Os limites da Pátria
É difícil saber se a Sra. Marina Silva é uma pessoa
ingênua e de boas intenções, ou se optou, conscientemente, por defender os
interesses das grandes potências que, sob o comando de Washington, exercem o
solerte condomínio econômico do mundo e pretendem o absoluto império político.
Há uma terceira hipótese que, com delicadeza, devemos descartar: desmesurada
ambição de poder, sem as condições concretas para obtê-lo e exercê-lo. Os
admiradores lembram sempre sua origem modesta, o que não quer dizer tudo, mas
não podem, com a mesma convicção, dizer que ela tenha mantido, ao longo da
carreira, o que os marxistas chamam “consciência de classe”. Suas alianças são
estranhas a esse sentimento. Ela se tornou uma figura homenageada pelos grandes
do mundo, mas, sobretudo, do eixo Washington-Londres. Se ela mantivesse a
consciência de classe, desconfiaria desses mimos. Para dizer a verdade, nem
mesmo seria necessária a consciência de classe: bastaria a consciência de
pátria. A Sra. Silva, como alguns outros brasileiros que se pretendem na
esquerda, é uma internacionalista. O meio ambiente, que querem preservar tais
verdes e assimilados, não é o do Brasil para os brasileiros, mas é o do Brasil
para o mundo. Quando a Família Real Inglesa e os círculos oficiais e
financeiros norte-americanos cercam a menina pobre dos seringais de homenagens,
usam de uma astúcia velha dos colonialistas, e fazem lembrar os franceses na
aliança com a Confederação dos Tamoios, e os holandeses em suas relações com
Calabar. Os tempos mudam, os interesses de conquista e domínio permanecem, com
sua própria dinâmica e solércia. Os limites intransponíveis da razão política
são os da pátria. Todos os devaneios são admissíveis, menos os que comprometam
a soberania nacional. Não são apenas os estrangeiros que adoçam os sonhos da
defensora da natureza. São também brasileiros ricos e conservadores que, é
claro, procuram dividir a cidadania, para que fiéis servidores políticos
mantenham sua posição no Parlamento e nos outros poderes. Há informações de que
grande acionista de banco poderoso se encarregou das despesas do espetáculo de
lançamento do partido de dona Marina, que não quer ser chamado de partido. E
não se esqueça de que quem sempre a financiou é um industrial enriquecido com a
biodiversidade amazônica. Não há coincidências em política. Os mentores da Sra.
Silva querem que seu movimento, como ela anunciou, não seja de direita, nem de
esquerda, e muito menos de centro – que é o equilíbrio pragmático entre as duas
pontas do espectro. É interessante a ilogicidade da proposta. Como é possível
dissociar a ideologia da política e, ainda mais, a ideologia do viver
cotidiano? Esquerda e Direita existem na vida dos homens desde as primeiras
tribos nômades, e são facilmente identificáveis na postura solidária de alguns
e no egoísmo de outros. Sempre que pensamos em igualdade, somos, menos ou mais,
de esquerda; sempre que pensamos na superioridade, de qualquer natureza, de uns
sobre os outros, estamos na direita. Mais ainda: idéia é a imagem que
construímos previamente na consciência, seja a de um objeto, seja a de uma
conduta social e política. Não é possível viver sem um lado. A doutrina da mal
chamada Rede (apropriação apressada e ingênua do mundo da internet, que é um
meio neutro) oferece essa aporia: é um partido sem partido, uma realidade sem
geometria, uma idéia sem idéia.
Mauro Santayana é um jornalista
autodidata brasileiro. Prêmio Esso de Reportagem de 1971. Trabalhou, no Brasil
e no exterior, para jornais e publicações como Diário de Minas, Binômio, Última
Hora, Manchete, Folha de S. Paulo, Correio Brasiliense, Gazeta Mercantil e
Jornal do Brasil, onde mantém uma coluna de comentários políticos.
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