terça-feira, 29 de maio de 2012

União gastou 45% do orçamento com juros e 2% com educação

Estudo foi apresentado ontem no Cine Teatro da Assembléia

A Auditoria Cidadã da Dívida Pública brasileira comprovou que do Orçamento Geral da União do ano passado, que foi executado em torno de R$ 1,571 trilhão, cerca de 45% (R$ 708 bilhões) foram utilizados para pagamento de juros e amortização da dívida pública. Dessa forma, quase R$ 2 bilhões foram gastos por dia com essa finalidade, beneficiando principalmente bancos e instituições do sistema financeiro. Por outro lado, é inexpressivo o valor gasto pelo Governo Federal com áreas sociais: saúde (4,07%), Educação (2,99%), Transferências a Estados e Municípios (9,95%), Segurança Pública (0,41%), Assistência Social (2,85%), Saneamento (0,02%), Indústria (0,10%), Transporte (068%) e Previdência Social (22,01%), que representa muito por conta do acesso à aposentadoria por milhões de pessoas. O estudo técnico elaborado pela coordenadora nacional do projeto de auditoria cidadã, Maria Lúcia Fattorelli, foi apresentado ontem no Cine Teatro da Assembleia durante o IV Encontro Estadual dos Auditores Fiscais da Fazenda. O documento do projeto coloca a dívida pública como o centro dos problemas sociais e aponta a discrepância entre a alta tributação imposta aos estados brasileiros e o baixo retorno em investimentos sociais à população pelo Governo Federal. "Somos a sexta economia do mundo, com imensas riquezas e potenciais. Por outro lado, somos um dos países mais injustos do mundo (3ª pior distribuição de renda, segundo o índice Gini) e, vergonhosamente, o 84º em atendimento aos direitos humanos, segundo o IGH medido pela ONU", relata o documento da auditoria cidadã. Durante a apresentação, Maria Lúcia Fattorelli fez fortes críticas ao sistema implantado pelo Governo Federal, que prejudica a sociedade, reduzindo os gastos com políticas sociais e privilegiando o pagamento de juros abusivos a bancos e instituições financeiras. Com esse panorama, a auditoraataca o crescimento da dependência dos Estados por meio de empréstimos a bancos, fato que ocorre principalmente por falta de uma decisão políticado Governo Federal em admitir a cobrança de juros excessivos nos contratos de empréstimos feitos pelos Estados com a União no fim da década de 90. "Como um organismo internacional pode dar condições mais favoráveis do que a própria nação, o artigo 1º da Constituição Federal diz que o Brasil é uma Federação, mas não é o que se percebe. É um risco tremendo assumir uma dívida com o Banco Mundial para pagar dívida com a União porque não se tem controle sobre o dólar e o mercado financeiro. É uma insegurança total", pontuou a auditora. A Auditoria Cidadão está criando núcleos que aprimorem os estudos em cada Estado para subsidiar um documento técnico que comprove a necessidade de renegociação da dívida. Para o presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais do Piauí, Philippe Salha, o objetivo do encontro é elaborar uma proposta para ir em busca do refazimento desse contrato com a União ,com índices aceitáveis, e liberando mais recursos dos Estados para investimentos em áreas sociais.

Fernando Collor de Mello é entrevistado por Paulo Henrique Amorim

Paulo Henrique Amorim entrevista, com exclusividade, o ex-presidente da República e atual senador Fernando Collor de Mello, no Entrevista Record Atualidades, na Record News. A primeira parte da conversa foi ao ar ontem, às 22h. A segunda parte será exibida na próxima segunda-feira (4), no mesmo horário. O encontro, gravado no estúdio da emissora em Brasília nesta segunda-feira (28), teve como tema sua passagem pela presidência e a cassação de seu mandato.
- Fui absolvido pelo Supremo. E meu mandato? Não deveria tê-lo de volta?, questionou o senador. Ele revelou ainda: "Sem PC Farias não haveria campanha presidencial."
Collor comentou também a atuação do procurador geral da República, Roberto Gurgel, nas investigações contra Carlos Cachoeira:
-Não tenho dúvida que Gurgel cometeu um crime.
Collor lembra que tem como trunfo o fato de nada ter sido comprovado contra ele, depois de inúmeras acusações; e que nunca, jamais, em todo processo que o depôs da Presidência, agiu no sentido de impedir seja a imprensa, sejam os políticos, de averiguarem as informações. Confira a seguir a 1ª parte da entrevista.


Comentário de Said Barbosa Dib:

Ótima entrevista. Muito esclarecedora. Concentrando no aspecto da História do Brasil, o ex-presidente tem toda razão, pois foi realmente deposto. Você se lembra porque, efetivamente, Collor foi deposto? Quando o motorista Eriberto França foi usado como respaldo para as denúncias sobre o esquema PC Farias, o PT automaticamente encampou a história, a CPI tomou força e Collor acabou deposto por um “golpe de mestre” das elites políticas, simplesmente porque, pelo seu caráter forte (arrogância de um jovem de 40 anos), nunca aceitou se submeter aos esquemas e “mensalões” do Congresso que, em 2006, assistimos estarrecidos na TV, por exemplo. Tudo rápido e simples. Tiraram o homem de cena sem choro nem vela. O primeiro presidente da República eleito pelo voto direto após 25 anos, Fernando Collor de Mello teve seus atos ditos “ilícitos” julgados publicamente. E, de acordo com o depoimento do senador Pedro Simon (PMDB-RS), notório adversário de Collor, realmente “nunca criou nenhum obstáculo para que a CPI que investigou seu tesoureiro PC Farias” os apurasse, fornecendo-lhe, ao contrário, o apoio necessário do aparelho policial a ele subordinado. O então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Sydney Sanches (o Jobim da época, no sentido de politização do Judiciário), comandou a sessão do Congresso em que o chefe do governo foi cassado - e fez vista grossa para a ilegalidade flagrante da recusa em aceitar a renúncia do presidente, encaminhada em texto de próprio punho antes do julgamento. Collor fada disso na entrevista a PHA. Collor foi impedido (sofreu golpe de Estado), perdeu os direitos políticos por oito anos e nunca foi condenado a coisa alguma pelos crimes pelos quais foi punido com a perda do mandato. Mas, ainda hoje, algumas pessoas mal intencionadas execram o ex-presidente Collor sem nem bem saber o porquê, acusando-o de modelo e exemplo de uma grande “corrupção institucionalizada”. Mas ao mesmo tempo, estranhamente, não sabem identificar um único exemplo de corrupção, esquecendo até que Collor ganhou, repito!, todas as ações contra ele na Justiça, sendo inocentado de todas as acusações que lhe foram imputadas. E quando muito restou somente uma única e irrefutável acusação e "grande" exemplo de corrupção: um Fiat Elba. Não se trata aqui de tentar inocentar o ex-presidente Collor, mas tão somente de fazer justiça histórica e uma constatação: todo o alarde em torno de um propalado “mar de corrupção” da administração Collor resume-se a uma grande campanha de mídia cujo único dado apresentado seria um reles Fiat Elba. Parece até uma vingança surrealista dos carros nacionais, chamadas de “as carroças” por Collor, diante do processo de abertura e modernização iniciado pelo então presidente e que provocou o ódio de setores acomodados do empresariado. É isso mesmo. Todo esse alarde de "mar de corrupção" só por causa de um reles Fiat Elba, acusação feita a um homem rico desde o nascimento que, com certeza, não iria se sujar por tão pouco. A verdade é que PC Farias não tomou um único centavo do governo ou de verbas públicas. Nada que se aproxima do que ocorreu com a compra descarada de votos para a emenda da reeleição de FHC ou o “mensalão” de Lula. O grande crime de PC foi realmente tomar dinheiro de particulares, de empresários. Todo o dinheiro que ele arrecadou e amealhou antes, durante e depois da campanha, era dinheiro de empresários, que deram a Collor para ter seus interesses protegidos, mas que Collor simplesmente ousou atropelar, a começar por Roberto Marinho, e por isso foi sacrificado, vilipendiado, execrado e tirado à força da Presidência da República. Assim como a Globo e a Veja construíram a candidatura Collor para ser o anti-Lula, logo que perceberam que o presidente não iria comer em suas mãos, começaram a campanha para apeá-lo do poder. Quer dizer: no caso de Collor não houve o aparelhamento do Estado, a utilização de verbas públicas para comprar parlamentares, a utilização e desvio de dinheiro dos institutos de pensão e toda a recente ignomínia de FHC, por exemplo. E tudo isso é solenemente esquecido até hoje. É por isso que, quando se comemorou os 15 anos do “Código do Consumidor” (a única coisa realmente importante do governo Collor) não se ouviu ninguém dizer que foi Collor que o instituiu. Parece coisa de “pogroms” soviéticos que eliminavam os nomes indesejáveis do partido comunista dos livros de História e das fotografias oficiais.

Said Barbosa Dib é analista político e historiador em Brasília

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Cresce discussão sobre Auditoria da Dívida dos Estados com a União



A Agência Câmara repercute as atividades do Grupo de Trabalho sobre a Dívida dos Estados com a União, mostrando a posição do deputado federal Ivan Valente (PSOL/SP) a favor de uma auditoria destas questionáveis dívidas: apesar do rigoroso cumprimento dos acordos impostos pela Lei 9.496/97, o estoque atual alcança cerca de 400% do valor refinanciado. Os juros consomem grande parte dos orçamentos estaduais, prejudicando o atendimento dos direitos sociais à população, como saúde, educação, moradia, transporte etc. A auditoria é a ferramenta que permitirá completo conhecimento da natureza dessas dívidas e a revisão do processo desde o início, reparando os erros cometidos. No caso das dívidas refinanciadas com base na Lei 9.496/97, o rendimento nominal cobrado pela União – correspondente à atualização mensal pelo índice IGP-DI, acrescido de taxas de juros reais de 6 a 7,5% ao ano – foram considerados extremamente excessivos pelo Relatório Final da recente CPI da Dívida Pública, realizada na Câmara dos Deputados. Cabe ressaltar que o referido relatório foi aprovado pela própria base do governo e pelo PSDB. Os trabalhos da CPI identificaram graves indícios de ilegalidades, tais como “juros sobre juros” e aplicação de índice oneroso (IGP-DI), que causou “custo excessivo” aos estados. Apesar dos indícios de ilegalidades e do resultado da CPI, outros parlamentares do Grupo de Trabalho são contrários à realização da auditoria. Em especial o coordenador do grupo, deputado Cândido Vaccarezza (PT/SP), e vice-coordenador, deputado Vaz de Lima (PSDB/SP), defendem alterações nos acordos a partir de agora, sem rever os erros antes cometidos, mantendo intacto o monstruoso estoque atual da dívida dos estados.


O argumento que apresentam se resume à alegação de que “o governo federal não aceitaria rever a dívida atual”. Segundo essa lógica, os parlamentares assumem que o Legislativo deve submeter-se ao Poder Executivo, apresentando uma proposta rebaixada, que seja “aceitável” pela Presidência da República. A lógica desses parlamentares ignora a posição de governadores e autoridades fazendárias estaduais, que vêm defendendo a revisão das dívidas desde o seu início, conforme recente reunião do CONFAZ. A proposta rebaixada aprovada pela maioria dos deputados membros do GT – de alterar taxas de juros somente de agora em diante – não resolve o problema da dívida dos estados. Ainda que reduzidas, essas taxas incidirão sobre o monstruoso estoque, acumulado de ilegalidades e ilegitimidades, obrigando os estados a destinar à União quantias que são na realidade indevidas. Pois, caso tivesse sido exigido rendimento nominal equivalente ao que o BNDES cobra de grandes construtoras privadas (para que estas realizem obras no exterior), tais dívidas já teriam sido totalmente quitadas e alguns estados já seriam credores. Além dos problemas jurídicos (graves indícios de ilegalidades e ilegitimidades), com evidências de dano ao patrimônio público dos entes federados, há que se considerar o tremendo custo social desses pagamentos indevidos, que subtraem recursos que deveriam estar sendo destinados a áreas sociais fundamentais como saúde, educação e segurança pública. Situação que resulta em mortes de brasileiros nas filas dos hospitais, condena crianças e jovens ao não futuro devido à carência de investimentos em educação e assistência social, além da exploração de profissionais de diversas áreas – professores, policiais, médicos, etc – aviltados em seus direitos trabalhistas, recebendo baixos salários, que têm recorrido a greves. O mais triste é que os recursos pagos pelos estados à União tampouco beneficia a esfera federal, pois, por lei, esta é obrigada a destinar tais recursos exclusivamente ao pagamento de sua própria dívida. Ou seja, o único beneficiário é o setor financeiro e grandes rentistas detentores dos títulos da dívida mobiliária federal – igualmente questionável, conforme fortes indícios de ilegalidades indicados pela CPI da Dívida Pública. O deputado Vaz de Lima ainda apresentou ao GT proposta de criação de um fundo financeiro – FIIE – para o qual seria redirecionada a metade do valor pago pelos estados para a União.

Os recursos permaneceriam nesse fundo até o ano seguinte, quando seriam destinados a investimentos em infra-estrutura. Além de manter o pagamento de dívidas marcadas por fortes indícios de ilegalidades, tal proposta contém um rol de problemas. Preliminarmente, sua concretização esbarra no disposto no artigo 13 da Lei 11.943/2009 (originada da Medida Provisória nº 450/2008), que determina que todo superávit existente em 31/12 de cada ano poderá destinar-se ao pagamento da dívida mobiliária federal. Outros fundos que também possuíam destinação específica foram simplesmente varridos, como o FUNDAF, por exemplo, que só em 2008 perdeu mais de R$ 5 bilhões! Outro problema é a possibilidade de que os possíveis investimentos sejam exatamente aqueles que já são de competência da esfera federal, tais como melhorias em rodovias federais. Desta forma, não haveria ganho algum para os estados. Devido à pressão feita pelo deputado Ivan Valente, que defendeu as propostas formuladas pela Auditoria Cidadã da Dívida, o GT aceitou incluir na minuta de Relatório Final o seguinte trecho: “Entendemos que a revisão do estoque é a condição ideal para restabelecer o equilíbrio perdido, mas estamos cientes de que essa mudança demanda maiores discussões”. Outro ponto que os parlamentares cederam foi alterar levemente a proposta de nova taxa de juros nominais, inicialmente proposta no patamar de IPCA+2% ao ano, reduzindo-se para IPCA+0% ao ano. Porém, nem mesmo estes tímidos avanços estão garantidos, pois podem ser excluídos na votação do Relatório Final do Grupo de Trabalho, que ocorrerá na próxima reunião do GT, em 30/05/2012, semana que vem.

Ontem à noite, o coordenador do Grupo de Trabalho, Cândido Vaccarezza, anunciou o “resultado” de sua reunião com o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, informando que o ministro não aceitou nem mesmo a proposta de IPCA+2% ao ano. E sequer a proposta de criação do FIIE apresentada pelo Deputado Vaz de Lima. Segundo Vacarezza, Mantega aceitaria apenas a proposta de aplicar, a partir de agora, a taxa Selic como indexador da dívida dos estados. Conforme Informativo I da Auditoria Cidadã sobre a dívida dos estados, aplicar a taxa Selic não resolve o problema e engana o povo. A resposta de Mantega evidencia que, se o Parlamento se dobrar e aceitar dosar suas propostas à disposição do Executivo – conforme a lógica declarada por Vaccarezza e Vaz de Lima –, o Grupo de Trabalho da Câmara terá sido mais uma inútil encenação. Deixará prevalecer o privilégio dos rentistas e do setor financeiro, em detrimento aos direitos dos entes federados e da sociedade brasileira. Diante disso, convocamos todas as entidades e movimentos sociais a comparecerem em peso à Câmara dos Deputados, quarta feira, dia 30 de maio, às 15h (em Plenário a ser indicado posteriormente), na sessão de votação do Relatório Final do Grupo de Trabalho, para exigir a completa auditoria das dívidas dos estados.

AUDITORIA JÁ! NEM RENEGOCIAR, NEM REPACTUAR! REFAZER!

Sugerimos que enviem mensagens e visitem gabinetes de Brasília e respectivas bases locais dos deputados do Grupo de Trabalho, solicitando apoio à proposta de auditoria da dívida dos estados com a União!

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Foco da Comissão da Verdade: discussão inútil


Por Cel. Gilberto J. Schneider

Causa espanto a renitente discussão que tomou conta dos meios de comunicação sobre o alcance das investigações a serem procedidas pela Comissão da Verdade. A Lei 12.528/2011 que a institui e regula suas atribuições é muito clara, ao estabelecer:
Art. 1º É criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
Ora, a finalidade é esclarecer violações de direitos humanos praticadas em determinado período a fim de garantir direito à memória e à verdade histórica e promover reconciliação. Não há no texto legal exclusão de qualquer violação ou autor, assim como não há atribuição judicante, portanto não cabe à Comissão avaliar a eventual punibilidade do fato para usar como critério discriminador da investigação. Presente violação não devidamente esclarecida, deve então ser investigada.
O direito à memória e verdade histórica certamente também não admite parcialidade e exclusão. Pelo contrário, a história só pode ser completa, ampla, contemplando todos os fatos e circunstâncias que são sua própria essência, ou não teremos história e sim estórias. A própria razão de ser da Comissão é justamente trazer à luz aqueles fatos ainda não esclarecidos, portanto, excluir qualquer violação dos direitos humanos praticada no período fixado contradiz o fundamento de sua existência.
Reconciliação nacional é um termo difícil de definir e de explicar seu sentido no dispositivo legal citado. De qualquer forma, não se concebe qualquer tipo de reconciliação em que se exclui do processo qualquer parte com quem se quer reconciliar.
A tentativa de descaracterizar algumas das violações de direitos humanos ocorridas no período (mortes e mutilações de inocentes, entre outras) afronta a inteligência dos brasileiros. Como dito anteriormente, não está em questão a punibilidade dos atos e sim o esclarecimento de suas circunstâncias e autoria. Ou será que o direito à vida, à segurança e integridade dos inocentes vitimados pela esquerda não é direito destes, ou, pior, não são estes tão humanos quanto os demais? O proclamado direito à memória dos familiares das vítimas da esquerda não existe?
O editorial assinado por Vladimir Safatle na Folha de São Paulo (22/05/2012 – A2), em que este agride de forma desrespeitosa o Min. Gilson Dipp, integrante da Comissão da Verdade, é exemplo claro dessa visão distorcida. O articulista acusa o Ministro de “má-fé e constrangimento de setores da esquerda”, diante da declaração deste de que “toda violação dos direitos humanos será investigada”. Ora, o Ministro apenas repetiu o que está cristalino na Lei que institui a Comissão. Àqueles que, como Safatle, querem uma Comissão com outra finalidade, não lhes é negado o direito de lutar democraticamente por esse objetivo, mas assumindo sua posição, esclarecendo seus intentos e respeitando a sociedade.
O fato de ter sido vítima de violação de seus direitos humanos em algum momento, não descaracteriza, nem exime ninguém da autoria de violações dos direitos humanos de suas eventuais vítimas em outro momento. A morte violenta de uma pessoa inocente é e sempre será uma violação ao seu direito à vida, independente da motivação de seu algoz. Se as circunstâncias que envolvem o fato podem oferecer explicações que o justifiquem, ou excluam a reprovabilidade da sociedade ao seu autor, são questões do campo da punibilidade que não anulam o direito à vida da vítima e, portanto, precisam ser esclarecidas.
É conhecido o adágio que diz que para todo fato existem sempre ao menos 3 verdades – a minha, a sua e a verdade. De qualquer forma, não se concebe uma verdade histórica que não jogue luz sobre todos os fatos. Se a verdade que se busca é a verdade histórica, nenhum fato ou circunstância pode preliminarmente ser excluído, seja ele meritório ou demeritório para qualquer dos envolvidos no fato histórico. Se não é esse o objetivo da Comissão instaurada pela Lei 12.528/2011, que se mude a Lei e/ou a designação da Comissão
Por todos estes argumentos é forçoso concluir que a discussão sobre o alcance das investigações da Comissão da Verdade é totalmente injustificada e inócua.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A França não é mais a mesma

Por Said Barbosa Dib*

O mundo está mudando de forma acelerada e confusa. E não é para melhor. Tem coisas que ocorrem que eram inimagináveis até bem pouco tempo. Um presidente francês do pós-guerra, recém eleito, indo a Berlin beijar a mão e pedir bênçãos de chefe de Estado germânico. O normal, o esperado em qualquer país soberano, seria o eleito receber a visita de chefes de governo e de Estado nas cerimônias da posse. Pelo menos bilhetinhos ou telefonemas. E a ironia é que foram a Revolução Francesa e a Era Napoleônica que inventaram o conceito de Soberania Nacional. Até Deus tentou evitar a vergonha. Mandou raio contra o avião do presidente socialista para tentar impedi-lo de ir em frente. Não adiantou. François Hollande mostrou que a França não é mais a mesma. Nem o velho e injustiçado presidente Philippe Pétain, que foi obrigado a assinar armistício que entregava a França ao Terceiro Reich, foi tão subserviente. Afinal, no seu caso, a ocupação nazista era realidade em pelo menos 60% do território francês. Tinha um álibi. Alguém teria que assinar o documento diante do fato consumado. Hoje, as amarras são econômicas. Mas, o que importa para o mundo é o seguinte fato: desde o Tratado de Verdun (843), passando pelo Sacro Império Romano Germânico, pelas Guerras Napoleônicas (1799-1815), pela Guerra Franco-Prussiana (1870-71), pela Primeira Guerra Mundial (1914-18) e pela Segunda Guerra Mundial (1939-45), sempre que as relações franco-germânicas foram desiguais, a Europa, em especial, e o Mundo, em geral, pagaram caro por isso. Péssimo agouro! Principalmente em tempos de crise econômico-financeira estrutural.

* Said Barbosa Dib, historiador e analista político

quinta-feira, 10 de maio de 2012

José Carlos Werneck: "Presidente do STF está de parabéns

Presidente do Supremo Tribunal Federal está de parabéns



O ministro, Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal, afirmou que irá “sair a campo” para conseguir a aprovação do reajuste salarial dos servidores do Poder Judiciário. Após reunião com os presidentes do STJ e do TST, o ministro afirmou que sua atuação é embasada em dados técnicos levantados pelo Conselho Nacional de Justiça em relação às perdas salariais da carreira. O ministro está corretíssimo. Realmente os salários dos servidores do Poder Judiciário estão totalmente defasados. Creio que a grande e imensa maioria dos funcionários do Judiciário é constituída por mulheres e homens honrados, que chegaram a seus cargos através de concursos públicos. Não devemos confundir os servidores de carreira,com os paraquedistas, que lá desembarcam levados por alguns magistrados,que não fazem bom uso do poder que tem nas mãos. Basta visitar qualquer Cartório Judicial, em qualquer Forum do Brasil, para verificar as precárias condições de trabalho desses servidores e o acúmulo de tarefas que têm a cumprir. E estes abnegados servidores estão com seus salários defasados há anos.

José Carlos Werneck é jornalista.

sábado, 5 de maio de 2012

Adriano Benayon: "Tecnologia, Desenvolvimento e Ilusões"

Tecnologia, Desenvolvimento e Ilusões

No momento em que surgem novos avanços na nanotecnologia e na criação de materiais, como o grafeno, é fundamental compreender a interação da tecnologia com o desenvolvimento econômico e social.

2. Indispensável afastar ilusões, pois não há algo de que se fale tanto e de que se entenda tão pouco como essa interação. Mesmo os  que trabalham em  inovar com produtos e processos não têm, na maioria, a percepção de como um país se desenvolve através da  tecnologia.

3. Na teoria econômica, ela é vista como progresso técnico e elemento externo à função de produção, na qual entram os fatores: recursos naturais, trabalho e capital (conjunto de máquinas, instrumentos e materiais utilizados na produção). 

4. Alguns autores assinalam o papel da tecnologia como fator organizativo, que determina a composição e a proporção dos fatores de produção.

5. Os que exercem poder sobre o capital, privado ou público, escolhem a tecnologia a ser adotada.  Para isso, baseiam-se, de um lado, no que os técnicos criam e, de outro, nas estratégias de mercado e/ou nos objetivos da política econômica. Os criadores de tecnologias as desenvolvem em função de suas ideias e do que lhes é demandado por parte dos que comandam o capital. 

6. Fator invisível, mas concreto, da produção, a tecnologia decorre do trabalho, pois é gente que a produz: engenheiros, técnicos, artesãos (como nos primeiros séculos da industrialização) ou operários.

7. Por outro lado, tendo valor - e muito, do ponto de vista do mercado e em termos monetários - a tecnologia é quase sempre apropriada pelos detentores do capital, podendo a mais-valia ser especialmente elevada. 

8. De resto, o ordenamento jurídico da propriedade industrial está no Acordo TRIPS (Trade Related Intellectual Property Rights) da Organização Mundial do Comércio (OMC), aprovado no Brasil, no final de 1994. 

9. Esse acordo protege, muito mais que os direitos dos inventores, as corporações transnacionais. É instrumento da oligarquia para aprofundar o apartheid tecnológico, impedindo a absorção de tecnologia por países e empresas de menor desenvolvimento.

10. A lesão ao desenvolvimento tecnológico do País foi reforçada com a Lei de Propriedade Industrial, 9.279/1996, enviesada em favor das empresas transnacionais, que controlam os mercados no Brasil. 

11. Essas legislações inserem-se no salto qualitativo do crescimento da concentração do poder sob o império anglo-americano, em seguida ao desmantelamento da União Soviética. Foi assim radicalizada a apropriação da tecnologia pelos concentradores transnacionais do poder econômico. 

12 Se, antes de 1990, já prevalecia o comando do capitalismo – por definição, concentrador – sobre os benefícios e os rendimentos monetários advindos da tecnologia, esta passou, desde então, a ser cada vez mais amplamente expropriada do Estado, dos empresários médios e pequenos, bem como dos técnicos e demais trabalhadores. 

13. Tal como os demais bens suscetíveis de serem públicos, ou de - embora privados - beneficiarem o conjunto da sociedade, a tecnologia vem sendo objeto da privatização concentradora.

14. E o que isso tem a ver com a desindustrialização do Brasil, com o baixo percentual de empregos de qualidade, com as infra-estruturas econômica e social mal construídas e deterioradas? E com o enorme déficit nas transações correntes com o exterior, o qual não arrefece nem com a redução da demanda, como foi em 2011?

15. Ora, o Brasil, após agosto de 1954, foi sendo inviabilizado em termos de desenvolvimento econômico e social, ao ter continuadamente subsidiado a ocupação do mercado por empresas transnacionais. Com esse tipo de ocupação, não se desenvolvem tecnologias nacionais, pois raras são as as empresas de capital nacional que subsistem no mercado.

16. Aí reside um ponto-chave: tecnologia capaz de alavancar o desenvolvimento só cresce dentro de empresas em competição nos mercados. Entretanto, domina, na opinião comum, a falsa concepção de que o Brasil está atrasado tecnologicamente porque investe pouco em educação, ciência, pesquisa básica e tecnologia.  

17. É verdade que investe relativamente pouco. Mas o grave mesmo é que, desse pouco, quase nada resulta em proveito da economia do País. Por que? Porque não há empresas nacionais evoluindo com progressos tecnológicos próprios. Elas simplesmente ficaram sem chance de permanecer no mercado ou de nele entrar, salvo em raros e passageiros nichos, logo apropriados pelos concentradores, principalmente transnacionais.

18. Poderíamos comparar a tecnologia aos nutrientes e adubos de uma planta, que seria a empresa produtiva. Ora, se a planta não é nossa, de pouco nos serve alimentá-la. 

19. As transnacionais têm seus centros tecnológicos, em geral nas matrizes, e utilizam nas subsidiárias daqui a tecnologia já paga no exterior durante anos de vendas, o que lhes permite custo real zero no Brasil. Não têm, pois, interesse em investir nem em adquirir alguma aqui desenvolvida.

20. Se alguma lhes interessar, quase nada pagarão por ela, porque, controlando o mercado em sistema de oligopólio, impõem os preços e as condições, na qualidade de únicas compradoras. O que fizeram muito foi adquirir empresas nacionais apertadas pela política econômica, que as oprime em favor das ETNs.

21. Esta é a síntese da questão, como expus e documentei no meu livro “Globalização versus Desenvolvimento: Não existe país que se tenha desenvolvido, havendo entregado seu mercado a empresas comandadas por capitais estrangeiros.

22. Portanto, o conceito de “transferência de tecnologia” no Brasil só tem sentido na direção inversa àquela em que costumam falar dele: de brasileiros para as transnacionais dos países ditos desenvolvidos, ao contrário do que acontece(u) nos países realmente em desenvolvimento.

23. Agradeço ao Prof. Weber de Figueiredo, da UFRJ, por me ter transmitido  um exemplo típico da ilusão “desenvolvimentista” fomentada  por JK:  a eliminação de mais um projeto de indústria nacional, a Romisetta. 

24.  Figueiredo assim resumiu informações de Fernando Campanholo sobre esse veículo  produzido pela Romi, empresa brasileira de Santa Bárbara do Oeste (SP), de 1956 a 1959: “O governo JK abriu linha de financiamento subsidiado destinado às multinacionais de automóveis que se estavam instalando no Brasil. A nacional Romi também pleiteou o financiamento, deixando os burocratas embaraçados, pois o financiamento fora pensado apenas para as multinacionais. Mas uma solução engenhosa foi encontrada. O governo baixou uma portaria definindo que automóvel é o veículo que tem dois bancos, o dianteiro e o traseiro! E, assim, a brasileira Romi foi jogada para escanteio, ficando fora do financiamento oficial, falindo a sua linha automotiva.”

25. A Romisetta era um carro leve, de um só banco. Mas o importante é começar a produzir para o mercado, o primeiro passo para evoluir em tecnologia. Não importa não ser de primeira linha.

26. O Fusca da VW chegou a mais de 50% do mercado, dominou-o por mais de vinte anos e pouco evoluiu. Fora desenvolvido nos anos 1930, e a VW  ganhou o incrível subsídio, dado às multinacionais,  em 1954,  de registrar como investimento em moeda, o equipamento e tecnologia de produção, então mais do que amortizados. Portanto, custo zero para o capital e a tecnologia. Além disso, com JK, mais subsídios, como o financiamento oficial.

27. Campanholo conclui: “A fabricação de 3.000 unidades no Brasil no período de 1956 até 1961, principalmente comparados às 22.543 Isettas-BMW fabricadas somente em 1956 pela Alemanha, fica como triste lembrança de quanto nós estamos suscetíveis e passivos aos mandos e desmandos do capital estrangeiro. Até hoje.”

28. Resultado: as transnacionais, que ficaram com o mercado brasileiro de graça, continuam recebendo subsídios e remetendo centenas de bilhões de dólares para o exterior, a diversos títulos. Isso significa descapitalizar o País.

29. O Brasil foi programado pelo império anglo-americano para ser uma área de exploração de recursos naturais, em condição semelhante à maioria dos países africanos, submetidos ao mesmo tipo de intervenção. Além disso, em base de lucros provenientes também da indústria, controlada pelas transnacionais.

30. Foram elementos-chave da estratégia para que esse programa tenha sido realizado a pleno contento das potências imperiais e associadas:

1) a intervenção política e militar diretamente junto aos governos brasileiros;

2) a intervenção do dinheiro e da corrupção nas eleições, no sistema formalmente democrático;

3) o genocídio cultural;

4) o fomento da crença em que a entrada do capital estrangeiro favorece o desenvolvimento, complementa a poupança nacional, e em outras falácias.

31. Os entreguistas, culminando com os mega-entreguistas Collor e FHC, radicalizaram  a aplicação dessa fé bizarra e fatal. Foram muito além da simples abertura ao comércio: fizeram o Estado brasileiro subsidiar os investimentos diretos estrangeiros, de forma inacreditável, e discriminar contra o capital nacional.

32.  O Brasil não deixará de ser um país saqueado e enganado pela conversa fiada, enquanto não se reverter, de modo cabal, tudo isso e a mentalidade subjacente.

33. Eis algumas consequências para um país que participa do BRICs e pleiteia assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, só para ser enrolado pela potência dominante:  "Dos 25 navios da Marinha de Guerra do Brasil apenas 14 estão em condições de navegar, e dos seus 23 aviões apenas um tem condições de levantar voo. Enquanto isso, a Rússia, a Índia e a China são potências nucleares, detentoras de tecnologia militar de altíssimo nível..." "Não produzimos sequer uma calculadora de bolso, pois falta-nos até fábrica de chips – somos meros montadores de aparelhos eletrônicos."

Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
abenayon@brturbo.com.br