terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Adriano Benayon


Estado: Argentina e Brasil

01. A Argentina, sob Nestor Kirchner e, agora, Cristina Fernández, renacionaliza empresas de setores estratégicos: petróleo e gás, água e esgotos, transportes aéreos, correios.

02. Refunda-se o Estado, praticamente liquidado após várias rodadas de devastação ao longo de 50 anos. A mais brutal delas foi com Menem, 1989/1999.

03. Para mudar de curso, foi preciso o povo sair às ruas, em dezembro de 2001, exigindo a queda de De la Rua e do ministro Cavallo. Este comandava a economia desde Menem, e, em 1991, introduzira o Plano Austral, com conversibilidade e paridade (1 peso = 1 dólar), precursor do Plano Real (1994).

04.  Com o Austral, a dívida  pública causada pelo modelo dependente crescera ainda mais, com grande parte em moratória desde 2001. Ao  assumir Kirchner, em 2003, ela equivalia a 140% do PIB e a 428% das exportações de bens e serviços (no Brasil 79% e 284%).

05. Diferentemente do Brasil,  a Argentina  negociou com soberania e  obteve, em março de 2005, descontos médios de 70% do valor nominal dos títulos.  A dívida externa total foi reduzida de US$ 192 bilhões para US$ 126 bilhões.

06. O Brasil, até hoje, não realizou  sequer a auditoria da dívida, inflada por fraudes e pela capitalização de  taxas de juros, tarifas e comissões descabidas, inclusive nas rolagens e “reestruturações.” Seu serviço prossegue fazendo gastar quase 50% do orçamento federal.

07. Na Argentina, a partir de 2003,  deu-se notável reversão da queda livre  do PIB, havida de 1998 a 2002,  do índice 100 para 77.   Em 2012,  recuperou-se para 151, e,  computando a base 2002 = 100, subiu a 206 (mais que dobrou).  O do Brasil chegou a só 142.

08. A economia argentina ainda está grandemente desnacionalizada, mas menos que a do Brasil, e  as transnacionais têm menos privilégios, subsídios e isenções que aqui. Além disso, as pequenas e médias empresas argentinas têm peso razoável.

09. Assim,  os déficits nas transações correntes são inexpressivos. No Brasil, ao contrário, vêm-se avolumando.  De 2008 a 2012, somaram US$ 204,1 bilhões, sendo US$ 54,2 bilhões em 2012.

10. Esses déficits fazem acelerar ainda mais a desnacionalização e o endividamentocom risco de as contas externas desencadearem grave crise.  Assinala Carlos Lopes (HP 24.01.2013) que, de 2004 a 2011, foram desnacionalizadas 1.296 empresas brasileiras, e as remessas oficiais de lucros ao exterior montaram a US$ 405 bilhões.  Ora, as remessas disfarçadas em outras contas são um múltiplo disso.

11. A restauração do Estado na Argentina faz-se acompanhar de excelentes resultados. Ademais, como escreveu o jornalista Beto Almeida, o presidenteKirchner, enfrentou o oligopólio da mídia, fortaleceu e expandiu a TV Pública Argentina, firmando as bases para aprovar-se a Lei de Meios de Comunicação  no governo de Cristina Kirchner.

12. Criou, ademais, um canal cultural de alto nível, eliminou a reserva de mercado de emissoras privadas sobre o futebol, agora também transmitido por canais públicos. Determinou a divisão do espaço eletromagnético nos  segmentos  estatal,  privado e  público, no qual a CGT e a Universidade Nacional, por exemplo, podem ter seus canais. Foi, ainda, instituído operador nacional de TV a cabo e outro, estatal, para  TV digital”.

13. Os carteis da mídia recorrem a quaisquer meios  para combater governos que defendam o interesse nacional. Por isso, a grande mídia argentina é monolítica em sua hostilidade aos Kirchner.

14. No Brasil a ojeriza ao governo é matizada, porque: 1º embora não tão querido pelos carteis como a oposição, ele segue o esquema econômico  das  transnacionais; 2º porque financia “generosamente” os carteis com verbas públicas.

15. O governo argentino, alvo de serviços secretos estrangeiros para desestabilizá-lo, promovendo e financiando greves e incidentes, necessita, pois, elevar sempre  o grau de fidelidade e a qualidade de seus quadros de inteligência e segurança.

16. No Brasil, há que reverter o processo intensificado sob FHC, de eliminar estatais e perverter o serviço público, pois: 1) criaram-se agências “independentes” – mas  não dos carteis mundiais -  “responsáveis” por serviços públicos privatizados; 2) transformaram a administração em mera repassadora de verbas e outorgadora de concessões; 3) os investimentos são tolhidos pela  fiscalização legalista (sob leis inadequadas) e até ideológica dos Ministérios Públicos e Tribunais de Contas, IBAMA, FUNAI etc.

17. Em suma, um serviço  público, que: 1) se preocupa antes em não se comprometer que em realizar  e, cada vez menos, presta serviços sequer de educação e de saúde; 2) fica   indiferente ao desperdício e à corrupção, se combatê-los prejudicar a carreira.

18. Enquanto isso, o governo: 1)  subsidia banqueiros, concentradores e transnacionais; 2) dá-lhes tratamento fiscal favorecido; 3) financia-os através do BNDES e outros bancos públicos; 4) entra nas PPPs com o grosso do capital e garante o risco dos sócios privados; 5) não consegue aplicar no PAC o grosso das verbas alocadas e as investe mal, através das empreiteiras e outros concessionários. O pouco investido na infra-estrutura é mal escolhido e custa caro.

19. Se a sociedade não tem o Estado a seu serviço, é fatal que ela sucumba. Por isso, os que querem a ruína de um País, desorganizam, desmoralizam e liquidam o Estado. Collor e FHC radicalizaram essa tendência, e os sucessores não  sabem ou não querem revertê-la.

Ideologia e Estado

20. Uma das características dos sistemas de dominação é fazer das ideias que favorecem seus interesses a opinião prevalecente. Nesse contexto, é importante a conexão entre a destruição dos valores éticos da civilização e o marketing do encolhimento do Estado e de sua colocação a serviço de interesses privados concentradores.

21. Os propugnadores do Estado-mínimo argumentam deste modo: como  as pessoas se orientam pelo hedonismo e são desonestas,  quem estiver em posição de se locupletar na função pública, o fará, e, portanto, o Estado deve ser descartado. Por isso, o império trabalha para que assim seja.

22. Não por acaso, fomenta-se a falta de caráter, elimina-se a decência, a dignidade e o respeito aos seres humanos, através de:  relativização dos valores;  implantação da antimúsica com ruídos desestabilizadores do equilíbrio orgânico e psíquico; difusão das drogas.

23. Isso e o consumismo são reforçados pelas técnicas de publicidade, inclusive o merchandising na indústria do entretenimento (rádio, cinema,  TV, videogames, I-Pads etc).

24. O objetivo é que ninguém lute, no Estado ou fora dele, pelo bem comum. Vantagens atraem gente para servir os concentradores, e os meios de apassivar as pessoas são os acima resumidos, planejados em institutos de psicologia aplicada.

25.  Criam-se, aos milhões, alienados de todo tipo, incapazes de absorver informação,  e  a grande mídia encarrega-se de ocultar dos demais tudo que contenha verdade sobre questões econômicas e políticas.

26. Os pensadores orgânicos difundem teorias como a do Estado mínimo, contaminadas por contradições insanáveis, raro desmascaradas, por falta de espaço na mídia e nas universidades.

27. Segundo Adam Smith, a busca da utilidade egoísta pelos indivíduos ou empresas só funciona em favor do bem-comum, se não tiverem poder sobre o mercado. Claro, pois, na lógica do sistema, que os dirigentes dos  poderosos carteis usam a “liberdade” para aumentar a concentração e a tirania.

28. A experiência dos países que prosperaram, comprova que o desenvolvimento se deveu a estadistas e a funcionários capazes e honestos. Inviabilizar esse tipo de gente entre nós é condenar o País à exploração irreversível por parte dos impérios.

29. Formaram-se aqui bons quadros e carreiras  no serviço público, restando ainda técnicos e funcionários competentes, hoje, na maioria, desaproveitados, por causa da corrosão do Estado.

Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de Globalização versus Desenvolvimento”.


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