sexta-feira, 26 de agosto de 2011

De costas para o mercado interno, Mantega faz Brasil importar até crise

Com ele, “mercado interno” é só uma fachada para intensificar corte de gastos e pagar juros
Por Carlos Lopes*
Proferir odes ao mercado interno como a grande bóia para a crise, fazer preitos em público aos orixás do crescimento – e, ao mesmo tempo, conter e cortar os gastos públicos, proclamar que os superávits primários devem ser “a cada mês melhor [ou seja, maior] que no mês anterior”, ou seja, que os gastos públicos com juros devem ser os únicos a aumentar, jamais aqueles que signifiquem aumento de salário e de emprego, jamais os que sejam uma expansão do mercado interno, como fez o ministro da Fazenda na terça-feira, na Câmara, é algo ridículo. As conseqüências, se essa indigência e falta de seriedade predominam, são a de levar o país à crise, com tributos verbais ao mercado interno, enquanto se asfixiam os salários, o consumo, o investimento das empresas, em síntese, o mercado interno.
Bônus
A crise dos EUA e demais países centrais é a crise deles. Por que não podemos ter o nosso projeto de país? Por que temos de nos arrastar a reboque da crise deles, como se a nossa economia não pudesse ser mais do que um reflexo da economia deles? Por que essa papagaiada de que “agora estamos melhor preparados do que em 2008”, ou, o que é a mesma coisa, de que “não ficaremos imunes”, ou, na última versão, “bem preparado não significa que não haverá ônus”. A crise dos países centrais sempre foi um bônus para os países periféricos, desde que estivessem dispostos a não ser mais periféricos. Em 2008, o BC aumentou os juros no dia 10 de setembro, cinco dias antes da quebra do Lehman Brothers, e manteve uma taxa absurda por 180 dias, só começando a reduzi-la, com a velocidade de uma lesma, em janeiro. Quando liberou o compulsório dos bancos, estes, obviamente, não forneceram crédito às empresas ou aos consumidores – por que fariam isso, se podiam ganhar com os juros dos papéis públicos? Portanto, usaram o dinheiro para especular. Lula, então, salvou o país, com uma política de estímulo ao consumo, ao colocar os bancos públicos a serviço do crédito, em suma, ao radicalizar sua política de acelerar o crescimento. Os EUA e os outros países centrais nunca se recuperaram. Jamais voltaram ao patamar de antes do início da crise – e é isso o que se chama “recuperação”. No entanto, apesar de vários alertas – inclusive nossos – Mantega desmontou a política então traçada por Lula, trocando-a por uma política essencialmente tucana, alegando que a crise externa já era passado, e que o risco estava, precisamente, no crescimento. Na semana passada, as estimativas para o aumento do PIB deste ano variavam entre 3,4% e 3,8%, depois de termos já alcançado 7,5% em 2010. Assim, quando agora Mantega diz que estamos melhor preparados, tenta somente ocultar que, nos últimos meses, aplicou a política do sr. Meirelles (aliás, a mesma do BC atual). E, sejamos justos, apesar de manter Meirelles no BC, Lula forçou a queda de juros de março de 2007 a abril de 2008, depois, de janeiro de 2009 a março de 2010, e paralisou os aumentos de juros de junho a dezembro de 2010. Quando Lula deixou o governo, o juro básico real estava em 4,8%. Agora, depois de cinco aumentos seguidos, está em 6,8% - e nem frisaremos a aberração que isto é no mundo de hoje. Sobretudo quando não havia nenhum descontrole inflacionário, ainda que o aumento das commodities em Chicago e Nova Iorque tenha, realmente, causado um certo aumento nos índices, mas que nada tinha a ver com surto inflacionário. Toda a parolagem e fabricação de uma falsa ameaça inflacionária não tinham outro objetivo senão aumentar os juros reais: quanto mais baixa a inflação e maiores os juros nominais, maiores são os juros reais, isto é, o ganho dos bancos e demais especuladores. Não é para combater a inflação que se aumentam os juros, mas, simplesmente, para aumentá-los – isto é, aumentar os ganhos à custa do Estado, do povo, do país. Será uma coincidência que todos os porta-vozes de bancos defendiam, há meses, que a “taxa natural” (?) de juros do Brasil, certamente definida por Deus ao criar a nossa exuberante natureza, era em torno de 7%? Diz o sr. Mantega que essa questão não é de sua alçada, mas do BC. Triste ministro da Fazenda. Mas ele apoiou, e continua apoiando, os aumentos de juros do BC. Evidentemente, essa elevação dos juros significou não apenas o aumento no custo para as empresas nacionais, mas também o encarecimento artificial dos produtos fabricados no Brasil em relação às importações, via câmbio, isto é, via hipervalorização forçada do real. Ou, o que é outra forma de dizer a mesma coisa, a invasão do país por centenas de bilhões de dólares desvalorizados, atraídos pelos juros altos, puxando atrás de si toneladas de mercadorias externas. Hoje, existem no mundo apenas oito países importantes que têm déficit comercial com os EUA. Não é uma surpresa que o Brasil seja um deles (cf. BEA, “U.S. International trade in goods and services”, June/2011). Diante da inação da Fazenda, que limitou-se à pantomina das alíquotas exíguas de IOF, o estoque de capital especulativo aumentou US$ 380 bilhões entre dezembro de 2008 e junho deste ano, indo de US$ 287,53 bilhões para US$ 669,41 bilhões. Não havia nada que tornasse essa invasão, totalmente predatória, parasitária, inevitável. Da mesma forma, não era inevitável que a desnacionalização das empresas aumentasse US$ 248 bilhões no mesmo período (de US$ 287,70 bilhões para US$ 535,97 bilhões). Houve um aumento da vulnerabilidade externa. As remessas para o exterior aumentaram de US$ 52,94 bilhões em 2009 para US$ 70,63 bilhões em 2010, e, em 2011, em seis meses já estão em US$ 39,86 bilhões, mais da metade do que foi remetido em todo o ano passado. Além disso, as importações combaliram, ou colocaram em risco, setores inteiros da economia. Se a situação do país, com essa política de aumentar juros, restringir consumo, gastos públicos, crédito, salários e investimento, não é de consolidação do mercado interno que se expandiu com Lula, também em relação ao mercado externo não estamos confortáveis.
Bárbaros
Estamos, rigorosamente, pendurados no preço das commodities, isto é, no preço especulativo das commodities: o quantum (a quantidade física) do conjunto das exportações encontra-se estagnado há 12 meses, com ligeiras variações (cf. Funcex, “Informativo Balança Comercial”, ano I, n° 4, julho/2011; e, também, Funcex, “Boletim de Comércio Exterior”, ano XV, n° 6, junho/2011). Segundo o último relatório da Secex, órgão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), entre janeiro e julho, o valor das exportações de minério de ferro aumentou 79%, mas o quantum, apenas 5%; as de petróleo aumentaram 38% em valor, mas apenas 1% em quantum; as de soja, em valor, aumentaram 28%, mas diminuíram -3% em quantum; as de café, aumentaram 78% em valor, mas só 8% em quantum. Certamente, isso é um convite a que os bárbaros invertam o movimento dos preços das commodities – com as consequências que nos dispensamos de mencionar. Nas importações, pelo contrário, é o aumento da quantidade física que predomina sobre o aumento de preços, devido ao dumping do atual regime cambial e dos juros às mercadorias externas, o que não quer dizer que o conjunto delas aumentou pouco em valor, pelo contrário – daí a queda no saldo comercial do país a partir de 2008, ou seja, a partir da guerra cambial dos EUA, com sua invasão de dólares. Evidentemente, tudo isso tem conserto, desde que se mude a política. Ou seja, desde que se dê ao mercado interno o seu real, imprescindível e insubstituível papel como base da nossa economia, o que significa melhores salários, mais empregos e prioridade para a indústria de capital nacional.
*Carlos Lopes é editor-chefe do jornal Hora do Povo

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