitos dos quais se encontram abrigados nos chamados “bad banks”, ou seja, “armários” nos quais os bancos desovam o seu “lixo”, ávidos por empurrar tais “micos” para aplicadores como os fundos de pensão. Desta forma, há grandes chances de que recursos destes fundos virem pó, principalmente por que, por recomendação do FMI e do Banco Mundial, tais fundos serão na modalidade “contribuição definida”, ou seja, na qual o governo se livra de pagar as aposentadorias, que dependem do incerto mercado financeiro. Em resposta, o representante do Ministério da Fazenda disse que existiria uma norma vedando que fundos de pensão comprem os chamados “derivativos”, porém, tal afirmação não se sustenta, conforme o art. 44 da Resolução 3792/2009, do Conselho Monetário Nacional. Além do mais, tais normas podem ser facilmente alteradas sem necessidade de aprovação pelo Legislativo. Outro problema apontado por Fattorelli é que o governo já tem mostrado que desrespeita os beneficiários de fundos de pensão, ao ter editado, em 29/9/2008, a Resolução nº 26 do  Conselho de Gestão da Previdência Complementar. Esta Resolução permite que o “patrocinador” (no caso, o governo) fique com parte do superávit dos fundos de pensão, o que já significou a transferência de bilhões de reais da PREVI (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) para o lucro do Banco do Brasil. Cabe comentarmos que o lucro das estatais é destinado ao pagamento da dívida pública. Em resposta, o representante do Ministério da Fazenda tentou dizer que tal dispositivo não se aplicaria a este novo fundo de pensão dos servidores. Porém, cabe comentarmos que, se o governo, por meio de uma mera norma infra-legal (que sequer tem de passar pelo Congresso Nacional), já provocou grande prejuízo à PREVI, imaginem o que ele pode fazer com este novo fundo de pensão dos servidores... Por fim, Fattorelli pediu coerência a senadores do PT - em especial ao relator da matéria, Senador José Pimentel, presente na audiência - que no ano 2000 votaram contra uma proposta idêntica feita pelo  governo FHC (PLP 9/1999), que também entregava a Previdência dos servidores aos fundos de pensão, na modalidade “contribuição definida”. Na mesma linha, o Senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) leu discurso do então deputado Walter Pinheiro (agora líder do PT no Senado) se manifestando contrariamente ao PLP nº 9/1999. De um modo geral, o questionamento de todos os representantes dos servidores públicos foi a total falta de garantia de aposentadoria, que será definida de acordo com o mercado financeiro. Por outro lado, os representantes do governo tentaram argumentar que as aplicações dos Fundos de Pensão são seguras, e podem garantir a aposentadoria. Porém, questionados sobre a possibilidade de, então, logicamente, colocar na lei tal garantia, simplesmente não se comprometeram. Já o relator José Pimentel sequer se manifestou sobre o tema, tendo apenas ouvido as manifestações dos servidores.

A apresentação de Maria Lucia Fattorelli está disponível na página do Senado na internet.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Programa Direito de Antena examina desnacionalização da economia brasileira com professor Benayon


A TV Cidade Livre de Brasília exibe nesta quarta-feira, às 23;30 h, o programa Direito de Antena, com a participação do professor e economista Adriano Benayon, autor do livro "Globalização versus Desenvolvimento", quando analisará o processo de privatização e internacionalização da economia brasileira que vem se verificando desde a derrubada de Getúlio Vargas, em agosto de 1954. O programa Direito de Antena tem um formato que talvez seja único na tv brasileira, até onde temos conhecimento. Trata-se do reconhecimento do direito que possuem os cidadãos e as entidades de fazerem uso dos meios de comunicação, pelo tempo de 10 minutos, para comunicação de fatos e idéias relevantes, delimitadas pela contribuição democrática que ofereçam à transformação da sociedade em uma estrutura mais justa, sem as formas de opressão hoje vigentes. Toda e qualquer entidade, personalidade, lutador social, pensador, sindicato, movimento social, artista, interessados em ter assegurado na tela o seu Direito de Antena devem procurar a Direção da TV Cidade Livre de Brasília para se inscreverem para o uso deste horário realmente público e democrático. Desafiamos as demais emissoras, sobretudo as comerciais, a fazerem o mesmo.

Telefone 3344-5626 ou pelo e-mail tvcomdf@gmail.com

O programa Direito de Antena pode ser assistido no Canal 8 da Net ou pela WEB no site www.tvcidadelivredf.com.br, quarta-feira às 23:30 h.

Hidrelétricas “a fio d’água”: opção errada da ideologia e da política em detrimento da ciência e do interesse nacional.

É esta a conclusão assustadora que se chega depois da leitura do excelente estudo “O que são usinas hidrelétricas ´a fio d’água` e quais os custos inerentes à sua construção?”, do Dr. Ivan Dutra Faria, Consultor Legislativo da área de Minas e Energia do Senado Federal. Confira.

O que são usinas hidrelétricas ´a fio d’água` e quais os custos inerentes à sua construção?
Por Ivan Dutra Faria. Originalmente publicado em “Brasil, economia e governo”, do Instituto Fernand Braudel

Usinas hidrelétricas “a fio d’água” são aquelas que não dispõem de reservatório de água, ou o têm em dimensões menores do que poderiam ter. Optar pela construção de uma usina “a fio d’água” significa optar por não manter um estoque de água que poderia ser acumulado em uma barragem. Esta foi uma opção adotada para a construção da Usina de Belo Monte e parece ser uma tendência a ser adotada em projetos futuros, em especial aqueles localizados na Amazônia, onde se concentra grande potencial hidrelétrico nacional. Aliás, as usinas Santo Antonio e Jirau, já em construção no rio Madeira, são exemplos dessa tendência. Quais as consequências e custos inerentes a essa opção? Quais serão os problemas futuros que a decisão de abrir mão de reservatórios com efetiva capacidade de regularização de vazões poderá criar?
Primeiramente, deve-se considerar que a energia “gerada” por uma hidrelétrica resulta da transformação da “força” do movimento da água. Transforma-se, assim, em energia elétrica, a energia cinética decorrente da ação combinada da vazão de um rio e dos desníveis de relevo que ele atravessa. Desse modo, não restam dúvidas de que, para o processo, guardar água significa guardar energia.
Os sistemas de captação e adução levam a água até a casa de força, estrutura na qual são instaladas as turbinas. As turbinas são equipamentos cujo movimento giratório provocado pelo fluxo d’água faz girar o rotor do gerador, fazendo com que o deslocamento do campo magnético produza energia elétrica. O vertedouro, por sua vez, permite a saída do excesso de água do reservatório, quando o nível ultrapassa determinados limites. Outros aspectos e outros equipamentos são, também, importantes, mas, em qualquer caso, estaremos diante de uma busca por queda e vazão – a primeira, fixa, e a segunda, variável.
Nesse processo de transformação, a geração de energia elétrica é limitada pelo produto entre vazão e altura de queda, pois a energia obtida é diretamente proporcional ao resultado dessa conta. A barragem interrompe o curso d’água e forma o reservatório, regulando a vazão. Em uma usina com reservatório, essa variável pode ser controlada pelos administradores da planta. Em uma usina a fio d’água, fica-se refém dos humores da natureza, ainda que com menor dependência que as eólicas. Hidrelétricas com reservatórios próprios são capazes de viabilizar a regularização das vazões. Devido à sua capacidade de armazenamento (em períodos úmidos) e deplecionamento (em períodos secos), elas atenuam a variabilidade das afluências naturais.
Deve-se considerar, também, que esse mesmo efeito pode ser obtido com a construção de usinas “rio acima” – ou “a montante”, conforme o jargão técnico. Hidrelétricas instaladas em um mesmo curso hídrico podem atuar de forma integrada. Usinas localizadas “rio acima” – a montante, no jargão técnico – podem usar seus reservatórios para regular o fluxo de água utilizado pelas usinas localizadas “rio abaixo” – a jusante.
A usina binacional Itaipu, por exemplo, por ser a última rio abaixo – a jusante, no jargão técnico – da Bacia do Rio Paraná, é considerada como a fio d’água. Ocorre que se a gigantesca hidrelétrica pode utilizar toda a água que chega ao reservatório, mantendo apenas uma reserva mínima para garantir a operacionalidade, tal diferencial se deve, direta ou indiretamente, à existência de dezenas de barragens a montante.
O conjunto formado pelos potenciais hidráulicos da margem direita do rio Amazonas é considerado como uma rara e poderosa combinação de queda e vazão nos estudos de inventário hidrológicos de bacias brasileiras. A Volta Grande do Xingu, por exemplo, onde está sendo construída a hidrelétrica Belo Monte, apresenta uma queda de cerca de 90 metros entre dois pontos muito próximos de um rio cuja enorme vazão resulta de um percurso de milhares de quilômetros, iniciado no Planalto Central.
Em geral, usinas a fio d’água têm baixos “fatores de capacidade”. O fator de capacidade é uma grandeza adimensional obtida pela divisão da energia efetivamente gerada ao longo do ano – em geral, medida em MWh/ano – pela energia máxima que poderia ser gerada no sistema.[1] Trata-se, portanto, de uma medida da limitação da usina no que diz respeito à sua capacidade de gerar energia.
Na Europa, esse fator situa-se entre 20% e 35%, em média, sendo um pouco maior na China e chegando a valores próximos a 45% nos EUA[2]. Em média, as hidrelétricas brasileiras têm fator de capacidade estimado em valores situados entre 50% e 55%. A regularização de vazões por meio do uso de reservatórios faz com que essa média suba significativamente, embora essa não seja, em muitos casos, a única responsável por isso. No rio São Francisco, por exemplo, esse número para Sobradinho é 51%, e para Xingó, mais a jusante, é 68%. No rio Madeira, a usina Jirau tem fator de capacidade próximo de 58%, e o número para a usina Santo Antônio é de 68%. Não por acaso, a vantagem relativa de Santo Antonio guarda forte correspondência com o fato de ser um projeto situado a jusante de Jirau. Pelas razões já apontadas, é possível compreender o magnífico número de 83% para Itaipu.
No caso de Belo Monte a potência total instalada é de 11.233,1 MW e a geração anual média é de 4.571 MW, o que resulta em um fator de capacidade pouco maior do que 40%. Esse tem sido um dos pontos mais criticados pelos opositores ao empreendimento, que afirmam que a usina irá “gerar pouca energia”. Mas os argumentos utilizados, em geral, não levam em consideração dois pontos essenciais: os valores médios do fator de capacidade das hidrelétricas brasileiras e a principal razão pela qual o projeto de Belo Monte teve esse valor diminuído.

Ainda que se considerasse Belo Monte como um projeto com fator de capacidade muito distante das médias das usinas brasileiras, deve-se levar em conta que o mesmo não ocorreria ao se compará-lo com aqueles situados na Amazônia e com as de outros países. Em Tucuruí, por exemplo, no rio Tocantins – diga-se de passagem, dispondo da regularização de usinas a montante –, esse valor é de aproximadamente 49%.
O reservatório projetado para Belo Monte foi diminuído, bem como inviabilizada a capacidade de regularização das vazões afluentes às suas barragens, em razão de argumentos de natureza ambiental.  Além disso, houve a decisão de se elaborar um hidrograma denominado “de consenso”, com o objetivo de garantir que, a jusante do barramento, fossem asseguradas boas condições de pesca e de navegação às comunidades indígenas, entre outros aspectos.
Evidentemente, regularizar ou não a vazão de um curso d’água é uma decisão que, necessariamente, deve incorporar a dimensão ambiental – numa escolha entre alternativas que devem ficar absolutamente claras para a sociedade. Entretanto, essa decisão vem sendo tomada sem o necessário amadurecimento, sem uma discussão ampliada, baseada em estudos objetivos dos benefícios e custos associados a tal escolha, com um exagerado receio de desagradar a grupos de pressão específicos e visando a uma boa imagem do governo na mídia.
Aliás, justamente nos diversos meios de comunicação é possível encontrar os maiores disparates sobre o assunto. Nas informações divulgadas nesses meios há boas doses de lirismo, relacionado com a eventual substituição dos projetos de hidrelétricas, nomeadamente aqueles que preveem grandes reservatórios, em benefício de outras formas de transformação de energia – como as eólicas, por exemplo.
Informações de baixa qualidade técnica, inclusive relacionadas à possibilidade de substituição de energia hidrelétrica por eólica, encontram eco entre os mais diversos operadores do direito e resulta em uma posição defensiva dos técnicos governamentais, tanto da área de energia quanto da área ambiental. Alguns dos argumentos mais utilizados nessa judicialização calcada na subjetividade são fundamentados no chamado “Princípio da Precaução”, que pode ser definido como de natureza filosófica, política, doutrinária, religiosa ou ideológica – mas, jamais como de natureza científica.
O Princípio da Precaução é, essencialmente, um preceito que, se aplicado ao pé da letra, inviabilizaria o desenvolvimento, justificando a inação diante da ameaça de danos sérios ao ambiente, mesmo sem que existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma atividade e os seus efeitos. Impõem-se, nesses casos, todas as medidas necessárias para impedir tal ocorrência.
Pode-se dizer que há em tal raciocínio uma quase paródia do pensamento de Leibniz, pois em vez de se supor que nada acontece sem que haja uma causa ou razão determinante, a mera suposição causal (de um dano ambiental, nesse caso) determina que nada deva acontecer.
Como acreditar que seja possível definir ameaça de danos sérios ao ambiente sem uma abordagem científica? Como definir ameaça, danos e sérios sem recorrer à ciência? Lamentavelmente, muitos atores políticos e operadores do direito crêem ser capazes de fazê-lo. No mundo real, a adoção rigorosa do princípio da precaução implicaria fechar todos os laboratórios científicos mundo afora. No Brasil, atualmente, sua aplicação faz com que um empreendedor tenha que provar que as intervenções previstas não trarão impactos, mitigáveis ou não, ao meio considerado, o que é virtualmente impossível.
A militância radical, sustentada no Princípio da Precaução, está se utilizando de um raciocínio de mão única. A usina a fio d’água desperdiça a chance de se guardar energia da forma mais barata e da única forma que permite múltiplas utilizações da água armazenada como a criação de peixes, o turismo e a contenção de cheias, por exemplo.
Em um pensamento predominantemente ideológico não há espaço para que sejam debatidas questões fundamentais acerca da opção única por usinas “a fio d’água” ou com reservatórios subdimensionados. Em primeiro lugar, deve-se considerar que o desperdício de capacidade produtiva de energia a montante da usina a fio d´água é praticamente irreversível. Em segundo lugar, a decisão por um caminho praticamente sem volta foi tomada sem o devido e necessário debate técnico e político acerca de um tema que afetará as próximas gerações. Não seria este o caso de se utilizar o princípio da precaução, evitando-se tomar uma decisão irreversível e de provável impacto ambiental negativo, visto que será necessário, no futuro, recorrer a fontes mais poluentes de energia para substituir a capacidade hidrelétrica desperdiçada?

No Brasil, a capacidade de armazenamento de energia em reservatórios é intensamente beneficiada pela diversidade de ciclos pluviométricos das bacias brasileiras, um diferencial notável em relação a outros países. A otimização desses reservatórios passa pelas linhas de transmissão, que, na prática, funcionam como vasos comunicantes, transportando, em vez de água, energia de uma bacia hidrográfica que esteja em um momento de abundância de água, para outra, onde haja necessidade de se economizar água escassa. Desse modo, Belo Monte não pode ser entendida como uma usina isolada e, sim, como virtuosa e hidricamente intercomunicada – por ser interligada eletricamente – com o resto do País. Uma vez que o rio Xingu tem suas cheias quase dois meses depois das cheias dos rios das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, a possibilidade de armazenamento em Belo Monte diminuirá fortemente os riscos de carência de energia – no jargão técnico, o risco de déficit.
Os estudos de um projeto hidrelétrico incluem a análise do comportamento das estruturas, simulando a passagem de uma vazão superior a cheia decamilenar, ou seja, uma cheia de tempo de retorno de 10.000 anos. É tranquilizador saber que a margem de segurança de uma barragem é tão significativa. Todavia, esse cálculo não guarda qualquer relação com a segurança de vazões suficientes para fazer frente à influência da economia sobre a demanda por energia. Nesse caso, utilizam-se os cenários econômicos para estimar a demanda.
Como a matriz de geração elétrica no Brasil há forte predominância hidrotérmica, os cenários começam a sinalizar a crescente necessidade de uso de energia de fonte térmica, mais cara e mais poluidora que a hidrelétrica.
E o pior: “ovos de Colombo”, como a repotenciação e a modernização de hidrelétricas, ainda que totalmente defensáveis, não são processos capazes de garantir o acréscimo anual de 3.300 MW médios de energia que o Ministério de Minas e Energia considera necessário para fazer face às projeções de crescimento econômico para o Brasil. Difundir informações de que a implantação desses processos evitaria, por exemplo, a construção das usinas do rio Madeira não tem qualquer cabimento. O mesmo se pode dizer quanto à possibilidade de eólicas serem capazes de evitar a construção de novas hidrelétricas.
Concordemos, então: a energia eólica é uma beleza, o Brasil deve investir cada vez mais nessa opção, há quem ache lindos os cata-ventos e os zingamochos – embora haja dúvidas quanto à reação da população de cidades que tenham que conviver próximas aos geradores, enfrentando a poluição visual e a descaracterização urbanística. Entretanto, essa não é uma opção para a base da matriz elétrica de qualquer país. Eólicas não são feitas para a geração de base, pois exigem complementação por meio de outras fontes, como hidrelétricas e termelétricas. Com fator de capacidade menor do que a média das hidrelétricas brasileiras, as usinas eólicas dependem fortemente dos ventos, pois essa opção tecnológica não permite armazenar a energia produzida.
O crescimento do mercado consumidor de energia combinado com a implantação de usinas sem reservatórios diminui a confiabilidade do sistema, veda o aproveitamento múltiplo dos lagos das hidrelétricas e obriga o Operador Nacional do Sistema (ONS) a fazer um gerenciamento ano a ano dos estoques de água nas usinas. Como se sabe, sistemas elétricos imunes a defeitos ou a desligamentos imprevistos são modelos teóricos. Os 100% de confiabilidade no sistema elétrico ou “risco zero” de falhas implicaria elevar os custos, que tenderiam ao infinito. E o consumidor teria que pagar por isso, o que implicaria tarifas proibitivas. Assim, no mundo todo, algum risco de falha no sistema é aceito. Mas a redução no nível de confiabilidade do sistema interligado não é desprezível quando se reduz a capacidade de armazenamento de um sistema predominantemente hidrotérmico como o brasileiro.
Quem deveria decidir se a opção pela construção de usinas a fio d’água é a melhor alternativa? Trata-se de um risco para o sistema, um erro inclusive do ponto de vista socioambiental e uma opção praticamente irreversível. Logo, constitui matéria a ser objeto de discussão por ampla representação da sociedade, e não apenas por ativistas ambientais, sociais, ideológicos ou do direito.
Parece que alguém se esqueceu do art. 20, inciso VIII, da Constituição Federal, segundo o qual os potenciais hídricos são bens da União e não de meia dúzia de agentes públicos assustados com as ONGs, com a mídia e com os “achistas” de plantão. Se essa é uma discussão a ser feita pela sociedade e como seria inviável – embora defensável e desejável – a realização de um plebiscito acerca do tema, a democracia representativa tem a única resposta legítima para esse desafio: o Congresso Nacional.

[1] Essa energia é calculada por meio do produto Potência Nominal X 8760 h. Por sua vez, o número de horas anuais é calculado pelo produto 24h X 365 dias, ou seja, 8760 h. Não se deve confundir Fator de Capacidade com Fator de Carga, que é a razão entre a demanda média de energia elétrica, durante um determinado intervalo de tempo, e a demanda máxima registrada no mesmo período. Quanto maior esse índice, mais adequado é o uso da eletricidade.

[2] Os valores médios de fatores de capacidade, em geral, não são muito precisos em razão da dinâmica do processo de implantação de novas usinas em cada país. Por exemplo, a entrada em operação ou a ampliação de um empreendimento pode alterar esses valores. Desse modo, os números aqui apresentados têm função apenas ilustrativa, visando a uma comparação que, de resto, é pertinente, uma vez que as possíveis variações não alteram substantivamente as possíveis conclusões.

* Ivan Dutra Faria é Consultor Legislativo da área de Minas e Energia do Senado Federal. Graduado em Química (UFRJ), com Especialização em Metodologias de Avaliação de Impactos Ambientais (Universidade do Tennessee / UFAM), Mestrado em Planejamento e Gestão Ambiental (UCB) e Doutorado em Política e Gestão Ambiental (UnB). Foi professor de Química em instituições de ensino públicas e privadas, técnico-sênior do Departamento de Estudos de Efeitos Ambientais da Eletronorte, analista da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Distrito Federal (Semarh), consultor / assessor no Ministério da Educação, Ibama, Enap e Eletronorte. Foi, também, consultor-técnico de diversas empresas privadas e membro do Comitê de Meio Ambiente do Setor Elétrico – Comase / Eletrobrás, da Comissão Coordenadora do Programa Nacional de Florestas – Conaflor  e do Comitê Brasileiro do Programa Man and Biosphere  – Cobramab / MaB.

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Para saber mais sobre o tema:

Abbud, O. e Tancredi, M.  Transformações Recentes na Matriz Brasileira de Geração de Energia Elétrica: Causas e Impactos Principais. Texto para Discussão nº 69. Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, Senado Federal. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD69-OmarAbbud_MarcioTancredi.pdf
Montalvão, E.  (2011). Ambiente e energia: crença e ciência no licenciamento ambiental, parte I. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal. Texto para Discussão nº 93. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD93-EdmundoMontalvao.pdf
Faria, I.D.  (2011). Ambiente e energia: crença e ciência no licenciamento ambiental, parte II. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal. Texto para Discussão nº 94. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD94-IvanDutraFaria.pdf
Faria, I.D.  (2011). Ambiente e energia: crença e ciência no licenciamento ambiental, parte III. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal. Texto para Discussão nº 93. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD99-IvanDutraFaria.pdf
Abbud, O. ; Faria, I.D. e Montalvão, E.  (2011). Ambiente e energia: crença e ciência no licenciamento ambiental, parte IV. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal. Texto para Discussão nº 107.
Faria, I.D.  (2011). Entrevista à TV Senado (2011). http://www.senado.gov.br/noticias/tv/videos/cod_midia_64264.flv

Assista a entrevista com o consultor legislativo Ivan Dutra Faria, autor de tese sobre o tema, que considera construção da usina a melhor opção para o país.


sexta-feira, 9 de março de 2012

Carlos Lopes

PIB de 2,7% nada teve a ver com a crise dos países imperialistas

Aumento dos juros, restrição ao crédito, corte nos investimentos, subsídio cambial às importações, arrocho salarial e bilhões do Orçamento desviados para pagar juros aos bancos frearam o crescimento

O desastroso crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2011, divulgado pelo IBGE na terça-feira, infelizmente, não é uma surpresa. Da mesma forma, o resultado negativo, em todas as comparações, da produção física industrial, publicado no dia seguinte (v. matéria nesta página).

Nossos leitores sabem que a partir de  janeiro do ano passado, afirmamos, e demonstramos, diante de sucessivos retrocessos, que a política recessiva, de aumento dos juros, restrição ao crédito, corte nos investimentos e gastos públicos, subsídio cambial às importações, escancaramento ao parasitário dinheiro externo, arrocho sobre o salário mínimo e sobre o salário dos funcionários (e uma insidiosa campanha contra os aumentos salariais em geral), somente poderia conduzir ao que, agora, está exposto publicamente pelos números das “Contas Nacionais” do IBGE.

Depois da eclosão da crise nos países imperialistas, ao final de 2008, o Brasil, no governo do presidente Lula, ajustou a sua economia para que a crise não voltasse a afetá-lo. O mesmo fizeram a maior parte dos países do mundo. No entanto, a política econômica do sr. Mantega foi acabar com esse ajuste – nas suas palavras, a crise havia acabado, daí eram dispensáveis os estímulos, estabelecidos por Lula, à atividade econômica, isto é, os investimentos e financiamentos públicos, os gastos com custeio, o crédito farto para o consumidor e para as empresas, etc. Na terça-feira, ao falar que 2011 foi “um ano de ajuste”, o que Mantega expôs, exatamente, foi que seu “ajuste” era acabar com o ajuste de Lula. Mas não admitiu isso honestamente.

Não fomos os únicos que advertiram que isso não ia dar certo, até porque apenas tiramos as decorrências lógicas do que estava, e ainda está, acontecendo. Preferiríamos, certamente, que esse descaminho tivesse sido corrigido. Porém, o crescimento econômico não é um fenômeno da natureza, mas um resultado da ação humana – em uma palavra, de uma política. Como seria possível crescer decentemente com uma política de freio ao crescimento?

Assim, os míseros 2,7% de crescimento do PIB - quando, em 2010, crescemos 7,5% - são o espelho da política dos srs. Mantega e Tombini, de frear o crescimento em prol de alguns bancos, sobretudo estrangeiros, em detrimento do conjunto dos brasileiros.
Com essa política, em 2011, o setor público transferiu aos bancos, em juros, o equivalente a 5,72% do PIB (R$ 236,673 bilhões). Com juros imensamente maiores que os de outros países – e aumentados cinco vezes seguidas - montanhas de dólares oriundos das superemissões dos EUA e demais países centrais invadiram o país, e o câmbio se tornou, mais do que nunca, um dumping a favor das mercadorias importadas; a hipervalorização do real e desvalorização do dólar foi tão descomunal, barateando importações e encarecendo a produção interna, que o câmbio médio de 2011 foi apenas R$ 1,67 por dólar.

Ao mesmo tempo, os financiamentos do BNDES caíram 18% (no caso das indústrias, -19%).
A consequência é que, além da mediocridade do crescimento, atingido pelos juros e pelos importados subsidiados pelo câmbio, a taxa de investimento da economia, já muito baixa, caiu: 19,3% do PIB contra 19,5% em 2010. O sr. Mantega disse que “temos aumentado o investimento” - está se vendo.

Já o sr. Tombini, preferiu um truque: falar que “a Formação Bruta de Capital Fixo, uma boa medida do investimento, também seguiu em expansão”. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) - o gasto com máquinas, equipamentos e edificações para a produção – só tem significado quando comparada ao PIB para formar a taxa de investimento (FBCF/PIB). Senão, qualquer parafuso ou arruela, comprados para simples reposição, seria uma formidável “expansão” do investimento, já que é uma expansão da FBCF.

Tombini sabe disso – e sabe que a taxa de investimento caiu. No entanto, prefere enganar as pessoas que não sabem o que é FBCF e taxa de investimento. Mas nada pode eludir que o êxtase com “superávits primários” cavalares (um, cada vez maior, desvio de verba da Saúde, Educação, etc., para os bancos), levou a um rotundo fracasso. Como escreveu recentemente o governador Tarso Genro, do Rio Grande do Sul, “a extorsão permanente do nosso trabalho e do desenvolvimento industrial e comercial do país, continua sendo processada pela drenagem de riquezas através dos juros e serviços da dívida (…). A 'confiança' dos investidores no Brasil - refiro-me aos investidores da especulação financeira - é a confiança do 'senhor' sobre o 'escravo' ”.

Entre os “BRICS”, nenhum crescimento foi tão baixo quanto o do Brasil: China: +9,2%; Índia: +7,4%; e Rússia:+4,1%. Na América do Sul, o crescimento foi em torno de 6,5%. P. ex.: Peru (+6,9%); Argentina (+9,2%); Bolívia (+5%); Chile (+6,5%); Colômbia (+7,7%); Equador (+5,8%); Paraguai (+6,4%); Uruguai (+6%) - [dados das instituições oficiais de cada país].  Mesmo considerando toda a América Latina e Caribe, onde há países  devastados pelos EUA, o crescimento médio foi 4,6% (FMI, idem).

Enquanto isso, o maior país, e maior economia, cresceu apenas 2,7%.
A nossa presidente, no último dia 6, atribuiu o resultado de 2011 ao “período adverso para a economia internacional, uma vez que não só os países desenvolvidos estão sofrendo pressões nas suas taxas de crescimento, mas também os países emergentes”.

Não podemos concordar – e não podemos porque a nossa presidente está equivocada. As taxas de crescimento dos países “emergentes” não “sofreram” com tais “pressões”, exceto os pouquíssimos que aceitaram se submeter a esse sofrimento. Por que o Brasil seria diferente dos outros países “emergentes”? Sobre esse tema, um documento que recentemente publicamos, a Resolução Política da última reunião do Diretório Nacional do Partido Pátria Livre (PPL), traz uma importante contribuição:
... não custa nada lançar um olhar sobre o estado atual do mundo e ver que não há razão objetiva para o Brasil ter empacado. Não vamos falar de China e Índia (nossos parceiros no BRICS) que, não tendo tomado conhecimento da crise em 2008, 2009 e 2010, cresceram em 2011 a uma taxa de 9,2% a primeira e 7,4% a segunda. Vamos só apresentar uma singela relação de países de vários continentes com as respectivas taxas de crescimento no ano de 2011 (…). O equívoco de se atribuir um caráter necessariamente mundial à crise que corrói os centros imperialistas pode ser visto mais claramente quando se compara o crescimento de alguns países emergentes com os das maiores economias do '1º Mundo' ” (cf.www.horadopovo.com.br/2012/02Fev/3034-29-02-2012/P8/pag8a.htm).

Com efeito, os 38 países “emergentes” e os 112 países “em desenvolvimento” - portanto, 150 países ao todo – cresceram, em 2011, a uma média de 6,2% (cf. FMI, “World Economic Outlook Update”, Washington, jan/2012, pág. 2). Mas o Brasil, um dos principais “emergentes”, cresceu 3,5 pontos percentuais abaixo da média. Mesmo os países da África subsaariana tiveram, quase todos, um crescimento muito superior ao Brasil (cf. FMI, idem). Alguns exemplos, com suas taxas de crescimento em 2011:

Congo (+6,5%), República Centro Africana (+4,1%), Ruanda (+7%), Burundi (+4,2%), Quênia (+5,3%), Tanzânia (+6,1%), Uganda (6,4%), Djbouti (+4,8%), Eritréia (+8,2%), Etiópia (+7,5%), Benin (+3,8%), Burkina Faso (+4,9%), Camarões (+3,8%), Guiné Equatorial (+7,1%), Gabão (+5,6%), Gâmbia (+5,5%), Gana (+13,5%), Guiné (+4%), Guiné Bissau (+4,8%), Libéria (+6,9%), Mauritânia (+5,1%), Mali (+5,3%), Níger (+5,5%), Nigéria (+6,9%), Senegal (+4%), Serra Leoa (+5,1%), Zâmbia (+6,7%).

Se a crise dos países imperialistas não os afetou, por que afetaria o Brasil? Porque não foi a crise dos países imperialistas que causou a débàcle econômica dos 2,7%, mas a política econômica levada a cabo a partir de janeiro de 2011. É notável que conseguimos ficar atrás até do México (+4,1%), economia hoje altamente dependente dos EUA em crise.

Carlos Lopes é colunista do excelente jornal Hora do Povo

Adriano Benayon

 Brasil privatizado e desnacionalizado

Cada vez mais, o nosso País vai sendo enredado na trama da oligarquia financeira e belicista imperial, cujo programa, no tocante ao Brasil, é evitar seu desenvolvimento, mantendo-o fraco, alienado e desarmado para sofrer, sem reação, o saqueio de seus recursos. Apontei, em artigo recente, algumas das razões pelas quais é muitíssimo enganosa a comemoração de o Brasil ter, agora, o sexto maior PIB do mundo.

2. Afora o que escondem as estatísticas, mormente consideradas isoladamente, o PIB quantifica somente a produção realizada em um país, sem oferecer ideia alguma a respeito de quem ganha com essa produção, nem quanto às necessidades de quem esta serve.

3. Por exemplo, os minérios extraídos de nosso subsolo são, em sua esmagadora maioria, destinados ao exterior, onde entram na produção de bens cujo valor agregado, em termos monetários, é maior que o dessas matérias-primas, dezenas e até centenas de vezes.

4. Na agropecuária e na agroindústria, a fabulosa dotação de terras aproveitáveis, de água e de sol pouco serve à qualidade de vida da grande maioria dos brasileiros, pois, no mínimo, três quartos das terras são usadas na pecuária extensiva para proporcionar carne barata aos importadores, e  em mais de 70% dos 25% das terras restantes estendem-se culturas orientadas para a exportação de alimentos e de matérias-primas. Só a soja ocupa 40% da área cultivada, para fornecer farelo destinado, quase todo, à alimentação de animais no estrangeiro.

5. Nem mesmo a minoria dos brasileiros em condições econômicas e culturais para desfrutar de alimentação saudável, o consegue, porquanto a produção agrícola utiliza, em nível de recorde mundial, defensivos altamente tóxicos, produzidos por transnacionais estrangeiras. Estas fornecem, ademais, as sementes transgênicas, que causam a degradação da agricultura, a dependência e a insegurança nessa área estratégica, e ameaçam a sobrevivência das abelhas e das espécies vegetais.

6. Entre outros efeitos do modelo, o saldo das transações correntes do balanço de pagamentos partiu de resultado positivo, no quadriênio 2004-2007, de US$ 40,2 bilhões, para déficit US$ 149,2 bilhões de 2008 a 2011, ou seja, houve queda de US$ 189,4 bilhões (cifras apontadas pelo economista Flávio Tavares de Lyra). 

7. Mais: o balanço das mercadorias ainda teve saldos positivos, em função da colossal quantidade exportada de bens primários, mas esses saldos são decrescentes. Como são crescentes os déficits dos balanços de rendas e de serviços (lucros, dividendos e juros remetidos oficialmente pelas transnacionais), os saldos negativos na conta corrente  aumentam rapidamente.

8. Isso ilustra a preponderância das empresas com matrizes no exterior nas relações econômicas do Brasil.  De 2008 a 2011, o déficit nos serviços acumulou US$ 99,4 bilhões, e o das rendas, US$ 256 bilhões.

9. Até há pouco, o balanço de pagamentos vinha sendo “equilibrado” pelo ingresso líquido de capitais estrangeiros, um pretenso remédio, que, na realidade, aumenta a doença estrutural da economia, algo como drogados sentindo alívio ao ingerir mais tóxicos, incrementando sua dependência. 

10. Se, para compensar os déficits na conta corrente, não for suficiente a soma das entradas líquidas de investimentos diretos estrangeiros, mais a compra líquida de ações de empresas locais, o balanço de pagamentos só fecha através de empréstimos e financiamentos: elevando o endividamento externo. Ou a dívida interna, com os dólares convertidos em reais pelos aplicadores do exterior para auferir os juros mais altos do mundo.

11. Tais aplicações podem tomar o rumo de volta a curto prazo, junto com seus rendimentos  mais apreciação cambial, devido:

1) à iminente nova recaída do colapso financeiro dos bancos no exterior, a despeito de terem sido socorridos com dezenas de trilhões de dólares e de euros por seus governos, satélites dos banqueiros;

2) ao efeito combinado disso com a  previsível crise das contas externas, acarretando intensa fuga de capitais.

12.  Isso fará acabar (temporariamente, pois a maioria das pessoas não gosta de encarar verdades desagradáveis) com muita ilusão acerca dos “êxitos” da economia brasileira. Esses, no que têm de real, deveram-se à exuberância dos recursos naturais e à capacidade de trabalho de muitos brasileiros e estrangeiros aqui radicados. Entretanto, o modelo dependente e entreguista impede o Brasil de colher os frutos dessas vantagens.

13. Na realidade, as crises, a estagnação, se não a decadência, no longo prazo, são consequências necessárias da estrutura econômica caracterizada pela desnacionalização, pela concentração e pela desindustrialização. 

14.  As três foram sendo implantadas segundo o modelo inculcado pelo império financeiro mundial nas mentes crédulas e/ou corrompidas de pseudo-elites e de classes médias subordinadas, resultando na deterioração estrutural, que se agrava continuadamente.

15. Neste momento, em que o “governo” petista leva adiante mais privatizações, é perda de tempo dar atenção às críticas do PSDB, que, quando esteve no “comando” da União Federal, de 1995 a 2002, fez que esta desse enorme salto qualitativo para o abismo, com privatizações em massa, grandemente danosas para o Brasil.

16. Ocioso também gastar tempo com as “justificações” dos petistas, cujos “governos” de 2003 até hoje (mais de nove anos), além de jamais terem tratado de corrigir o desastre estrutural intensificado pelos tucanos, vem-lhe adicionando mais medidas prejudiciais ao interesse nacional. 

17. Conforme listagem formulada por Maria Lucia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, o  governo do PT acumula as seguintes privatizações:

1) previdência dos servidores públicos (projeto do Executivo, por ser transformado em Lei no Congresso);

2)  jazidas de petróleo, incluso o pré-sal (cujo marco regulatório foi alterado a gosto do cartel anglo-americano);

3) aeroportos mais rentáveis do País;

4) rodovias;

5)  hospitais universitários;

6) florestas:

7) saúde, educação e segurança. 

18. Claro que - à exceção do 1º e do 3º itens supra -, essas áreas já vinham sendo privatizadas em “governos” anteriores. Entretanto, não há como ignorar que o Executivo Federal e sua base parlamentar têm dado prosseguimento à radicalização do modelo entreguista, cuja primeira oficialização remonta ao golpe de 1954, resultado de conspiração que resultou na derrubada do Presidente Getúlio Vargas, urdida e executada por serviços secretos estrangeiros com apoio da 5ª coluna local;

19. É verdade que, mesmo enquanto Vargas foi presidente, já eram muito fortes as pressões e a influência das potências anglo-americanas sobre o Brasil, e ele, mais cauteloso que ousado e revolucionário, fraquejou em momentos decisivos, quando a única saída, já em 1952, seria o contra-ataque, inclusive alijando do Exército os principais oficiais simpáticos àquelas potências ou por elas cooptados.

20. Naquele ano, o ministro das Relações Exteriores e o chefe do Estado-Maior das FFAA negociaram acordo militar com os EUA, sem o conhecimento do ministro da Guerra, que se demitiu, quando Vargas consentiu com esse acordo. O presidente começou, então, a perder sua base militar e ser posto na defensiva pelos artífices da conspiração.

21. Por que fazer referência ao golpe de 24 de agosto de 1954 como marco do modelo que gradualmente espatifou o que restava de independência nacional? Porque, 20 dias depois, foram baixados regulamentos, como a Instrução 113 da SUMOC (nas funções de Banco Central), os quais permitiram que as subsidiárias das transnacionais importassem  máquinas e equipamentos amortizados no exterior, mais que sucatados após mais de dez anos de uso,  e o registrassem como investimento em moeda estrangeira, com altos valores.

22. Inaugurava-se assim a política de subsidiar as empresas estrangeiras e de tornar praticamente impossível a permanência no mercado de empresas brasileiras por muito tempo. Os subsídios foram sendo, por vezes substituídos e, em geral, acumulados. 

23, JK não fez revogar quaisquer medidas do governo udeno-militar instalado com o golpe de 1954 e, ainda por cima, criou vantagens especiais para “incentivar os investimentos estrangeiros”. Em 1964/66 o czar da economia do presidente militar eleito pelo Congresso, com a colaboração de JK, após o novo golpe, Roberto Campos, deu grande impulso ao desbaratamento da indústria de capital nacional.

24. Apavorada pelo espantalho do comunismo, grande parte da classe média e dos militares deixou-se manipular pelo falso maniqueísmo da Guerra Fria, caindo nos braços do império anglo-americano. Em consequência, a desnacionalização e a concentração cresceram vertiginosamente até os dias de hoje.

25.  De fato, nem sequer os dirigentes militares menos alinhados com os EUA, e menos ainda, os do regime instalado - sob a supervisão dos serviços secretos estrangeiro, durante e após a transição para a pseudo-democracia - trabalharam por conter a concentração econômica, nas mãos, cada vez mais, das transnacionais. 

26. Assim, a estrutura econômica dos anos 90 em diante já era outra bem diferente da dos anos 50, quando ainda o voto popular não era totalmente teleguiado pelo dinheiro e pela grande mídia, a serviço dos concentradores, nem existiam redes de TV. Atualmente, os partidos políticos, quase todos, estão a serviço das transnacionais ou de bancos estrangeiros e locais.

27. Até 1964, o voto popular, que favorecia Vargas e seus seguidores, foi frustrado pelas intervenções a mando do estrangeiro, com a desestabilização de governos eleitos, apoiada pela grande mídia e fomentada pelas transnacionais e pelos governos dos países hegemônicos. Ou seja pelas “democracias ocidentais”, as quais, como hoje está claríssimo, nada tinham de democráticas e, agora, descambam para o estado policial internamente e para ostensivas e brutais agressões imperiais no exterior. JK foi o único que, eleito pelo voto popular, terminou seu mandato. Mas por que? O dito no parágrafo 23 o explica.

28. Ao longo dos governos militares, embora tenham sido cassados e afastados muitos nacionalistas das FFAA, não se cuidara de privatizações, e foram criadas novas estatais.  Entretanto, nem mesmo após o primeiro daqueles governos, claramente pró-EUA, houve reversão das políticas favorecedoras das transnacionais e cerceadoras das empresas privadas de capital nacional.

29. Por isso, os “milagres” de JK e de alguns governos militares (altas taxas de crescimento do PIB), mostraram-se falsos e redundaram na explosão da dívida externa, no final dos anos 70, seguida da inadimplência em 1982,  ficando o  País à mercê dos fraudulentos credores externos.

30. Sem lideranças revolucionárias capazes de entender o desastre estrutural da economia e de lutar por revertê-lo, o Brasil submeteu-se aos famigerados planos Baker e Brady e ao Consenso de Washington. A Constituição de 1988 foi fraudada para privilegiar o serviço da dívida, o que levou a pagamentos astronômicos e, apesar deles, ao crescimento exponencial da dívida interna. 

31. Seguiram-se privatizações sob o ridículo pretexto de obter recursos para o pagamento das dívidas, num processo em que o País gastou centenas de bilhões de reais para alienar patrimônios fantásticos. É isso que está sendo reativado agora, e não nos admira, pois, se FHC teve por meta destruir o que ficou da Era Vargas, o PT foi criado para dividir os trabalhadores, com mais um partido, este pretensamente de resultados, simpático às transnacionais e desprovido de consciência nacional.

Adriano Benayon do Amaral é diplomata de carreira, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal, na Área de Economia, aprovado em 1º lugar em ambos concursos. Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de ”Globalização versus Desenvolvimento”.

segunda-feira, 5 de março de 2012

José Sarney


Chutando a Escada


O título vulgar esconde o bom livro que tem como subtítulo “A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica”. O autor é Ha-Joon Chang e a editora a Unesp. O título infeliz deseja dizer que as nações que se desenvolveram a custa de políticas de nacionalismo protecionista, agora, que ficaram ricas, estão jogando fora a escada na qual subiram, porque não é mais necessária. Comentários à parte, é um excelente livro, repleto de análises históricas sobre as economias dos países do mundo desenvolvido, fazendo abordagens das políticas de crescimento, relações internacionais e estratégias adotadas. É possível verificar que nenhuma nação rica deixou de adotar uma política de proteção à sua indústria e barreiras às importações de produtos manufaturados, a começar pela Grã-Bretanha onde, desde 1327, Eduardo VII estabeleceu proteção à produção local dos tecidos de lã. Depois de ricos passaram a adotar a doutrina da liberdade de comércio que, através da história, chegou até nossos dias com o nome de neoliberalismo. Assim, o que vemos hoje nas receitas de austeridade e total abertura de mercados nada mais é do que a velha fórmula de mandar fazer o que não faço.  O dr. Chang, que é diretor de estudos na Universidade de Cambridge, analisa país por país, suas políticas econômicas adotadas no passado e suas hipocrisias do presente. Para nós, brasileiros, sua leitura é bastante atual, porque estamos vivendo os problemas que as nações ricas enfrentaram, com a invasão do nosso mercado por produtos industrializados de outros países, importadores de matéria prima barata e mão de obra mais ainda, diga-se China. Temos, assim, neste livro, uma soma de informações sobre história econômica que nos ajuda a reforçar a necessidade de políticas de proteção à indústria nacional e oferecer medidas que não signifiquem facilitar a invasão de nosso mercado, fazendo aquilo que os outros países jamais fizeram: incentivar a importação, como ocorre em vários portos brasileiros. Outro aspecto da análise deste livro é a necessidade de não deixar que a especulação financeira ofereça vantagens que impliquem em liquidar com a indústria nacional, como é o caso do câmbio.
Numa síntese final, o autor diz que a “boa governança”, imposta pelos países do mundo rico, é mandar os pobres chutarem a escada antes que por ela tenham subido a riqueza e o desenvolvimento. Continuarem ricos e os pobres sempre pobres.

José Sarney
foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.