A eleição contabilizou uma hipoteca séria que vai marcar o futuro governo: um país dividido. Drummond uma vez disse que vivíamos um “tempo de partido, / tempo de homens partidos”. Estamos divididos, na pequena diferença do resultado entre os candidatos, entre pobres e ricos, nordeste e sudeste, os bons e os maus. Construiu-se durante toda a campanha a retórica de uns condenados à perdição e outros à salvação. O Presidente Toffolli do TSE foi feliz em dizer que se criou um debate para escolher o menos pior, o que é uma injustiça criada pela mídia. Esse problema da divisão do país é uma herança amarga, que vai obrigar a Presidente a ter como tarefa principal conjurar o possível gérmen da desintegração. O sistema político terá que ser reformado ou recriado e será a tônica do novo mandato. A Presidente Dilma terá que ter a coragem de enfrentar o problema. Não será fácil. Enfrentará resistências de aliados e contrários. Mas está preparada para isso. Basta ver a garra e a força com que lutou e atravessou períodos de extrema dificuldade. A sua eleição foi obra do Lula. Sua vitória, “droit de conquête”. A democracia não se aprofundou depois da redemocratização. Avançou um corporativismo anárquico que foi beneficiando ilhas de interesses, gerando essa divisão que aflorou nas eleições. Avanço algumas ideias: acabar com o voto uninominal, que não permite partidos fortes ou a formação de lideranças. Graças a ele o parlamento desmoralizou-se, instituiu práticas condenáveis e perdeu legitimidade. Implantar o voto distrital misto, com distrito e lista partidária. Barrar esse arquipélago de partidos, que não possuem democracia interna, são cartórios de registros de candidatos, só servem para negociações materiais. Levar a sério o problema da reeleição, que precisa acabar, estabelecendo um mandato maior. Proibir os ex-presidentes de voltar a exercer qualquer cargo público, mesmo eletivo, opino com o exemplo do meu erro e arrependimento. Há uma compulsão de expandir poderes em muitos setores, que avançam tornando o país ingovernável. Resolver o grave problema de financiamento de campanhas, pois estabeleceu-se uma promiscuidade entre cargos, empresas e setores da administração que apodreceu o sistema. Uma modernização estrutural para melhor controle das estatais é urgente. As medidas provisórias deformam o regime democrático: o executivo legisla e o parlamento fica no discurso. As leis são da pior qualidade e as MPs recebem penduricalhos que nada têm a ver com elas para possibilitar negociações feitas por pequenos grupos a serviço de lobistas. A economia é o transitório, o institucional é o definitivo. Julgava que o Brasil tinha atravessado esse gargalo. Depois do caos da política brasileira tenho receio de que tenhamos um grande impasse pela frente. É hora de pensarmos no parlamentarismo e marchar em sua direção. Não dá mais para protelar. A Presidente Dilma marcará a História do Brasil se fizer essa transformação. Estou saindo da atividade política, a idade chegou, mas não posso perder a visão do futuro. Estamos no mundo da tecnologia e da ciência. O Brasil está atrasado — nossas últimas descobertas de ponta foram do meu tempo (enriquecimento do urânio, fibra ótica, fabricação de satélites, semicondutores). Gastamos mal na educação. Os avanços ficam por conta da agroindústria. A falta de reforma administrativa é responsável em grande parte pelo nosso emperramento. Temos tido grandes avanços. Consolidamos a liberdade. O país ficou mais justo e humano, avançou no social, mas a política regrediu. Dilma está preparada para esses desafios.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá, presidente do Senado Federal. Tudo isso, sempre eleito. São mais de 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
jose-sarney@uol.com.br
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José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá, presidente do Senado Federal. Tudo isso, sempre eleito. São mais de 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
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