Se
os brasileiros têm alguma esperança de o País organizar-se para terem condições
de vida toleráveis, precisam avaliar o que realmente significa a dívida pública
e seus juros e amortizações.
2.
Se o fizerem, perceberão a ação devastadora do “serviço da dívida,um dos
principais instrumentos da brutal extorsão que o País vem sofrendo há
decênios.
3.
As pessoas menos mal informadas já têm razão de sobra para
escandalizar-se com a altura e as elevações da taxa básica de juros SELIC
determinadas formalmente pelo Conselho de Política Monetária (COPOM) e,
na realidade, pelo Banco Central (BACEN).
4.
De fato, as taxas básicas de juros da SELIC voltaram a ter várias elevações, a
última das quais as fixou em 11% aa., um valor absurdo, uma vez que as correspondentes
taxas nos EUA, Europa, Japão etc., não chegam, na maioria dos casos, a 1% aa.
5.
Nada justifica essa diferença. É falacioso o argumento, considerado
verdade absoluta pela mídia e por grande número de economistas,
segundo o qual taxa de juros alta ou em elevação detém os aumentos dos preços
dos bens e serviços (inflação).
6.
Ademais, a dívida pública interna do Brasil, é inferior à daqueles
países, em proporção aos respectivos PIBs.
7.
A demonstração a seguir comprova que a principal função e o objetivo (não
declarado) das altas taxas de juros no Brasil é assegurar seu
subdesenvolvimento, bem como fabulosos lucros para concentradores locais e
estrangeiros.
8.
Estes e muitos brasileiros, captam, no exterior, dólares criados
irresponsavelmente pelo FED e por bancos comerciais da oligarquia financeira
angloamericana - sem lastro, ou seja, do nada - e os
convertem em moeda brasileira para aplicar em títulos do Tesouro no País.
9.
Os ganhos dos concentradores com os títulos do Tesouro brasileiro crescem não
só em função das taxas atuais, mas também em decorrência de elas incidirem
sobre montantes de dívida formados pela capitalização de juros ainda mais
elevados, na maior parte do tempo, desde há decênios.
10.
Vamos aos números, para ver que a terrível taxa SELIC parece módica diante dos
juros efetivamente pagos pela União às custas do sangue dos brasileiros e dos
recursos naturais do País. O Eng. Luiz Cordioli, de São Carlos (SP)
elaborou tabela, baseada em dados oficiais do site do BACEN, com as taxas
mensais da SELIC de 1986 a 2010.
11.
Mais recentemente ele verificou que os dados atualmente encontráveis no site do
BACEN foram modificados, até mesmo os referentes aos primeiros anos abrangidos,
sem, entretanto, que a divergência, no conjunto, chegue a 1%.
12.
Completei os números da tabela de Cordioli com os pertinentes aos anos de 2011
a 2013. As taxas SELIC acumuladas de 1986 a dezembro de 2013, mostram que, se a
dívida equivalesse a um 1 real em 1986, ela teria chegado a 18,39 trilhões de
reais no final do período, em grande parte devido às enormes taxas dos anos
anteriores ao Plano Real, quando grande proporção delas era atribuída à
correção monetária.
13.
Então, dividi esse acumulado de 18,39 trilhões por 679,3 milhões, o fator
acumulado até julho de 1994, quando se iniciou o Plano Real. Essa divisão
resultou no fator 27,1 para o período de julho de 1994 a dezembro de
2013.
14.
As dívidas mobiliárias somavam, em 1994, R$ 135,9 bilhões, sendo R$ 61,8
bilhões da federal e o restante das dívidas estaduais e municipais, as quais
foram mais tarde federalizadas, submetendo os governos locais a taxas de
agiotagem praticadas pela União, com a aplicação do IGP-DI.
15.
Multiplicando-se R$ 135,9 bilhões por 27,1, a dívida mobiliária interna
da União deveria ter atingido R$ 3,68 trilhões, se não tivesse sido feito
pagamento algum de juros nem de amortizações de 1994 a 2013.
16.
Ora, a dívida mobiliária interna atualmente é de cerca R$ 3,3 trilhões,
computando-se, como é recomendável, também os títulos do Tesouro que circulam
no mercado aberto, em montante superior a 900 bilhões de reais.
17.
Já o montante atualizado dos pagamentos do serviço da dívida (juros e
amortizações) supera R$ 7 trilhões, de 1994 ao final de 2013.
18.
Portanto, as taxas básicas da SELIC constituíram apenas uma parte, talvez
nem a metade, das taxas efetivas pagas pelo Tesouro Nacional em seus
títulos.
19.
Eis por que, se as taxas básicas já são desnecessária e grotescamente altas,
que dizer das efetivas, as quais retratam o gasto real do poder público com
“dívidas” formadas principalmente pela composição dos juros?
20
As próprias taxas básicas foram escandalosamente elevadas, mesmo após o
indecente Plano Real - outra mentira que custou caríssimo para os
brasileiros.
21.
De fato, como entender taxas da magnitude que demonstro a seguir,
divulgadas - através da propaganda oficial e a da mídia - como destinadas
a conter a alta dos preços, e ainda mais durante a vigência de um Plano que
diziam ter eliminado a inflação, por meio da âncora cambial e da extinção da
indexação?
22.
Calculei as taxas básicas acumuladas de 1995 a 2006, começando com a confrangedora
taxa de 53,1% aa. em 1995. Nos dois fatídicos mandatos de FHC e no primeiro de
Lula - também promotor de lucros espantosos em favor dos bancos e demais
rentistas – essa taxa nunca ficou abaixo de 15% aa, e o acumulado de 1995 a
2006 resultou no fator de 12,7.
23.
Ou seja: somente a aplicação da taxa básica SELIC nesses 12 anos faria
multiplicar quase 13 vezes o montante da dívida do primeiro ano da série. E,
como vimos, essa taxa oculta grande parte, se não a maior parte, do dano
infligido ao País pela taxa de juros efetiva, paga pelo Tesouro, o qual, por
sua vez, achaca os brasileiros para extrair os recursos que presenteia aos
aplicadores em seus títulos.
24.
Para isso, o poder público - dominado por interesses que não são os
nacionais, mas sim, os de quem deseja condená-lo à condição de vil colônia de
exploração de recursos naturais – usa expedientes adotados em emendas
constitucionais, como a da DRU (desvinculação das receitas da União), e a
famigerada lei completar, falsamente denominada de Lei da Responsabilidade
Fiscal (LRF), que merece ser chamada Lei de Proteção aos Predadores
Financeiros.
25.
O Eng. Luiz Cordioli, tal como a auditora fiscal Maria Lucia Fatorelli,
fundadora e dirigente da Auditoria Cidadã da dívida, impressionaram-se com
trabalhos que escrevi, há anos – inclusive o artigo “Anatomia de uma Fraude à
Constituição”, em que tive a colaboração do Prof. Pedro Rezende, da UNB, perito
em ciência da computação e criptografia.
26.
Ali está minuciosamente descrito, juntamente com a documentação
comprobatória, como a fraude foi operada, a fim de favorecer o “serviço
da dívida” no Orçamento da União.
27.
Cordioli e Fatorelli labutam incansavelmente para demonstrar os
mecanismos através dos quais - sob a proteção dessa fraude,
transformada em norma constitucional - o Tesouro, o BACEN e quem os
manipula, lesam os contribuintes e arrasam as finanças públicas em dimensões
inacreditáveis.
28.
Cordioli e Fatorelli tem demonstrado, há anos, em requerimentos em
petições ao Ministério Público Federal e a diversas outras autoridades, como o
Conselho Nacional de Justiça, o STF, a Câmara e o Senado federais, OAB, além de
as expor em audiências.
29.
Apesar desses esforços e da competência de seus empreendedores, nenhum
membro das instituições mencionadas animou-se, até hoje, a defender a
supressão da ilegal, ilegítima e infame adulteração do inciso II do § 3º do
art. 166.
30.
Esse inciso, como qualquer outra norma, não podia ser modificada em seu mérito
ou substância, após ter sido votado em 1º Turno. Ele rezava: “As emendas ao
projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente
podem ser aprovadas caso indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os
provenientes de anulação de despesa”.
31.
Sob o disfarce de um requerimento de fusão de emendas dos arts. 165 a 167 (que
só seriam legais, se fossem somente de redação), foi inserido fraudulentamente
este acréscimo ao citado inciso II: “excluídas as que incidam sobre:” e
mais a alínea b): “serviço da dívida”.
32.
Assim, o “serviço da dívida”- ao contrário das demais despesas – ficou
sendo aumentado sem limites, e sem sequer discussão, na votação do Orçamento
Federal.
Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
abenayon@brturbo.com.br
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