O modelo dependente é incurável
1. O percentual no PIB dos investimentos na
produção e na infra-estrutura física e social está em patamar muito baixo na
comparação com os países em que a indústria é basicamente nacional. Isso ocorre
desde os anos 70, quando já se deveria ter entendido que o modelo
dependente é incompatível com o desenvolvimento.
2. Embora o crescimento natural da população tenha
sido contido, devido à intervenção de fundações norte-americanas, a produção é
de longe insuficiente para assegurar sequer tolerável qualidade de vida à
esmagadora maioria dos brasileiros. Ademais, a produção e a infra-estrutura são
orientadas em função de interesses estrangeiros.
3. O modelo dependente gerou enorme endividamento,
cujo serviço asfixia a economia brasileira. De há muito, a taxa de investimento
do Brasil corresponde a cerca de metade das da China, Coreia, Taiwan e outros.
4. Houve um processo cumulativo de
desnacionalização e de concentração econômica, determinantes de crescente
ascendência das transnacionais sobre o “poder público”, criando
instituições e mentalidade que levam a brutal desperdício dos recursos
investidos.
5. Por isso não só se investe pouco,
mas se investe mal, em todos os sentidos: na escolha de em
que investir e no modo de realizar os investimentos.
6. Enquanto o Titanic afunda, economistas
prosseguem fazendo propostas tópicas, sem perceber – ou fingindo não perceber –
que nenhuma delas resolve coisa alguma enquanto perdurar o modelo dependente.
7. Lembrando que, desde 1990, a renda per capita
cresce a 1,7% ao ano (4% entre 1930 e 1980) e que a taxa de
investimentos patina em torno de míseros 18%, Bresser Pereira propõe, como
solução salvadora, reduzir substancialmente os juros e desvalorizar a taxa
câmbio do real.
8. Essas medidas seriam em si benéficas. De fato,
seis pontos percentuais na redução dos juros públicos, incidindo sobre a dívida
interna de 3 trilhões de reais, liberariam recursos para investimentos de
infra-estrutura e produtivos de R$ 180 bilhões anuais (4% do PIB).
9. Vantagem adicional decorreria da baixa dos juros
pagos pelas empresas produtivas e por pessoas físicas, diminuindo custos e
elevando renda. Ademais, é infundada a ideia, amplamente disseminada, de
que juros altos detêm a inflação.
11. Entretanto, sem essa entrada de capitais, sem
grandes investimentos diretos estrangeiros e aquisições de empresas nacionais,
o elevado déficit de transações correntes se traduziria em déficit no BP.
Desencadear-se-ia fuga de capitais estrangeiros (dos quais uma parte é de
brasileiros com depósitos no exterior).
12. Isso faria o real desvalorizar-se muito além do
desejável e acelerar a inflação, pois o País está mais dependente, que no
passado, de importações de bens de capital, insumos e bens finais.
13. É evidente, pois, que não seria viável reduzir
significativamente os juros, sem instituir rigoroso controle de capitais
e sem racionar de divisas, diferenciando importações essenciais das demais,
seja com taxas múltiplas de câmbio, seja com elevados impostos para as
importações menos essenciais e para as supérfluas.
14. Óbvio também que tudo isso só é viável se o
governo tiver autoridade, poder e vontade de afrontar as regras da comunidade
financeira (oligarquia da ordem mundial anglo-americana) instrumentadas através
de seus cães de guarda, FMI, Banco Mundial e Organização Mundial do
Comércio (OMC).
15. Além de ter autonomia em face dessas instâncias
“internacionais”, teria o governo de, ou exercer efetivo controle sobre
bancos e empresas oligopolistas, ou estatizá-los, já que, do contrário,
represálias de uns e das outras levariam à desestabilizaçáo do
governo, como de hábito, dirigida por serviços secretos das potências
imperiais.
16. Precisaria, ainda, elevar, inclusive qualitativamente,
a produção e manter a inflação sob controle, e isso só seria possível
retirando dos oligopólios, na maioria de transnacionais, o domínio, sem
concorrência, sobre os mercados e acabando com os abusos dos detentores dos
serviços públicos privatizados e dados em concessões.
17. Ora, o que o atual Executivo federal está
fazendo é o contrário de tudo isso, apoiado pelo Congresso, sempre entreguista.
Não só mantêm-se as privatizações e as concessões, que já haviam deteriorado a
qualidade e encarecido os preços da eletricidade e das telecomunicações, como
se ampliam os privilégios dos grupos que os exploram. Além disso, o Estado
prossegue fugindo a seus deveres, ao entregar novas áreas, como
aeroportos, portos e ferrovias.
18. O modelo é outorgar a exploração dos
serviços, oferecendo dinheiro público e financiamento, a juros mínimos, por
bancos estatais, e garantir lucro elevado e sem risco aos beneficiários.
19. Em requinte privatista, regado a dinheiro dos
contribuintes, o governo planeja que o Tesouro e o BNDES repassem
recursos aos bancos privados para emprestarem aos concessionários dos
novos serviços privatizados.
20. Ou seja: mais negócios para os bancos lucrarem
com dinheiro que não lhes pertence, acrescendo aos colossais fundos que já lhes
são providos pelos depositantes (em dezembro, o governo reduziu em mais
R$ 15 bilhões, os depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central).
21. Lucro sem comparação em todo o mundo para
grupos privados - garantido e sem risco - tudo bancado pelo Estado
– é como o governo pretende promover o crescimento dos
investimentos em infra-estrutura.
22. “Pretendem” diminuir o famigerado
“custo Brasil”, melhorando a competitividade da economia. Mas não atentam para:
a) custos artificialmente elevados pela
contabilidade dos oligopólios;
b) o kafkiano e abstruso método usado para que as
distribuidoras (privatizadas) da energia fiquem com o grosso dos ganhos
decorrentes de preços altíssimos, sem nada terem investido na geração e na
transmissão;
c) as restrições impostas por IBAMA, FUNAI,
organizações estrangeiras e ONGs, e ministérios públicos federal e estaduais, a
que hidrelétricas sejam construídas com integral aproveitamento do potencial
hídrico;
d) a supressão das eclusas, cuja falta deixa de
criar vias fluviais navegáveis, num País em que a infra-estrutura de
transportes não poderia ser mais horrorosa;
e) a falta de adequados procedimentos de controle
dos custos das obras e de concorrência que viabilize a participação de empresas
de capital nacional de menor porte.
23. Por fim, não se consegue tornar o Brasil
competitivo aplicando vultosos recursos em pesquisa científica e
tecnológica (previstos R$ 32,9 bilhões em 2013/2014), apregoando grande salto
na inovação, porque esse dinheiro é dissipado enquanto não houver condições
para que empreendimentos de capital nacional vinguem no mercado.
Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
abenayon@brturbo.com.br
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