Sarney, como Curupira, protetor do meio ambiente
O “Jornal Opção”, de Goiânia, juntamente com nosso saudoso “Tribuna da Imprensa”, talvez seja um dos poucos veículos com preocupação com a qualidade das matérias e o bom jornalismo. Sou leitor atento e fiel há muito. Fã, mesmo. Por isso me sinto a vontade para discordar do último editorial, intitulado “Embriaguez, Justiça e bom senso”. Para criticar o óbvio, a decisão equivocada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca da Lei Seca, “viaja na maionese”, como se diz. Mostra não argumentos substanciais e precisos contra a decisão, mas apenas que o culto autor tem amplos conhecimentos literários e filosóficos (embora escorregue um pouco no folclore brasileiro, como veremos). Dá uma aula, uma verdadeira salada caliginosa de conceitos europeus, misturando o genial Franz Kafka, o insosso André Breton e referências ao estruturalista Claude-Levi Strauss, apenas para dizer o que todo colonizado cultural diz: que a realidade da América Latina é invertida, mágica, surrealista, fantástica, que somos vira-latas e coisa e tal. Até aí, tudo bem. O estilo do missivista é uma opção dele. Depois, sem ainda entrar no mérito da questão da Lei Seca, tenta respaldar seus soberbos argumentos fazendo o que todo jornalão comprado faz para ser lido: bater em José Sarney, o eterno bode expiatório da política brasileira. Dá Ibope. Chama a atenção. Simplifica as coisas, evitando muitas explicações. E com um pragmatismo de extremo mau gosto, aproveitando-se da morte de Millôr Fernandes, compara Sarney ao “Curupira”. Legal. “Criativo”. Mas vulgar demais. Como todo amante da tecnocracia autocrática aliada à plutocracia financeira internacional, quis dizer que todo político anda pra trás (generalização idiota e perigosa para a democracia). E força a barra. Mas a metáfora não cola. Não tem nexo com a realidade. Em primeiro lugar por absoluta falta de conhecimento da cultura popular brasileira. O Curupira anda para frente, cara pálida!, mas dá a ilusão aos seus perseguidores de que vai pelo caminho inverso. Ele tem os pés invertidos. É entidade das matas, que protege a floresta e os animais, espantando os caçadores que não respeitam as leis da natureza. É o Protetor das Selvas. A figura estaria correta, sim, se o articulista tivesse conhecimentos históricos e quisesse comparar Sarney ao Curupira no que se refere à proteção da Natureza. Aí, sim, a metáfora estaria correta. Pois, no momento em que a preocupação com o meio ambiente ainda era quase nada, nos Anos 80, Sarney foi vanguardista, fazendo com que o Brasil assumisse papel importante nos debates sobre a ecologia. Rubens Ricupero, no artigo “Rio+20 e Amazônia”, publicado na Folha de S. Paulo nesta segunda-feira (2), lembra que Sarney não fugiu ao problema ambiental, ao oferecer o Brasil como sede da Rio 92 e criar o IBAMA. E que na ocasião, o País atuou “sem esquecer a perspectiva dos interesses da humanidade, ameaçada por fenômeno global que afeta o planeta e a atmosfera acima das fronteiras”. Ricupero tá certo. Sarney lançou, em 88, o Programa de Defesa do Complexo de Ecossistemas da Amazônia Legal, o “Programa Nossa Natureza”, com a finalidade de estabelecer condições para a utilização e a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis na Amazônia Legal. Em 1989, José Sarney deu mais um passo e criou o IBAMA, novo órgão que reuniu várias secretarias e ficou responsável pela articulação, coordenação, execução e controle da política ambiental. Com o Ibama já em operação, aproximadamente 8 milhões de hectares de território brasileiro ficaram sob regime de preservação permanente. O posicionamento pró-ativo na política ambiental colocou o Brasil em destaque perante as nações desenvolvidas. Mas a ligação de Sarney com o tema vem de antes. Em 1972 o senador subiu na tribuna e fez o primeiro discurso da história do Congresso sobre o problema do meio ambiente. Por essas e outras, é hora de se acabar com simplismos nas análises políticas. Não é justo o que se faz com o presidente Sarney. Durante seu governo, quase sem apoio, permitiu transição política pacífica. Enfrentou, com espírito democrático e grande paciência, 12.600 greves para que o Brasil tivesse uma transição em paz. Além disso, foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São mais de 50 anos de vida pública. É um homem realizado. É este o estado de espírito do presidente Sarney hoje. Um homem autêntico, com sua eterna fé na conciliação política e na preocupação com os necessitados. Tem de ser respeitado mais por isso.
Said Barbosa Dib, analista político, historiador e, com muita honra, assessor de imprensa do senador Sarney.
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