O jornalista Mauro Santayana denuncia, em artigo publicado em seu blog (http://www.maurosantayana.com) e em vários jornais, que a desnacionalização da indústria de defesa brasileira coloca em risco a capacidade do país de defender sua soberania. “Guerra quer dizer tecnologia. Desde o arco e a flecha — invenção que surgiu, segundo os antropólogos, com o neolítico — os países mais poderosos são aqueles na vanguarda da produção de armamentos. Preservar a paz é preparar-se para a guerra, conforme a constatação dos romanos. Quer pela nossa índole, quer por desídia, ou por confiança na sorte, o Brasil talvez seja, relativamente, o país mais indefeso do mundo”, alertou. No artigo (“O cerco do Ocidente à Indústria Brasileira de Defesa”), Santayana reconhece o esforço do ministro Celso Amorim para fortalecer a defesa nacional, mas chama atenção para a “morosidade” do processo e para a desnacionalização de nossas indústrias do setor. “O país procura investir na sua defesa, mas está muito moroso e comete um erro crasso, o de não produzir seus próprios armamentos e petrechos de combate. Estamos desnacionalizando o pouco de indústria bélica de que dispomos, com a entrada maciça de empresas estrangeiras (entre elas, e de forma agressiva, as de Israel) no parque industrial brasileiro, mediante a aquisição de firmas nacionais ou de sua associação com nossos empreendedores”.
Exemplo
“Não se pode admitir — como ocorre com a projetada fabricação de 2 mil blindados ligeiros Guarani pela Iveco, no município mineiro de Sete Lagoas — que apenas 60% das peças utilizadas sejam fabricadas no Brasil. Em caso de conflito, ou mera ameaça de confronto entre o Brasil e qualquer país da Otan (Europa e Estados Unidos), a produção desses tanques seria descontinuada e não teríamos como substituir o material perdido em combate. É de se recordar o exemplo da Argentina, que ficou literalmente a ver navios — nesse, caso, britânicos — na Guerra das Malvinas”, afirmou Santayana. E não para por aí a desnacionalização do setor de defesa. “A Aeroeletrônica, empresa brasileira que há mais de duas décadas se dedica ao projeto, desenvolvimento, fabricação, manutenção e suporte logístico de produtos eletrônicos para veículos aéreos, marítimos e terrestres é um exemplo. Ela, que forneceu sistemas de aviônica para o Tucano 27 e o Super Tucano, da Embraer, e para o caça ítalo-brasileiro AMX, foi adquirida, em 2001, pela Elbit, empresa israelense criada, em 1967, sob o estímulo do Ministério da Defesa de Israel”, denuncia.
Blindados
“A Ares – Aeroespacial e Defesa foi outra a ter o seu controle adquirido pela Elbit, no final de 2010, quando foi rebatizada como AEL Sistemas. Ela desenvolvia a Remax, uma estação de arma estabilizada servo-controlada, para metralhadoras, destinada a equipar os blindados Guarani dos quais falamos. Outros de seus produtos são os colimadores, indicadores visuais de rampa de aproximação, sistemas óticos de pontaria para tiro indireto de morteiros, sistemas de lançamento de torpedos, e foguetes de chaff, para defesa de navios”, prossegue o jornalista. Ele demonstra o grau de penetração de Israel na indústria de defesa nacional. “Com sua desnacionalização, o Remax, desenvolvido inicialmente por técnicos do CTEX, foi substituído pelo UT30BR, e o contrato para o equipamento dos blindados Guarani com essas torretas automatizadas de armamento, no valor de mais de R$ 400 milhões, foi repassado para os israelenses. Apenas três meses depois, em janeiro de 2011, Israel dava mais um passo na sua estratégia de penetração na indústria bélica brasileira, com a compra da Periscópio Equipamentos Optrônicos S.A, especializada na área de defesa e sinalização aeroportuária”, salienta. Santayana mostra-se revoltado com o “fato de que o retorno do baixo investimento feito por multinacionais estrangeiras para a compra dessas empresas, da ordem de algumas dezenas de milhões de reais, é líquido e certo”. “O lucro, várias vezes maior do que os investimentos, é assegurado por encomendas já contratadas pela Marinha, Exército e Força Aérea. Em muitos casos, nossas forças armadas já desenvolviam sistemas em parceria com estas empresas que estão sendo desnacionalizadas quando ainda estavam sob controle acionário local”, prossegue. “Empurrada pelas aquisições”, prossegue o jornalista, “a estratégia israelense no Brasil está indo de vento em popa. Em março de 2011, a AEL, controlada pela Elbit, criou com a Embraer uma nova empresa, a Harpia, que fabrica os Vants, veículos aéreos não tripulados para vigilância e ataque, do tipo utilizado pelos israelenses nos territórios palestinos e pelos norte-americanos no Paquistão e no Afeganistão”. “Outra empresa israelense, a IAL (Israel Aircraft Industries), fabricante do míssil Rafael, fornece os aviões-robôs do mesmo tipo (que os Vants) para o sistema de vigilância de fronteiras da Polícia Federal. Esses veículos telecomandados poderiam ser desenvolvidos no Brasil, onde já existem empresas incipientes formadas por universitários para atuar nesse segmento da tecnologia aérea”, denuncia.
Governos
Segundo o jornalista, a França também está fazendo aquisições estratégicas no Brasil. “Radares e helicópteros, e, agora, submarinos, são o campo de caça dos franceses, que completaram, em setembro de 2011, com o Grupo Thales, a aquisição, iniciada em 2006, de 100% do controle da brasileira Omnisys, empresa especializada no desenvolvimento e fabricação de radares de longo alcance, sediada em São José dos Campos”, alerta. Santayana destaca que “em alguns casos a fabricação de armamentos é feita — sem subterfúgios ou hipocrisia — por empresas diretamente controladas por governos estrangeiros. Esse é o caso da DNCS (Direction des Constructions Navales), que tem 75% de suas ações nas mãos do governo francês. Ela se “associou” à Odebrecht para construir, em Itajaí, no Rio de Janeiro, quatro submarinos da classe Scorpéne e mais o casco do futuro submarino nuclear brasileiro — encomendados pela bagatela de 7 bilhões de dólares”. “A Helibras, única fábrica latino-americana de helicópteros, é controlada, em mais de 75%, pela Eurocopter francesa. Esta, por sua vez, pertence em 100% à Eads, consórcio europeu que conta com a participação, direta e indireta, dos governos franceses, alemão e espanhol. Como muitos grupos de defesa multinacionais que funcionam no Brasil, a Helibras tem sido também irrigada com milionários contratos pelas Forças Armadas. É o caso da encomenda de 50 helicópteros pesados, destinados às três forças, apesar do conteúdo nacional de seus produtos ser baixo e de a maior parte dos lucros seguir todos os anos para a Europa”, adverte Santayana. “Os ingleses, naturalmente, não poderiam ficar de fora do processo da tomada de controle de nossas empresas de defesa e das encomendas do governo”, afirma. “A British Aeroespace, ou BAE Systems, acaba de fornecer três navios de patrulha oceânica para a Marinha, por quase R$ 400 milhões, em uma compra de ‘oportunidade’. Eles estavam antes destinadas a Trinidad e Tobago. No final de 2011, essa empresa também assinou contrato — depois do necessário nihil obstat do governo norte-americano — para modernizar um primeiro lote de 150 veículos blindados sobre lagartas, o M-113, utilizados em transporte de tropas, avaliados em 43 milhões de dólares. O valor pode aumentar proporcionalmente, caso o processo se estenda para toda a frota brasileira desse tipo de veículos, que chega a 350 blindados”.
Amazul
Ele aponta como positiva a criação da estatal para cuidar do submarino nuclear. “A criação da Amazul (Amazônia Azul Tecnologias e Defesa) para cuidar da produção do propulsor nuclear que irá equipar o futuro submarino nuclear brasileiro, também foi um passo fundamental para a independência do Brasil na área de defesa. Isso, embora já se organize a resistência de conhecidos grupos a fim de sabotar a empresa”. “A Amazul, estatal que não pode ser vendida a nenhum grupo estrangeiro, representará — se houver decisão política nesse sentido por parte do governo — um divisor de águas na política brasileira de defesa”, diz.
Capitulação
Santayana denuncia as associações de empresas brasileiras com empresas estrangeiras como estratégia de obtenção de tecnologia. Segundo ele, isso não garante nenhuma tecnologia e só piora a nossa vulnerabilidade. “Essas joint ventures, se vierem a ocorrer, para o fornecimento — sem garantia de 100% de conteúdo nacional e de 100% de controle brasileiro — de armamentos que levam décadas para ser desenvolvidos e produzidos, equivalerão à entrega e capitulação de nossa indústria bélica, agora e no futuro, à Europa e aos Estados Unidos. O governo Dilma Rousseff, por pressão, pressa ou ingenuidade, poderá vir a ser responsabilizado perante a História se prosseguir nesse caminho”, afirma. Ele conclui apontando numa outra direção, oposta à que esta sendo adotada. “É preciso romper o cerco ocidental à indústria brasileira de defesa. Estamos assinando acordos que equivalem a entregar a alma ao diabo. A nossa indústria bélica deve nos defender. O exemplo do que houve com a Argentina, no caso das Malvinas, basta”.
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