As denúncias feitas pela Folha de São Paulo, de que
agentes da CIA norte-americana atuam livremente no Brasil, em franca
“colaboração” com policiais brasileiros assustam muito menos do ponto de vista
da atuação dos agentes estrangeiros do que da de seus “parceiros” brasileiros. Afinal,
os espiões norte-americanos estão cumprindo o seu papel: vigiar de perto um
país que tem uma extensão territorial contínua maior que os próprios Estados
Unidos; que conta com 200 milhões de habitantes; que é a sétima maior economia
do mundo; e o terceiro maior credor individual dos Estados Unidos; além de
membro dos BRICS, uma aliança que o une à China, Rússia, índia e África do Sul,
deve mesmo ser uma prioridade para a CIA. Assim como interceptar emails e
telefonemas da Presidente Dilma é prioridade de outra agência do complexo de
inteligência dos Estados Unidos, a NSA, já sabemos. O que não podemos entender, já que estamos sendo
ridicularizados no mundo inteiro, é como
esses agentes externos tem o seu trabalho banalizado e facilitado pelo
próprio governo brasileiro, dentro do nosso território, como se fosse a coisa
mais comum do mundo eles entrarem e saírem de instalações responsáveis pela
nossa segurança interna e se deslocarem em nosso território como se estivessem
dentro das fronteiras dos Estados Unidos. Espertos, os EUA contam com a
ignorância e o cabotinismo deslumbrado e tupiniquim de muitos de seus “colaboradores”.
Afinal – pode-se imaginar, depois de tantos anos de “colaboração”, quantos
policiais brasileiros não terão tido a oportunidade de chegar em casa - ou de
se sentar com os amigos depois do expediente – e comentar ter participado de
uma reunião com “agentes” da DEA ou da CIA, para conversar sobre o “combate ao
tráfico de drogas” – a primeira fachada para a assinatura de convênios – ou,
depois do 11 de setembro, como se informa agora, sobre o combate ao
“terrorismo”. E quantos espiões norte-americanos devem ter rido de seus
“colegas” brasileiros, a propósito da “guerra contra o terror”, tomando um
uísque no bar do hotel, antes de ir para a cama. Trata-se, muitas vezes, de uma
questão cultural. Quantos dentre esses agentes da lei brasileiros, não
cresceram e não aguçaram a sua vocação vendo – como milhões de outros
brasileiros de sua geração – programas policiais e de espionagem
norte-americanos na televisão? E quantos não se imaginaram, em suas fantasias
de criança, viajando pelo mundo, combatendo os malvados “terroristas” que
ameaçam a liberdade e a democracia ocidental e os próprios Estados Unidos? Bom
seria se da formação informal de alguns de nossos profissionais da área, além
de suas lembranças de séries como Miami Vice, CSI New York, Missão Impossível,
fizessem parte também cursos sobre relações internacionais, geopolítica e o
lugar do Brasil, hoje, no mundo. Assim, seria mais fácil que eles – e também
muitos de nossos diplomatas e até gente de outras áreas do governo -
percebessem que o Brasil não corre risco de sofrer ataques “terroristas”. Nossa
República - graças a um dispositivo constitucional que propugna o princípio da
não intervenção – não se mete em assuntos internos ou externos de outros
países. E o faz para que outras nações - e grupos, armados ou não, e de
qualquer orientação ideológica – não se metam conosco, nem oficial, nem
sub-repticiamente, como faz os Estados Unidos. Quem é vítima do “terrorismo”
são países que, como a Espanha e Israel, por exemplo, atuam como servidores de
segunda classe dos EUA em lugares como a Líbia, o Iraque, o Afeganistão,
enviando tropas e aviões para combater ao lado dos ingleses e norte-americanos
em defesa de seus interesses. Afinal, o termo “terrorismo” não pode ser usado
apenas, como se faz usualmente, contra os inimigos dos EUA. Se terrorismo é
matar um inocente em Madrid ou Nova Iorque, não existe outra palavra para
qualificar o fato de se assassinar uma criança, usando um avião não tripulado
em Cabul, Bagdá ou Islamabad. O Brasil só estará sujeito a ser atacado, se
continuar, justamente, a estreitar seus laços com os serviços de segurança
norte-americanos, colocando-se como inimigo de grupos e organizações que não
têm nenhuma razão ou interesse de atuar em território brasileiro. O Brasil não
tem problema com países árabes - temos aqui grandes colônias de palestinos,
sírios, libaneses - e os judeus estão em nosso país desde a Descoberta, de que
participaram. A CPI que investiga a espionagem cibernética norte-americana deve
estender a sua atuação para a imediata apuração da atividade de agentes
norte-americanos no Brasil. É necessário identificar e romper esses convênios;
desmontar as instalações - muitas financiadas com dinheiro norte-americano - a
que esses senhores têm acesso e “convidá-los”, educadamente, a deixar,
imediatamente, o território nacional. ´Como se viu ontem, com o tiroteio em
Washington, os Estados Unidos - com os inimigos internos e externos que
cultivam - não terão paz enquanto acreditarem que receberam licença divina para
tutelar o planeta. Saiamos – antes que seja tarde demais – da “colaboração” com
os EUA na área de segurança. Administremos nossos próprios problemas, que já
não são poucos. E eles que cuidem dos deles.
Mauro Santayana é um jornalista autodidata brasileiro. Prêmio Esso de Reportagem de 1971. Trabalhou, no Brasil e no exterior, para jornais e publicações como Diário de Minas, Binômio, Última Hora, Manchete, Folha de S. Paulo, Correio Brasiliense, Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil, onde mantém uma coluna de comentários políticos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário