quarta-feira, 27 de março de 2013

Em dois meses, rombo externo alcança 18 bilhões de dólares


Remessas de lucros ao exterior aumentam 222%

O déficit nas contas externas (conta-corrente ou transações correntes) dos dois primeiros meses do ano aumentou 105% em relação ao mesmo período do ano anterior, atingindo US$ 17,997 bilhões – nada menos que 4,82% do PIB. Se compararmos apenas fevereiro, o aumento do déficit foi de 283,17%. O fator que mais chama a atenção entre os componentes desse resultado é o aumento, no primeiro bimestre, de 221,78% nas remessas, oficialmente declaradas, de lucros e dividendos das filiais de multinacionais para suas matrizes, em relação ao mesmo período do ano passado – e, também, um aumento de 103,82% nos envios de ganhos especulativos para o exterior (cf. BC, Nota econômico-financeira sobre o setor externo, 22/03/2013, “Quadro VI – Rendas”, linhas 22 e 31). Nem a mais do que duvidosa “solidez” propugnada pelo sr. Mantega para as contas externas - que consiste, a la Gustavo Franco, em cobrir o rombo com “investimento direto estrangeiro” (IDE), ou seja, com a venda de empresas nacionais a fundos externos e multinacionais – conseguiu se manter, diante do tamanho desse rombo. Aliás, desde novembro, o IDE deixou de cobrir o déficit: em quatro meses, recorreu-se a US$ 15,213 bilhões de dinheiro meramente especulativo para fechar as contas externas (cf. Nota cit. Quadro XXV – Saldo de transações correntes e necessidade de financiamento externo”). Mantida essa política, qualquer balançada especulativa torna-se um tremendo problema para o país, principalmente quando as incensadas reservas (US$ 373,742 bilhões) são apenas pouco mais da metade do estoque de dinheiro especulativo estrangeiro (US$ 640,410 bilhões) dentro do país (cf., Nota cit., “Quadro XLVI – Reservas internacionais” e “Quadro LX-A – Posição internacional de investimento”). Parece uma situação bastante ruim, e, com efeito, é uma situação bastante ruim. No entanto, para que evitemos pânicos e histerias desnecessárias, que em nada ajudam o país nem o governo, basta corrigir a política atual. Porém, quais foram os elementos dessa política que conduziram à situação atual? A ideia (se é que podemos assim chamá-la, pois, a rigor, trata-se de uma ilusão ou quase alucinação) de que a força motriz do crescimento não é, como sempre foi em nossa História, o investimento público, e sim o “investimento estrangeiro”, conduziu a essa situação. Não é demais lembrar que, quando Lula colocou, com o PAC, o crescimento como principal objetivo de seu governo, abandonou as expectativas do sr. Mantega no “investimento estrangeiro”, e aumentou o investimento público. No entanto, talvez devido a uma qualidade da presidente Dilma – a confiança nas pessoas – ele sentiu-se solto para voltar à sua política de favorecer bancos, fundos e monopólios estrangeiros. Resumindo, era - e é - a política de desconfiar do Brasil, da capacidade de nossos trabalhadores e empresários. Veja-se a declaração recente de Mantega no Senado: “... a vantagem no Brasil [quando há uma crise no mundo] é que existe um mercado interno que consegue absorver uma parte das exportações do nosso setor manufatureiro.” Logo, a função do mercado interno é complementar o mercado externo, e não o contrário. Ou, traduzindo-se de outra forma, não resta mais ao país senão o papel de entreposto colonial. Pois é o que significa desnacionalizar a economia, incentivar, através de mecanismos cambiais e financeiros, a venda em massa de empresas nacionais para alguns fundos externos e multinacionais. A consequência é especialmente sensível nas contas externas, com o aumento das remessas para o exterior e aumento das importações – o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) admite que 40% do comércio exterior do país é “intrafirma”, ou seja, entre a matriz de uma multinacional e sua filial no Brasil (o comércio entre filiais, segundo a Receita Federal, é insignificante). Porém, o número do MDIC é bem inferior àquele apurado pelo professor Reinaldo Gonçalves, do Instituto de Economia da UFRJ, num estudo publicado em 2011, segundo o qual, 3/5 (ou seja, 60%) do comércio exterior do país é “intrafirma” - para 2005: 61,1% das exportações e 55,7% das importações foram “intrafirma” (cf. Reinaldo Gonçalves, “Impacto do investimento estrangeiro direto sobre renda, emprego, finanças públicas e balanço de pagamentos”, TD 43, CEPAL-IPEA, 2011, págs. 28, 45 e 46).
Em outras palavras: as multinacionais estão determinando, no fundamental, as nossas importações, assim como, no essencial, as exportações – a própria concentração destas em produtos primários é definida pelo domínio das multinacionais sobre a economia. Daí que o autor do estudo considere, quanto às contas externas, que “... o padrão de comportamento das ETs [empresas transnacionais] corresponde ao padrão do conjunto da economia brasileira. (...) [o aumento do IDE] implica crescente cessão de direitos que se expressa na remessa de lucros e no pagamento de juros. O pagamento de juros depende do valor do estoque dos empréstimos intercompanhias, de suas taxas de juros e das taxas de juros domésticas quando os recursos de IDE (investimento ou empréstimos) são usados para aplicações financeiras no país (muito provavelmente, com grande concentração em títulos públicos). As remessas de lucros, por seu turno, dependem do valor do estoque de IDE”, etc. (op. cit., pág. 29). A outra consequência dessa política de restrição ao investimento público e favorecimento ao capital externo é, simplesmente, a estagnação, a paralisia econômica, a derrubada do crescimento. Resumindo:

1)  Sem investimento público - ou com este, e os gastos e financiamentos públicos, submetido às amarras da área econômica - é impossível ao investimento privado nacional deslanchar; quanto menor é o investimento público, mais frágeis, e à mercê do dinheiro externo, se tornam as empresas nacionais.

2) O abocanhamento de empresas nacionais produz, necessariamente, a desindustrialização do país, pois inúmeros elos da cadeia produtiva interna deixam de existir, substituídos pelas importações das multinacionais.

3) A taxa de investimento cai, inevitavelmente, pela desnacionalização – filiais de multinacionais não existem principalmente para investir, mas para remeter lucros para a matriz (a desnacionalização da produção do etanol é mais do que esclarecedora). Aqui, há um fato importante: em 2003, tínhamos a 145ª taxa de investimento do mundo; com os esforços do governo Lula, em 2010 nossa taxa de investimento era a 105ª do mundo – ou seja, apesar desse lugar não ser invejável, superamos 40 países em sete anos. Porém, em 2011 passamos para 107º e em 2012 para 108º país em taxa de investimento.

4) Como consequência da redução de peso da indústria na economia, cai o crescimento, pois a indústria é o setor dinâmico da economia, aquele que permite a esta crescer sustentadamente.

5)  Ao mesmo tempo, as remessas de lucros aumentam com a desnacionalização, acompanhadas pelo aumento das importações.

Em suma, aqui, a manietação dos investimentos públicos está a serviço, diretamente, da desnacionalização – e, obviamente, da desindustrialização. Talvez seja justo dizer que, em determinado momento, num país dependente – isto é, explorado desde fora – a crise nas contas externas pode tornar-se o principal sintoma de uma economia estagnada ou em retrocesso. Mas a recíproca pode ser verdadeira. No entanto, ainda é possível evitar que tenhamos de mudar sob o látego de uma crise. Apesar dos esforços do sr. Mantega para importar a crise dos EUA e da Europa, temos, ainda, condição de reverter o caminho. Contanto que alguns delirantes – ou, simplesmente, gente muito interessada – deixem de impor mais concessões e mais privatizações, ou seja, mais desnacionalizações.

Carlos Lopes é diretor de redação do Hora do Povo

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