Em entrevista coletiva realizada em Durban, terceira maior cidade do país de Nelson Mandela, onde foi participar da reunião dos países integrantes dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a presidente Dilma Rousseff criticou na quarta-feira (27) "as vozes" que propugnam pela alta dos juros e a recessão como forma de trilhar o caminho de um suposto e fictício combate à inflação. Dilma desqualificou as propostas nesse sentido ao responder a um repórter sobre o tema. "Eu não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a questão da redução do crescimento econômico", disse. "Até porque", acrescentou a presidente, "nós temos uma contraprova dada pela realidade. Nós tivemos um baixo crescimento no ano passado e houve um aumento da inflação porque teve um choque de oferta devido à crise. Um dos fatores era externo", lembrou. "Então, eu acredito o seguinte: esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença, ele é complicado, você entende?". "Eu vou acabar com o crescimento do país?", indagou. "Isso eu acho que é uma política superada", completou. "Isso não significa que o governo não está atento e, não só atento, acompanha diuturnamente essa questão da inflação", disse Dilma. "Não achamos que a inflação está fora de controle, pelo contrário, achamos que ela está controlada e o que há são alterações e flutuações conjunturais. Mas estaremos sempre atentos", destacou a presidente. Ela frisou que o caminho para resolver os problemas dos preços internos é aumentar a produção. "Não tem nada que nós possamos fazer internamente, a não ser expandir a nossa produção, para conter o aumento dos preços das commodities derivado da quebra de safra nos Estados Unidos", afirmou. A mídia tentou distorcer e dar uma conotação diferente a fala da presidente que, em nota, rebateu e denunciou a manipulação das suas palavras. As críticas da presidente Dilma à xaropada neoliberal, que insiste em defender juros altos, arrocho fiscal, desemprego e corte nos gastos e investimentos públicos, está absolutamente certa. O país está escolado nos desastres que essas políticas antipovo já provocaram. Não faz muito tempo esse receituário foi integralmente aplicado por essas bandas. No período Fernando Henrique Cardoso essa era a cartilha dominante e o resultado foi que o país quebrou três vezes. A população repudiou a subserviência daquele governo aos interesses dos monopólios e bancos internacionais. FH acabou com os investimentos, favoreceu as importações e alimentou a especulação financeira com juros nas nuvens. Milhões de trabalhadores perderam seus empregos e o país acabou de joelhos diante do FMI. E nada disso contribuiu para reduzir inflação nenhuma. Pelo contrário, no final do governo FH, a economia estava estagnada e a inflação beirava os 20% ao ano. A presidente está certa também ao apontar o crescimento econômico como única saída para combater a inflação. O governo Lula foi o grande exemplo de que esse é o caminho mais adequado. As prioridades foram invertidas e centrou-se em políticas de crescimento do país com foco na ampliação do mercado interno, na valorização salarial e nos grandes investimentos. Esses projetos foram sintetizados no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Não se ouviu falar em inflação naquele período. Mais de 10 milhões de empregos foram criados e a indústria cresceu mais de 10% ao ano em 2010. O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil chegou a crescer 7,5% naquele ano, enquanto nesta mesma época Estados Unidos e Europa se afundavam em crise e recessão. E é bom que a presidente Dilma diga de forma categórica, como fez agora em Durban, que não quer a redução do crescimento, porque seus auxiliares parecem não estar sintonizados com ela nesta visão. O ministro Guido Mantega, que continuou na Fazenda em seu governo, resolveu inverter a política vitoriosa do governo Lula. Logo no início da nova administração cortou investimentos, manteve juros altos por um longo período, favoreceu a apreciação cambial e quebrou as indústrias. Fez também uma campanha e um pressão desavergonhada contra os aumentos salariais e o resultado não podia ser outro. Afundou a economia. O desastre de Mantega não demorou a chegar. O setor público pagou R$ 236 bilhões de juros em 2011, 23% a mais que em 2010. O câmbio foi a R$ 1,60, favorecendo as importações e desarticulando as cadeias produtivas internas. O arrocho orçamentário, para ampliar o superávit primário, desacelerou o PAC. O crescimento do PIB recuou para 2,7%. A indústria estagnou e a taxa de investimento (FBCF), que Lula havia conseguido elevar de 15,3%, em 2003, para 19,5%, em 2010, recuou para 19,3%. Por pressão da presidente, os juros começam a cair. Mas, eles só começaram a descer no segundo semestre de 2011. E com um agravante: os investimentos públicos, por decisão de Mantega, continuaram escassos. Isso se refletiu nos índices gerais de investimento. A taxa de investimento - Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) - recuou de 19,3% para 18,1%, contrariando o compromisso da nossa presidente de elevá-la a 24%, até 2014. O Produto Interno Bruto (PIB) em 2012 recuou mais ainda e acabou ficando em míseros 0,9% - quando a média dos países emergentes e em desenvolvimento registrou o índice de 5,3%. E o pior, a indústria amargou uma queda de 2,5% em relação ao ano anterior. A insistência nessa política de juros altos e corte de investimentos vem agravando ainda mais a situação. Como não há sinais de que as medidas adequadas estejam sendo tomadas até agora, a fala da presidente em Durban pode significar uma mudança de rumos. E é urgente que signifique mesmo. Porque, ao invés da necessária ampliação dos investimentos públicos, o que se ouve são ridículas esperanças nos capitais estrangeiros. São anúncios pomposos de tecnocratas e lobistas, lançando ilusões de que esses capitais poderiam vir para "ajudar" o Brasil a crescer. Desde, é claro, que o patrimônio público lhes sejam entregues a preços de banana e financiamentos subsidiados do BNDES. O programa de concessões da área de infraestrutura ao capital estrangeiro, recentemente anunciado, é um sintoma desse descaminho. Se a presidente Dilma quer mesmo combater a inflação com aumento de produção, se ela quer resolver as reais necessidades de nosso povo e promover o desenvolvimento, como está dizendo, deverá fazer uma correção no atual rumo empreendido por seus auxiliares. É urgente que ela impeça que a orquestração pela elevação das taxas de juros obtenha seus intentos. E é urgente também que sejam ampliados rapidamente os investimentos públicos para que o país possa retomar o seu caminho de crescimento. Todas as medidas lembradas pela presidente em seu discurso na África do Sul são realmente necessárias e têm que ser tomadas em breve. Antes que seja tarde.
SÉRGIO CRUZ/Hora do Povo
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