O criador do Programa do Álcool, José Walther
Bautista Vidal, faleceu no sábado 01 de junho. O pesar foi grande
para as centenas de milhares de brasileiros e brasileiras que o
conheceram, participaram de suas palestras, leram seus livros e tiveram
conhecimento de suas realizações à frente da Secretaria de Tecnologia
Industrial (STI) do Ministério da Indústria e do Comércio, de 1974 a 1978, e das que levou
adiante e inspirou depois disso.
2. Mas, desde logo, veio à mente dos seus amigos a
vitalidade e do entusiasmo produtivo que caracterizou a existência de Bautista
Vidal. De fato, uma das qualidades que o distinguiu, é a de lutador.
3. Assim, o que sua memória exige de nós é darmos
prosseguimento à luta que foi sua principal razão de viver: esclarecer nossos
compatriotas para que se libertem do jugo da tirania financeira, que
abrange não só o cartel anglo-americano do petróleo e associados, mas também o
que ele denominou a tirania videofinanceira, a que assegura a
escravização por meio da desinformação e da destruição dos valores
civilizatórios.
4. Os que estivemos juntos com Bautista Vidal
- em palestras, reuniões e encontros em numerosas cidades brasileiras
- sabemos que ele semeou informações científicas e técnicas e, mais
que isso, despertou a chama do sentimento nacional e a compreensão de que
a grandiosidade do País é incompatível com a situação a que nosso povo está
sendo submetido: a de ser pretensamente governado, há decênios, por
medíocres e covardes, meros executantes do que determina a oligarquia
capitalista estrangeira.
5. Entre os que absorveram lições de Bautista
Vidal estão todos os dotados de sentimento de nacionalidade. São todos as
mentes abertas a perceber que o Brasil está sendo saqueado, que não
merece sê-lo e que há que abandonar a passividade: mudar esse
estado de coisas. Só não compreendem a demonstração de coisas concretas e
objetivas aqueles cujas sinapses interneuronais estão bloqueadas por
preconceitos.
6. As veementes condenações de Bautista Vidal
dirigiam-se aos que se submetem às falsas verdades convencionais,
veiculadas notadamente por organismos internacionais, como o Banco Mundial, a
OMC e a própria CEPAL, cujas políticas Vidal desnudou em seu último livro, “A
Economia dos Trópicos”.
7. Bautista Vida escreveu 12 livros, entre os
quais: De Estado Servil à Nação Soberana; Civilização Solidária dos
Trópicos; Soberania e Dignidade; Raízes da Sobrevivência; O Esfacelamento
da Nação; A Reconquista do Brasil; Petrobrás – Um Clarão na História”, no qual
ressalta a importância das ações do presidente Getúlio Vargas.
8. Na Secretaria de Tecnologia Industrial (STI),
Bautista Vidal fundou o Programa do Álcool, graças ao qual o Brasil foi o
primeiro País a dominar plenamente a tecnologia de fabricação eficiente de
álcool combustível. Em determinada altura dos anos 80, praticamente todos
os carros produzidos no Brasil eram movidos a etanol.
9. Programa do Álcool só não deu maiores frutos
porque sofreu influências deletérias, determinadas pelo endividamento do País,
causado pelo modelo dependente. Entre essas influências, a do Banco
Mundial, que fez privilegiar as grandes usinas e as plantations de
cana-de-açúcar. Isso difere muito do que foi idealizado pelos técnicos sob a
direção de Vidal: produção descentralizada, evitando os gastos do transporte,
geralmente em caminhões a diesel de petróleo, por centenas de
quilômetros, da cana até as destilarias e o caminho inverso na
distribuição do combustível.
10. Ademais, nessa indústria, que era nacional – e
que, por isso mesmo, realizou importantes desenvolvimentos tecnológicos no País
- o projeto da STI abrangia também a bioquímica do etanol e a dos
óleos vegetais, com enorme potencial para criar novos produtos substituidores
dos obtidos através da petroquímica.
11. Bautista Vidal engajou mais de 1.500 técnicos e
pesquisadores e estruturou numerosos centros de pesquisa tecnológica,
desmontados pelos governos entreguistas que se seguiram. A STI
legou, entretanto, o modelo e as soluções adequadas, não só para a
produção descentralizada de álcool - combinada com a pecuária e a
agricultura - mas ainda as bases para o aproveitamento das magníficas
plantas oleaginosas do País, como dendê, macaúba e pinhão manso.
12. Tudo isso é, até hoje, boicotado e
inviabilizado pela ANP, Petrobrás, MME e demais instituições oficiais, de há
muito teleguiadas pelos interesses do cartel mundial do petróleo.
13. Bautista Vidal não obteve êxito em sua proposta
de criar a Empresa Brasileira de Agroenergia, ideia que defendeu em
encontros com Lula e colaboradores do governo deste. A Petrobrás Biocombustíveis,
que resultou desses esforços, não realiza coisa alguma do recomendado desde os
anos 70 pela antiga STI.
14. Nos anos 80 e grande parte dos anos 90,
Bautista Vidal disseminou seus conhecimentos e experiências como Professor na
Universidade de Brasília, no Departamento de Tecnologia e coordenador de
importantes debates no Núcleo de Estudos Estratégicos. Aí palestrou e
convidou palestrantes dos mais destacados de todas as áreas de grande interesse
para o País.
15. Suas intervenções - junto com as do grupo
multidisciplinar que, durante muitos anos, participou desses debates
- produziram um acervo de contribuições que teriam servido de base
para o planejamento estratégico de qualquer país dotado de governos
interessados no desenvolvimento nacional.
16. Entre os valiosos ensinamentos que Vidal
transmitia, mencionarei só um, que costumo reiterar em meus artigos, tal é a
falta de entendimento, para a grande maioria das pessoas, deste fundamental
conceito: a empresa produtiva, concorrendo no mercado, é o único lugar em que é
possível desenvolver tecnologia.
17. Consequentemente: 1) um país cuja indústria
estiver em mãos de empresas transnacionais estrangeiras jamais desenvolverá
tecnologia. 2) Se a quiser desenvolver, terá que adotar reserva de
mercado. 3) De pouquíssimo servem os institutos e centros de pesquisa, se
empresas nacionais (de capital nacional) não operarem no mercado com condições
de se manterem e desenvolverem.
18. É de destacar, ainda, a ação exemplar do
professor Bautista Vidal como militante na defesa do patrimônio nacional
saqueado com as privatizações determinadas pelas potências hegemônicas e
impostas pelos governos lacaios de Collor e FHC. Com elas a União Federal
gastou centenas de bilhões de reais (nada recebendo em valor líquido) para
entregar patrimônios públicos de valor imensurável, avaliados, em visão de
curto prazo, em dezenas de trilhões de dólares.
19. Recordou-me uma das admiradoras do Professor
tê-lo visto, em pé, a bordo de um caminhão, com outras figuras ilustres, como o
General Antônio Carlos Andrada Serpa, manifestando contra a criminosa
doação (privatização) da Cia. Vale do Rio Doce.
20. Lembra, a propósito, o jornalista Beto Almeida,
ter o Professor ingressado com representação na Procuradoria da Justiça Militar
contra o ex-presidente FHC, acusando-o, fundamentadamente, de alienar o
subsolo, território nacional, o que constitui crime dos mais graves entre
os cominados pelo Código Penal Militar.
Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
abenayon.df@gmail.com
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