domingo, 9 de agosto de 2015

Aldemario Araujo Castro: “A corrupção e o Sistema da Dívida”


Na última sexta-feira, dia 31 de julho de 2015, tive a honra de proferir palestra ("A corrupção e o Sistema da Dívida") no seminário regional, em Alagoas, do movimento pela Auditoria Cidadã da Dívida (Pública). Afirmei, na palestra, que a corrupção é, sem dúvida, um dos grandes problemas nacionais. Trata-se da expressão mais perversa da lógica, profundamente incorporada à cultura nacional, de se levar vantagem em tudo, sem preocupações com a licitude ou moralidade. Ademais, assistimos todos a um triste espetáculo de corrupção que nos chega diariamente, pela via da grande imprensa, como capítulos de uma novela de extremo mal gosto. Ocorre que essa grande exposição midiática da corrupção, cuidadosamente operada por veículos de uma mídia excessivamente concentrada, produz pelos menos duas grandes distorções: a) a maioria da sociedade admite que a corrupção é o nosso maior problema e b) essa mesma maioria acredita que a ausência de serviços públicos de qualidades nas áreas de educação, saúde, transporte, cultura, esporte, entre outras, decorre da falta de recursos públicos drenados pela corrupção. Fiz, nas duas últimas semanas do mês de julho do corrente, essas constatações de forma empírica com 90 (noventa) alunos das minhas turmas no curso de Direito da Universidade Católica de Brasília. 95,5% deles acredita que o Estado brasileiro arrecada/dispõe (d)o volume necessário de recursos pecuniários para viabilizar a realização adequada, com eficiência (quantitativa/qualitativa), dos serviços públicos que garantem os direitos sociais fundamentais de educação e saúde. 66,6% dos alunos pesquisados entende que a corrupção é a principal razão para as deficiências verificadas. 31,1% aponta a ineficiência/incompetência administrativa como a principal razão para a negativa dos direitos aludidos. Na minha modesta avaliação, o maior problema vivenciado pelo Brasil (e pelo mundo) na atual quadra história é a alarmante desigualdade socioeconômica. No caso do Brasil, temos um país que figura entre as dez maiores economias do mundo e ocupa, para espanto geral, os últimos postos nas lista de distribuição de renda. Esse triste e paradoxal quadro não é obra da corrupção, embora essa mazela tenha sua cota significativa de "culpa no cartório". Para explicar essa discrepância entram em cena mecanismos socioeconômicos cuidadosamente construídos, mantidos e aperfeiçoados por segmentos sociais privilegiados. Destaco os seguintes: câmbio flutuante; metas de superávit primário; metas de inflação; intenso endividamento do Estado; juros altíssimos; desnacionalização do parque produtivo; financiamento externo baseado na exportação de minerais e produtos agrícolas; atração de recursos financeiros oriundos da especulação internacional; sistema tributário profundamente injusto; profunda concentração e elitização da grande imprensa; elevada distorção e deterioração da estrutura político-partidária; considerável descaso com a necessidade de uma profunda e abrangente revolução educacional; baixíssima atenção para com os mecanismos de planejamento e gestão eficiente das ações do Poder Público, notadamente em setores estratégicos; significativo desprezo pelo meio ambiente e o cultivo de uma “cultura” baseada em valores extremamente deletérios, tais como o consumismo, a ditadura da aparência e das mais variadas formas de futilidade e superficialidade e um certo incentivo à violência física e simbólica. De todos esses instrumentos de criação e reprodução de desigualdades sociais, o chamado "sistema da dívida" comparece como o mais relevante. Por ocasião da palestra aludida foram destacados dois números que a Auditoria Cidadã trabalha como muita ênfase em nível nacional, principalmente pela voz aguerrida de Maria Lúcia Fatorelli, uma incansável batalhadora pelas causas democráticas e populares no Brasil e no mundo. Refiro-me: a) ao montante da dívida pública brasileira e b) ao tamanho do serviço dessa dívida (juros, encargos, amortizações e rolagem). O primeiro elemento é um número que ultrapassa os 4 (quatro) trilhões de reais. O segundo elemento é um número que representa algo em torno de 40% (quarenta por cento) do orçamento anual da União. No caso específico do Estado de Alagoas, os dados apresentados pelo combativo Professor José Menezes, coordenador do Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida em Alagoas e palestrante no evento do dia 31 de julho, também são estarrecedores. Em 31 de dezembro de 1998, a dívida do Estado de Alagoas alcançava R$ 2,38 bilhões. Entre 1998 e 2014 foram pagos (serviço da dívida) cerca de R$ 7,25 bilhões. Em 31 de dezembro de 2014, a dívida de Alagoas estava em R$ 9,73 bilhões. Em suma, em 17 anos, a dívida foi paga três vezes e, atualmente, é quatro vezes maior. Foi anotado com muita ênfase no seminário do dia 31 de julho que a construção de instrumentos de geração de privilégios e desigualdades socioeconômicos, notadamente no campo do “sistema da dívida”, lança mão da ilicitude (e da corrupção) como ferramentas fundamentais. A demarcação clara da fronteira entre a legalidade e a ilegalidade é conscientemente dificultada em magnitude monumental. Destaquei, diante desses números, a necessidade imperiosa de cumprir a Constituição (art. 26 do ADCT) e realizar a auditoria da dívida pública. Importa pontuar que a OAB ingressou no Supremo Tribunal Federal com a ADPF n. 59 justamente buscando uma decisão da mais alta Corte de Justiça do Brasil que concretize a auditoria da dívida pública (que deveria ter sido realizado até 1989). Não tenho dúvida de que a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem pobreza, marginalizações e discriminações (objetivos inscritos na Constituição) somente será alcançada com o desmonte, pela via da crescente participação popular, desses perversos instrumentos de geração e reprodução de desigualdades socioeconômicas, em especial o “sistema da dívida”.

Aldemario Araujo Castro é mestre em Direito, procurador da Fazenda Nacional, professor da Universidade Católica de Brasília e conselheiro Fefderal da Ordem dos Advogados do Brasil.

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