segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Orçamento 2013: privilégio para JUROS, migalhas para servidores públicos e salário mínimo


Dia 30/08, o governo federal divulgou a proposta orçamentária para 2013, na qual detalha a previsão de gastos para o próximo ano. Conforme apresentação da Ministra do Planejamento Miriam Belchior (páginas 20 a 22), o valor previsto para atender às reivindicações dos servidores – apresentadas durante as greves realizadas por cerca de 40 categorias nos últimos meses – é de R$ 10,289 bilhões. Tal valor representa apenas 5,5% do valor previsto para a folha de pagamento total deste ano (R$ 187,6 bilhões). Desta forma, verifica-se que a proposta do governo aos servidores mal repõe a inflação deste ano, e não recupera as perdas históricas que levaram as categorias ao movimento grevista. Por outro lado, o mesmo documento apresenta uma estimativa de gasto de R$ 900 bilhões com juros e amortizações da dívida pública em 2013 (página 9 da apresentação da Ministra), podendo tal valor ainda aumentar no decorrer do ano. Cabe ressaltar que o valor do salário mínimo fixado para 2013 (R$ 670,95) significa um aumento real de apenas 2,7% em relação ao valor atual. Prosseguindo nesse ritmo, serão necessários cerca de 50 anos para se atingir o salário mínimo calculado pelo DIEESE (de R$ 2.383,28), com base no disposto na Constituição Federal, art. 7º.

O eterno argumento oficial contra um aumento maior do salário mínimo é que a Previdência Social não teria recursos suficientes para pagar as aposentadorias. Porém, tal argumento é falacioso e não se sustenta em base aos dados da arrecadação federal. A Previdência é um dos tripés da Seguridade Social, juntamente com a Saúde e Assistência Social, e tem sido altamente superavitária. Em 2011 o superávit da Seguridade Social superou R$ 77 bilhões, em 2010 R$ 56 bilhões, e em 2009 R$ 32 bilhões, conforme dados da ANFIP. Deveríamos estar discutindo a melhoria do sistema de Seguridade Social, mas isso não ocorre devido à Desvinculação das Receitas desse setor para o cumprimento das metas de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida pública. Importante também comentar as páginas 5 e 7 da apresentação da Ministra, nas quais o governo alega que a dívida pública e as taxas de juros estariam em forte queda. Porém, tal dado se refere à distorcida parcela denominada “Dívida Líquida do Setor Público”. O Brasil é o único país que calcula a dívida “líquida”, algo que não tem sentido lógico, pois desconta da dívida bruta diversos valores que em tese configurariam créditos, porém, possuem pesos relativos distintos. Enquanto o custo da dívida pública ficou em mais de 12% ano passado, as reservas internacionais (que são o principal crédito deduzido para se chegar ao conceito de dívida “líquida”) não renderam quase nada ao país. Neste ano, enquanto o governo alardeia a comemoração sobre a redução da Taxa Selic para 7,5% ao ano, o custo médio efetivo da dívida pública federal está em nada menos que 11,3% ao ano (Tabela do Tesouro Nacional – Quadro 4.1), pois justamente quando a Selic passou a cair o Tesouro passou a vender os títulos lastreados em taxas fixas bem superiores à Selic, e atualmente apenas 24,57% da dívida mobiliária de responsabilidade do Tesouro Nacional está atrelada à Selic.

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Adriano Benayon: "Que futuro, com este passado?"

Que futuro, com este passado?



No clássico samba Chão de Estrelas, de Orestes Barbosa, o verso fala em “palhaço de perdidas ilusões”. No tango  Mano a Mano, de Carlos Gardel, este diz à que o deixa por um ricaço: “tenés el mate lleno (a cabeça cheia) de infelices ilusiones” .

2. Mais infelizes são as ilusões em que o sistema de poder concentrador enreda o nosso povo, depois de montar bombas-relógio que têm causado enormes estragos antes mesmo de detonarem.

3. Entre outras, a dívida interna federal, que atingiu, no final de 2011, R$ 2.536.065.586.017,68 (mais de dois trilhões e meio de reais), e a dívida externa, US$ 402.385.102.828,23 (mais de quatrocentos bilhões de dólares). Esta, em parte privada, acaba virando toda pública em situações como a de 1982.

4. A soma passa de três trilhões e seiscentos bilhões de reais e corresponde a 83% do PIB: o valor da produção interna de bens e serviços nos doze meses do ano.

5. Cerca de 30% dos títulos da dívida interna figuram como “em poder do Banco Central”, mas este os repassa aos bancos nas "Operações de Mercado Aberto". Aplicadores do exterior vendem dólares para comprar desses títulos.

6. O Banco Central fica com parte dos títulos para cobrir, com o rendimento, o prejuízo de R$ 100 bilhões anuais (2011), diferença entre os juros pagos pelos títulos do Tesouro e os juros auferidos com as reservas brasileiras no exterior.

7. E a tragédia da dívida pública não está só no tamanho dela e no gasto que causa:  R$ 708 bilhões de juros e amortizações em 2011. 

8. O pior é que mais de 90% provêm de juros, taxas e comissões incorporados ao principal (capitalizados), ao longo do tempo, desde antes de grande parte da dívida externa se ter convertido em interna, nos anos 80, mesmo após o Brasil ter feito enormes desembolsos em dólar.

9. Há mais.  Conforme dados da Auditoria Cidadã da Dívida, as despesas de juros e amortizações (serviço da dívida) totalizaram R$ 2 trilhões durante os mandatos de FHC (1995-2002) e R$ 4,7 trilhões, durante os de Lula (2003-2010).  10. Com as taxas de juros mais altas do mundo e a dinâmica dos juros compostos, a dívida cresce através da emissão de novos títulos em valor maior que os liquidados, porquanto os juros e encargos estipulados ultrapassam o que a União consegue saldar. 

11. Nos últimos 17 anos, o serviço da dívida custou R$ 7,4 trilhões. Nos 7 anos anteriores, de 1988 a 1994, ele somou R$ 2,84 trilhões, já aproveitando o dispositivo inserido na Constituição, através de fraude, o qual privilegia o serviço da dívida no Orçamento.  

12. O montante da dívida não equivalia então nem a 10% do presente, mas o “governo brasileiro”, aceitando o vergonhoso Plano Baker, emitiu títulos e fez pagamentos em volume espantoso, para cobrir dívidas atrasadas e abusivamente infladas.

13. De fato, em 1989 e 1990 o serviço da dívida custou R$ 1,57 trilhão. Essa média anual, R$ 785 bilhões, em cifras atualizadas a preços de 2011, supera o custo atual, embora o principal fosse naquela época dez vezes menor que hoje .

14. O serviço da dívida, correspondendo atualmente a 45% do total das despesas federais, equivale a 17% do PIB. Nem tudo isso é desembolsado, mas o que não o é, vai elevando o montante da dívida.

15. Seria bem melhor criar moeda e crédito em bancos próprios, para investir produtivamente, que endividar-se para rolar dívidas financeiras e, de resto, nunca auditadas. Portanto, o Brasil poderia quase dobrar os investimentos (19% do PIB), chegando ao patamar dos países de maior poupança, como China, Taiwan e Coreia. 

16. Imagine-se o progresso, se não se despendessem -  há mais de 35 anos - verbas absurdas com a dívida.  Mormente, se se investisse certo, em vez de subsidiar as transnacionais, como o Brasil faz há 58 anos, desde 24 de agosto de 1954.

17. Os países citados, com potencial menor que o do Brasil, tiveram resultados incomparavelmente melhores, porque fizeram investimentos estatais, com crescente autonomia tecnológica, e  ajudaram as empresas nacionais, não as transnacionais. Essa política econômica levou-os a tornarem-se credores, enquanto o Brasil ficou refém da dívida.

18. Chegamos aqui à verdadeira origem da dívida. Esta resulta da acumulação dos déficits nas transações correntes com o exterior, os quais, por sua vez, decorrem das remessas oficiais e disfarçadas dos lucros que as empresas transnacionais auferem no mercado brasileiro, que lhes foi entregue a partir de 1954.

19. Além da ocupação do mercado por carteis transnacionais, contribuíram para a explosão da dívida: a) o financiamento externo dos investimentos na infra-estrutura e nas indústrias de base, realizados em apoio à indústria “nacional”, cada vez menos nacional; b) os choques dos preços de petróleo (1973 e 1979), quando o Brasil era importador;  c) a elevação dos juros em dólar pelo FED, em agosto de 1979, de menos de 10% para mais de 20% aa.

20. A desnacionalização da economia - causa primordial da dívida e da desestruturação do País - ganhou corpo a partir de 1954,  quando agentes da oligarquia, Eugênio Gudin e Otávio Gouvêa de Bulhões, assumiram o comando da política econômica. 

21. Baixaram a Instrução nº 113 da SUMOC, que permitiu às transnacionais (ETNs) importar máquinas e equipamentos usados, registrando-os como se fosse investimento em moeda. Assim,  as ETNs puderam produzir a custo zero de capital e tecnologia, pois tais bens de capital estavam mais que amortizados com as vendas no exterior.

22. Evidentemente, as transnacionais não declaravam valor zero.  De 1957 a 1960, sob JK -  que manteve os subsídios e ainda lhes deu maiores facilidades – as montadoras e outras transnacionais registraram quase US$ 400 milhões (US$ 3,3 bilhões, atualizando, conforme a variação, brutalmente subestimada, do IPC dos EUA). 

23. Não bastasse, as transnacionais favorecidas por aquela Instrução contabilizavam à taxa de câmbio livre o equivalente, em moeda nacional, ao investimento registrado  e convertiam lucros e repatriações de capital à taxa preferencial, quando das remessas ao exterior. Isso significava mais que dobrar o valor transferido. 

24. Florescentes indústrias de capital nacional surgiram em grande número, na primeira metade do Século XX, principalmente na Era Vargas.  Depois de 1954, em vez de serem protegidas, foram prejudicadas pela política econômica.

25. Em 1964, Roberto Campos tornou-se czar da economia. Bulhões, ministro da Fazenda. Que fizeram? Pretextando combater a inflação, em alta com a desestabilização anterior ao golpe patrocinado pelos serviços secretos estrangeiros, reduziram os investimentos, elevaram os juros e restringiram o crédito: o suficiente para eliminar do mercado grande número de empresas nacionais.

26. Costa e Silva e Médici reeditaram o falso milagre de JK, e Geisel tentou o mesmo.  A ressaca foi ainda mais dolorida. Em 1960, o endividamento externo quase levou à  inadimplência. No final dos anos 70, ela já era inevitável e aconteceu em 1982, juntamente com a moratória do México e a da Argentina.

27. Delfim Neto, em 1969-1970, instituíra vultosos subsídios às exportações industriais, mais um maná para as transnacionais.  Em 1982, de volta ao governo,  sob Figueiredo,  mostrou-se arredio a qualquer atitude que lembrasse soberania, e desprezou a tentativa argentina de formar o cartel dos devedores.

28. Daí por diante, não cessaram as capitulações, em notável continuidade entre o governo militar e os governos instalados após a Constituição de 1988.

29. Advêm nesse ponto os colossais dispêndios com o serviço da dívida de 1989/1990, ditados pela mágica dos banqueiros mundiais: não deixar acabar a dívida externa – apesar dos vultosos pagamentos – e ainda extrair dela a dívida interna, que cresceu exponencialmente a partir dos anos 80.

30. Entretanto, a coisa não parou aí.  Num processo de retro-alimentação perene: a estrutura de mercado, em poder de empresas estrangeiras, causando déficits externos e endividamento, e este gerando ocupação ainda maior do mercado por essas empresas.

31. Isso culminou, a partir de 1990, com:  1) as  “privatizações”: entrega de estatais, de valor incalculável, em troca de títulos sem valor (moedas podres), com  desnacionalização imediata ou a médio prazo, em razão da dinâmica do modelo concentrador; 2) a desestruturação do próprio Estado, tornando-o desprovido de instituições capazes de guiar o desenvolvimento econômico e social, e fazendo-o substituir servidores comprometidos com o País por agentes externos.

32. Com a estagnação, acentuada após a crise de 1982,  a taxa de investimento ficou baixa, e os investimentos continuaram mal direcionados.  

33.  Mesmo sem crescimento econômico, os fatores do endividamento continuaram operando, até, em 1999, final do primeiro mandato de FHC, eclodir outra crise externa, ocultada até o desenlace, após a reeleição viabilizada pela corrupção para a emenda à Constituição. 

34. Nos mandatos de Lula e no de Dilma, elevaram-se as taxas de crescimento do PIB, com a expansão do crédito, especialmente público, e navegando sobre preços mais altos nas exportações primárias. 

35. Então se formaram bolhas e, a cada sinal de exaustão, o governo reage com pacotes que intensificam a deterioração estrutural da economia, em curso desde 1954 e agravada desde 1990. De fato, em 1970 oligopólios de transnacionais já controlavam o grosso da indústria, e depois foi quase todo o restante.

36. Os expedientes para o “crescimento” subordinam-se aos dogmas do Consenso de Washington, tais como parcerias público-privadas, nas quais o dinheiro público financia os empreendimentos e assume o risco, cabendo a gestão e lucro garantido a concentradores privados. Na mesma linha, os créditos subsidiados do BNDES às transnacionais -  e novas isenções fiscais e doações em favor destas -  refletem o estado patológico das relações de poder.

37. FHC fez desnacionalizar como ninguém, mas, segundo a Consultoria KPMG, de 2004 a junho de 2012, mais 1.167 empresas brasileiras passaram para controle estrangeiro. 

38. Mais do que as fusões e aquisições, os  investimentos estrangeiros diretos (IEDs) – onde se computa também o reinvestimento de lucros -  são o principal mecanismo da desnacionalização.  

39. O estoque de IEDs acumulado de 1947 a 2005 montou a US$ 180 bilhões, e só os de 2006 a 2011 superam esse montante, com US$ 192,7 bilhões.

40. No mesmo período, os déficits de “serviços” e “rendas” aumentaram 114%. Somaram US$ 345,4 bilhões nesses seis anos, quantia equivalente a  93% do estoque de IEDs até 2011.  

41. Os IEDs e outras modalidades de capital estrangeiro têm equilibrado o Balanço de Pagamentos, como o uso acrescido de drogas alivia o toxicômano, i.e., agravando a doença estrutural da economia. 

42. Assim, se não forem revertidas as regras que o Brasil vem obedecendo cegamente, as transferências das transnacionais levarão a uma crise externa incontornável, a qual, se tratada como as anteriores, fará elevar os juros e tornará a dívida pública ainda menos suportável.

43. Está presente também, em função da provável desvalorização do real, a perspectiva de avultar ainda mais a já desbragada venda  – por nada -  de empresas, títulos públicos e terras brasileiras.  

44. De fato, por imposição imperial, acatada por países submissos, o dólar continua valendo como moeda internacional, não obstante ser moeda falsa, aviltada por emissões às dezenas de trilhões, passados aos bancos da oligarquia. O Brasil entrega tudo para ficar com depósitos em dólares, fadados não só a perder valor, mas também a sumir de repente quando se desencadear a fuga de capitais.

Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
abenayon@brturbo.com.br