Do blog do jornalista
Toda nação tem seus símbolos. Um dos mais
tradicionais símbolos russos, à altura de Dostoiévski, e de Pushkin, são as
Matrioskas, as bonecas de madeira, delicadamente pintadas e torneadas, que,
como as camadas de uma cebola, guardam, uma dentro da outra, a lembrança do
infinito, e a certeza de que algo existe, sempre, dentro de todas as coisas, como em um infinito jogo
de espelhos e surpresas. Ao se meter no complicado xadrez geopolítico da
Eurásia, que já dura mais de 2.000 anos, o “ocidente” esqueceu-se dos russos e
de suas Matrioskas. Para enfrentar o desafio colocado pela interferência
ocidental na Ucrânia, Putin conta com suas camadas, ou suas Matrioskas. A
primeira camada, a maior e a mais óbvia, é o poder nuclear. A Rússia, com todos
os seus problemas, é a segunda potência militar do planeta, e pode destruir, se
quiser, as principais capitais do mundo, em uma questão de minutos. A segunda é
o poder convencional. A Rússia dispõe, hoje, de um exército quatro vezes maior
que o ucraniano, recentemente atualizado, contra as armas herdadas, pela
Ucrânia, da antiga URSS, boa parte delas, devido à condição econômica do país,
sem condições de operação. A terceira é o apoio chinês, a China sabe que o que
ocorrer com a Rússia, hoje, poderá ocorrer com a própria China, no futuro,
assim como da importância da Rússia, como última barreira entre o Ocidente e
Pequim. A quarta Matrioska é o poder
energético. Moscou forneceu, no último ano, 30% das necessidades de energia
européias, e pode paralisar, se quiser, no próximo inverno, não apenas a
Ucrânia, como o resto do continente, se quiser. A quinta, é a financeira. Com
177 bilhões de superávit na balança comercial em 2013, os russos são um dos
maiores credores, junto com os BRICS, dos EUA. Em caso extremo, poderiam
colocar no mercado, de uma hora para outra, parte dos bilhões de dólares que detêm
em bônus do tesouro norte-americano, gerando nova crise que tornaria
extremamente complicada a frágil a situação do “ocidente”, que ainda sofre as
consequências dos problemas que começaram – justamente nos EUA – em 2008. Finalmente,
existe a questão étnica e histórica. Para consolidar sua presença nas antigas
repúblicas soviéticas, Moscou criou enclaves russos nos países que, como a
Ucrânia, se juntaram aos nazistas, para atacar a URSS na Segunda Guerra. Naquele
momento, o nacionalismo ucraniano, fortemente influenciado pelo fascismo, não
só recebeu de braços abertos, as tropas alemãs, quando da chegada dos nazistas,
mas também participou, ao lado deles, de alguns dos mais terríveis episódios do conflito. Derrotados
pelo Exército Soviético, na derradeira Batalha de Berlim, em 1945, os alemães
sabem, por experiência própria, como pode ser pesada a pata do urso russo,
quando provocado. E como podem ser implacáveis - e inesperadas - as surpresas
que se ocultam no interior das Matrioskas.
Mauro Santayana é jornalista autodidata brasileiro. Prêmio Esso de Reportagem de 1971, trabalhou, no Brasil e no exterior, para jornais e publicações como Diário de Minas, Binômio, Última Hora, Manchete, Folha de S. Paulo, Correio Brasiliense, Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil, onde mantém uma coluna de comentários políticos.
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