Desnacionalização
e Revolução
Desde há séculos o Brasil carece de governo
autônomo, capaz de promover o progresso econômico e social. A
independência proclamada em 1822 não se traduziu em autonomia real, pois o País
atravessou o Império e os primeiros anos da República sob tutela financeira e
política da Inglaterra, até o final da Primeira Guerra Mundial, e do império
anglo-americano desde então.
2. Os lampejos de autonomia duraram pouco, logo
apagados por intervenções da oligarquia mundial. Assim, nos anos 1840 com a
tarifa Alves Branco, uma tentativa de viabilizar o surgimento de indústrias
nacionais. Também, com os empreendimentos abrangentes do Barão de Mauá, dos
anos 1850 aos 1880, e com iniciativas limitadas, como a fábrica de linhas de
Delmiro Gouveia em Alagoas, 1912-1917.
3. Os avanços na redução da dependência
econômica foram contidos ou anulados pela dependência política. E esta decorreu
da subordinação da economia agrária e exportadora de bens primários aos
interesses comerciais e industriais de potências estrangeiras.
4. Quando Getúlio Vargas, promoveu maior grau de
autonomia nacional - de 1934
a 1945 e de 1951 a 1953 - as potências hegemônicas
- coadjuvadas pelas “classes conservadoras” locais e pela mídia venal –
montaram complôs para desestabilizar e derrubar o governo.
5. Como Vargas antes, João Goulart, em 1962-1963,
não se precaveu diante das maquinações imperiais, tarefa difícil em
regime “democrático” no qual o poder financeiro determina o processo político.
6. Mesmo sendo escassa a proteção tarifária e
a não-tarifária, e operassem no Brasil vários carteis e grandes empresas
estrangeiras, surgiram numerosas indústrias de capital nacional substituidoras
de importações na segunda metade do Século XIX e na primeira do Século XX.
7. Cito quatro livros que o demonstram: Warren
Dean, A Industrialização de São Paulo (1880-1945);
Edgard Carone, O Centro Industrial do Rio de Janeiro e sua Importante
Participação na Economia Nacional (1827-1977), ed.
Cátedra, Rio 1978; Delso Renault, 1850-1939 O Desenvolvimento da
Indústria Brasileira, SESI; Eli Diniz, Empresário, Estado e
Capitalismo no Brasil 1930-1945, ed. Paz e Terra, SP 1978.
8. O próprio Vargas só restringiu investimentos
estrangeiros em poucos setores e demorou a notar o volume das remessas de
lucros ao exterior, o que está longe de ser único dos prejuízos que eles causam
à economia.
9. As potências imperiais realizaram seus
objetivos a partir de Café Filho, fantoche dos entreguistas civis e militares (1954).
JK, eleito em 1955, pelos votos getulistas, ampliou os benefícios ao capital
estrangeiro.
10. Daí não terminou mais a escalada de
desnacionalização, não obstante se terem criado estatais na área
produtiva – privatizadas de forma vergonhosa a partir de 1990 - tendo o
Estado feito também investimentos nas infra-estruturas econômica e social.
11. O poder público subsidiou as transnacionais, e
esmagou empresas nacionais.
12. Resultado: em 1971 o
capital estrangeiro já controlava setores importantes: mercado de capitais 40%;
comércio externo 62%; serviços públicos 28%; transportes marítimos 82%;
transporte aéreo externo 77%; seguros 26%; construção 40%; alimentos e bebidas
35%; fumo 93,7%; papel e celulose 33%; farmacêutica 86%; química 48%;
siderurgia 17%; máquinas 59%; autopeças 62%; veículos a motor 100%; mineração
20%; alumínio 48%; vidro 90%.
13. Em 1971 o estoque de
investimentos diretos estrangeiros (IDEs) não chegava a US$ 3
bilhões. Em 2011 atingiu US$ 669,5 bilhões.
14. O montante de 2011 é 40
vezes maior que o de 1971 atualizado para US$ 16, 6
bilhões. No período, o PIB, em dólares corrigidos, só
se multiplicou por 6.
15. Os IDEs referem-se só às empresas com maioria
de capital estrangeiro, não aos “investimentos estrangeiros em carteira”
(participações no capital de empresas e aplicações em títulos públicos e
privados). Esses acumularam US$ 597 bilhões até 2011. Os empréstimos, US$
190 bilhões. A soma dá quase US$ 1,5 trilhão.
16. É fácil emitir dólares do nada e com eles
comprar ativos. Mais: grande parte dos IDEs é reinvestimento de
lucros, e quantia muitíssimo maior que a dos ingressos foi
remetida ao exterior a título de lucros, dividendos, juros, afora os
ganhos camuflados em outras contas do balanço de transações correntes. Disso
originou-se a dívida pública, fator de empobrecimento e de dependência.
18. Em 2012 destacam-se: tecnologia da informação
(33); serviços para empresas (20); empresas de internet (19); supermercados,
açúcar e álcool (35); publicidade e editoras (10); alimentos, bebidas e
fumo (10); mineração (9); óleo e gás (8); educação (7); shopping centers
(7); imobiliário (7).
19. Ainda mais estarrecedora que a
avassaladora ocupação da economia brasileira é a persistência na mentalidade de
que os investimentos estrangeiros beneficiam a economia.
20. Não houve evolução, desde os anos 50 e 60, no
entendimento da realidade. Continuam sendo escamoteadas as causas do enorme
atraso tecnológico do País e disto tudo: pobreza, insegurança, infra-estrutura
lastimável, desagregação social, desaparelhamento da defesa e cessão de
territórios a pretexto de proteção ao ambiente e a indígenas.
21. O impasse da economia brasileira, prestes a
desembocar em dificuldades ainda maiores, sob o impacto da depressão nos países
centrais, decorre das percepções errôneas, subjacentes às recomendações da
CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina da ONU) e à política
“desenvolvimentista” de JK.
22. Estas foram as falsas premissas, ainda não
atiradas ao lixo, como deveriam ter sido há muito tempo: 1) a industrialização
como meta em si mesma, independente da composição nacional ou estrangeira e do
grau de concentração do capital; 2) o capital estrangeiro tido por necessário
para suprir pretensa insuficiência local de recursos.
23. As políticas decorrentes dessas idéias
redundaram na desindustrialização e na descapitalização do País.
Ignora-se a experiência histórica – sempre confirmada - de nunca ter
existido real desenvolvimento em países nos quais predominem os
investimentos estrangeiros.
24. Recorde-se que, de 1890 a 1917, ano da
débâcle na guerra e da revolução, o volume de investimentos estrangeiros na
Rússia foi cerca de três vezes superior ao do capital nacional.
Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo
e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco,
do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus
Desenvolvimento”.
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