Estado: Argentina e Brasil
02. Refunda-se o Estado, praticamente liquidado
após várias rodadas de devastação ao longo de 50 anos. A mais brutal delas foi
com Menem, 1989/1999.
03. Para mudar de curso, foi preciso o povo sair às
ruas, em dezembro de 2001, exigindo a queda de De la Rua e do ministro Cavallo.
Este comandava a economia desde Menem, e, em 1991, introduzira o Plano Austral,
com conversibilidade e paridade (1 peso = 1 dólar), precursor do Plano
Real (1994).
04. Com o Austral, a dívida pública
causada pelo modelo dependente crescera ainda mais, com grande parte em
moratória desde 2001. Ao assumir Kirchner, em 2003, ela equivalia a
140% do PIB e a 428% das exportações de bens e serviços (no Brasil 79% e 284%).
05. Diferentemente do Brasil, a
Argentina negociou com soberania e obteve, em março de 2005,
descontos médios de 70% do valor nominal dos títulos. A dívida
externa total foi reduzida de US$ 192 bilhões para US$ 126 bilhões.
06. O Brasil, até hoje, não realizou sequer a
auditoria da dívida, inflada por fraudes e pela capitalização de taxas de
juros, tarifas e comissões descabidas, inclusive nas rolagens e
“reestruturações.” Seu serviço prossegue fazendo gastar quase 50% do orçamento
federal.
07. Na Argentina, a partir de 2003, deu-se
notável reversão da queda livre do PIB, havida de 1998 a 2002, do índice
100 para 77. Em 2012, recuperou-se para 151, e,
computando a base 2002 = 100, subiu a 206 (mais que dobrou). O do
Brasil chegou a só 142.
09. Assim, os déficits nas transações
correntes são inexpressivos. No Brasil, ao contrário, vêm-se
avolumando. De 2008 a
2012, somaram US$ 204,1 bilhões, sendo US$ 54,2 bilhões em 2012.
10. Esses déficits fazem
acelerar ainda mais a desnacionalização e o endividamento, com
risco de as contas externas desencadearem grave crise. Assinala
Carlos Lopes (HP 24.01.2013) que, de 2004 a 2011, foram desnacionalizadas 1.296
empresas brasileiras, e as remessas oficiais de lucros ao exterior montaram a
US$ 405 bilhões. Ora, as remessas disfarçadas em outras contas são um
múltiplo disso.
12. Criou, ademais, um canal cultural de alto
nível, eliminou a reserva de mercado de emissoras privadas sobre o futebol,
agora também transmitido por canais públicos. Determinou a divisão do espaço
eletromagnético nos segmentos estatal, privado e
público, no qual a CGT e a Universidade Nacional, por exemplo, podem ter seus
canais. Foi, ainda, instituído operador nacional de TV a cabo e outro, estatal,
para TV digital”.
13. Os carteis da mídia recorrem a quaisquer
meios para combater governos que defendam o interesse nacional. Por isso,
a grande mídia argentina é monolítica em sua hostilidade aos Kirchner.
14. No Brasil a ojeriza ao governo é matizada,
porque: 1º embora não tão querido pelos carteis como a oposição, ele segue o
esquema econômico das transnacionais; 2º porque financia
“generosamente” os carteis com verbas públicas.
15. O governo argentino, alvo de serviços secretos
estrangeiros para desestabilizá-lo, promovendo e financiando greves e
incidentes, necessita, pois, elevar sempre o grau de fidelidade e a
qualidade de seus quadros de inteligência e segurança.
16. No Brasil, há que reverter o processo
intensificado sob FHC, de eliminar estatais e perverter o serviço público,
pois: 1) criaram-se agências “independentes” – mas não dos carteis
mundiais - “responsáveis” por serviços públicos privatizados; 2)
transformaram a administração em mera repassadora de verbas e outorgadora de
concessões; 3) os investimentos são tolhidos pela fiscalização legalista
(sob leis inadequadas) e até ideológica dos Ministérios Públicos e Tribunais de
Contas, IBAMA, FUNAI etc.
17. Em suma, um serviço público, que: 1) se
preocupa antes em não se comprometer que em realizar e, cada vez menos,
presta serviços sequer de educação e de saúde; 2) fica indiferente
ao desperdício e à corrupção, se combatê-los prejudicar a carreira.
18. Enquanto isso, o governo: 1) subsidia
banqueiros, concentradores e transnacionais; 2) dá-lhes tratamento fiscal
favorecido; 3) financia-os através do BNDES e outros bancos públicos; 4) entra
nas PPPs com o grosso do capital e garante o risco dos sócios privados; 5) não
consegue aplicar no PAC o grosso das verbas alocadas e as investe mal, através
das empreiteiras e outros concessionários. O pouco investido na infra-estrutura
é mal escolhido e custa caro.
19. Se a sociedade não tem o Estado a seu serviço,
é fatal que ela sucumba. Por isso, os que querem a ruína de um País,
desorganizam, desmoralizam e liquidam o Estado. Collor e FHC radicalizaram essa
tendência, e os sucessores não sabem ou não querem revertê-la.
Ideologia e Estado
20. Uma das características dos sistemas de
dominação é fazer das ideias que favorecem seus interesses a opinião
prevalecente. Nesse contexto, é importante a conexão entre a destruição dos
valores éticos da civilização e o marketing do encolhimento do Estado e de sua
colocação a serviço de interesses privados concentradores.
21. Os propugnadores do Estado-mínimo argumentam
deste modo: como as pessoas se orientam pelo hedonismo e são
desonestas, quem estiver em posição de se locupletar na função pública, o
fará, e, portanto, o Estado deve ser descartado. Por isso, o império trabalha
para que assim seja.
22. Não por acaso, fomenta-se a falta de caráter,
elimina-se a decência, a dignidade e o respeito aos seres humanos, através
de: relativização dos valores; implantação da antimúsica com ruídos
desestabilizadores do equilíbrio orgânico e psíquico; difusão das drogas.
23. Isso e o consumismo são reforçados pelas
técnicas de publicidade, inclusive o merchandising na indústria do
entretenimento (rádio, cinema, TV, videogames, I-Pads etc).
24. O objetivo é que ninguém lute, no Estado ou
fora dele, pelo bem comum. Vantagens atraem gente para servir os
concentradores, e os meios de apassivar as pessoas são os acima resumidos,
planejados em institutos de psicologia aplicada.
25. Criam-se, aos milhões, alienados de todo
tipo, incapazes de absorver informação, e a grande mídia
encarrega-se de ocultar dos demais tudo que contenha verdade sobre questões
econômicas e políticas.
26. Os pensadores orgânicos difundem teorias como a
do Estado mínimo, contaminadas por contradições insanáveis, raro desmascaradas,
por falta de espaço na mídia e nas universidades.
27. Segundo Adam Smith, a busca da utilidade
egoísta pelos indivíduos ou empresas só funciona em favor do bem-comum, se não
tiverem poder sobre o mercado. Claro, pois, na lógica do sistema, que os
dirigentes dos poderosos carteis usam a “liberdade” para aumentar a
concentração e a tirania.
29. Formaram-se aqui bons quadros e carreiras
no serviço público, restando ainda técnicos e funcionários competentes, hoje,
na maioria, desaproveitados, por causa da corrosão do Estado.
Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus
Desenvolvimento”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário