Estado e desenvolvimento
01. O Estado costuma ser
regido pela classe dominante. Nos países ditos desenvolvidos,
a grande burguesia ganhou essa condição, graças a políticas de Estado voltadas
para o engrandecimento do poder nacional.
02. O poder
do Estado foi usado para fortalecer empresas estatais e privadas de
capital nacional, desenvolvendo tecnologias próprias. Os capitalistas já tinham
no Estado um instrumento para erguer seu próprio poder, embora ainda não
tivessem completa ascendência sobre aquele, nem sobre seus quadros civis e
militares.
03. Os grandes bancos e
empresas industriais foram formando um sistema de poder controlado por poucos
potentados, todos com “investimentos” em todas essas áreas, além de
estreitos vínculos interempresariais.
04. Concentrado assim, o
capital “privado” passou a predominar inquestionavelmente sobre as autoridades
do Estado, bem como sobre os tecnocratas e as forças armadas.
05. Esse processo
foi acompanhado pela propagação da ideologia liberal e por instituições de
aparência democrática, tais como eleições periódicas, suposta divisão dos
poderes do Estado.
06. Tais formas
perderam todo conteúdo democrático que pudessem ter tido, através do controle
das eleições por meio das campanhas alimentadas por quantias somente
accessíveis aos concentradores de capital, também comandantes diretos ou
indiretos dos meios de comunicação.
07. Essa é realidade
política e econômica dos países centrais, a qual levou aos absurdos da
financeirização, culminando com o Estado a passar aos banqueiros dezenas de
trilhões de dólares das receitas tributárias e da emissão de moeda
e de títulos, além de suscitar a emissão também pelos bancos centrais e
pelos próprios bancos privados.
08. Assim, o Estado
endividou-se para favorecer grandes bancos, cujos controladores e
executivos já se haviam locupletado enormemente durante os anos da proliferação
dos ativos financeiros que criaram e que se revelaram, mais tarde, títulos
podres.
09. Notavelmente,
exigem sacrifícios de trabalhadores, aposentados e da grande massa dos
produtores e consumidores.
Brasil
10. Os concentradores
mundiais, há séculos, projetam seu poder em numerosos países de
todos os continentes, dominando-os diretamente ou através de grupos locais. No
Brasil, desde há séculos, aliaram-se a proprietários de terra e/ou
mineradores, servindo-se deles para penetrar na sociedade local e obter
elevados ganhos comerciais e como banqueiros credores e concessionários
de serviços públicos.
11. Isso se deu,
primeiro, através do comércio, tornando a burguesia local dependente da
exportação para ter acesso ao padrão de vida dos ricos das economias
centrais.
12. No
Brasil, segmentos locais – da burguesia industrial, de estamentos militar e
burocrático, e dos trabalhadores - aspiraram, na primeira metade do
Século XX, a tornar o Estado instrumento da autonomia nacional, livrando
o País da condição de zona de exploração, administrada em função dos interesses
de empresas estrangeiras.
13. Até 1930, o Estado
foi, em geral, governado por representantes da burguesia “compradora”:
grandes fazendeiros de café, produto cujas receitas de exportação eram,
em grande parte, absorvidas pelo serviço da dívida externa e cuja comercialização
era controlada por casas comerciais estrangeiras.
14. Ainda assim,
formou-se apreciável industrialização, graças à falta de divisas para
importar e à proteção involuntária, através da taxa de câmbio
desvalorizada.
15. Apesar de ter
introduzido mudanças estruturais importantes, a Revolução de outubro de 1930
contemplou os interesses dos cafeicultores, determinando a queima
de estoques de café e emitiu moeda para pagar os produtores, com o que
atenuou os efeitos internos da brutal queda do preço e da quantidade exportada,
desde o eclodir da depressão nos EUA.
16. Isso, junto com a
falta de divisas para importar, fortaleceu a industrialização. Além disso,
foram aprovadas leis para colocar o subsolo sob a autoridade da União e
aparelhar o Estado, organizando carreiras no serviço público civil, através
de concursos e da formação de quadros e técnicos.
17. Ao mesmo tempo, foram
criadas instituições de pesquisa tecnológica, inclusive nas Forças Armadas.
Ademais, foi instituída a legislação trabalhista, e criados os Institutos
de Previdência, autarquias e estatais para fomentar produções essenciais
e estratégicas. Foi fundada a primeira siderúrgica integrada e a Fábrica
Nacional de Motores.
18. Não admira que,
terminada a Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas, tenha sido, em 1945,
defenestrado pelos interesses imperiais. Seguiu-se o interregno
entreguista do Marechal Dutra (1946-1950). Vargas, eleito em 1950, foi nova e
definitivamente derrubado por conspiração dirigida por serviços secretos
estrangeiros, em agosto de 1954, após difíceis avanços em seu projeto de
construção nacional.
19. Apesar de estes terem
ocorrido desde o início do Século XX, e se intensificado na Era Vargas,
não foram suficientes para tornar o País capaz de resistir à pressão imperial.
Daí em diante, o País voltou a sofrer o aumento das dependências cultural,
financeira e tecnológica.
20. Isso aconteceu desde
o governo militar-udenista (1954-1955) e prosseguiu com JK, que abraçou a
dependência tecnológica como política de governo, ampliando os subsídios
instituídos desde 1954 em favor das empresas transnacionais.
21. Seguiu-se a
instabilidade, agravada pela ação das agências dos governos imperiais no quadro
da Guerra Fria, os quais investiram no anticomunismo para alinhar, ainda mais
que antes, as elites locais às potências anglo-americanas. O primeiro dos
governos militares, em 1964, entregou a economia a Roberto Campos, e este
instituiu políticas que destruíram grande parte das empresas de capital
nacional.
22. Os governos militares
seguintes, tal como JK, tentaram promover o desenvolvimento, sem entender que este
é incompatível com as dependências financeira e tecnológica.
23. Assim, os saldos
negativos nas transações correntes ganharam vulto maior, devido às
transferências das multinacionais ao exterior e ao endividamento do Estado,
empenhado em investir na infra-estrutura e indústrias básicas, em apoio às
multinacionais, com projetos regidos pelo Banco Mundial e financiados por
bancos estrangeiros.
24. Daí a explosão da
dívida externa (segunda metade dos anos 70), a qual se tornou poderoso
instrumento adicional da subordinação do País.
25. Esgotaram-se os
recursos para a infra-estrutura, ficando tudo subordinado ao serviço da dívida.
Além disso, a entrada de investimentos diretos estrangeiros para
“equilibrar” o balanço de pagamentos redundou na desnacionalização quase
completa da economia, realimentando os déficits externos e o crescimento
das dívidas externa e interna.
26. A
desnacionalização nesse grau implica regressão em relação à República Velha
(1889-1930), quando os interesses estrangeiros ainda precisavam da
intermediação das elites locais.
28. O investimento direto
estrangeiro é o veículo da periferização por dentro, muito mais profunda que a
antiga, através só do comércio exterior.
Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
abenayon@brturbo.com.br
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