domingo, 10 de fevereiro de 2013

As bases americanas na Alemanha e a base ouro


Por Antal E. Fekete [*]

A Alemanha não é nem independente nem soberana, apesar das pretensões habituais. Ela tem tropas americanas no seu solo por razões inexplicadas e inexplicáveis após a retirada de todas as tropas soviéticas há quase 25 anos atrás. Igualmente significativo é o facto de que a fatia do leão da reserva ouro alemã esteja sob a custódia americana. Se o Bundesbank pediu a repatriação de uma parte simbólica daquele ouro durante um longo período de tempo, podemos considerar como garantido que isto foi feito sob instruções americanas. Mas por que os americanos pediriam ao Bundesbank para requerer o retorno de uma parte do ouro alemão armazenados na "segurança" dos porões do Federal Reserve Bank of New York na parte baixa de Manhattan? Certamente não porque os porões estejam cheios de ouro americano e eles tenham de arranjar espaço para mais. É tudo grande teatro. Há uma agenda oculta que tem de ser camuflada. O melhor meio de fazer isso é montar um show. O público fica fascinado por imagens com tramas de ouro de bancos centrais.  Uma razão, talvez a principal para este exercício, é que os administradores do sistema de moeda fiduciária (fiat money) global estão a preparar-se para a próxima confrontação decisiva, a cortina final sobre o que há alguns anos atrás chamei de The Last Contango in Washington. Por outras palavras, os decisores políticos estão a preparar-se para (ou a tentar defender-se da) a permanente escassez backwardation ) nos mercados futuros de ouro de todo o mundo que está a ameaçar rasgar em pedaços o actual e desgastado sistema de pagamentos mundial que repousa na fé (make-belief). A multa por atraso contango ) é a condição normal dos mercados futuros de outro quando o preço spot do ouro está com um desconto em relação ao preço de contratos futuros. O contango demonstra que está disponível muito ouro para satisfazer a procura actual. As pessoas estão confiantes em que promessas de entrega de ouro serão honradas. A condição oposta à situação de contango é chamada de escassez (backwardation) que se verifica quando os preços futuros perdem o seu prémio em relação ao preço spot e ficam menores. No mercado de ouro esta condição é altamente anómala porque, face a isto, permite aos comerciantes ganharem lucros sem risco. Eles vendem ouro spot com um prémio e compram-no de volta com um desconto para entrega futura. Contudo, lucros sem risco são efémeros uma vez que a própria acção de comerciantes os eliminará instantaneamente. O que isto sugere é que escassez permanente de ouro nunca poderia acontecer pela própria natureza do caso. Mas sem o conhecimento do público geral um perigo muito grande está a surgir, perigo semelhante a um que não ameaçava o mundo desde o colapso da parte ocidental do Império Romano há mais de 1500 anos atrás. Este perigo, se se materializar, marcaria o fim da nossa civilização e princípio de uma nova Idade Média (Dark Age).Estou a falar acerca da ameaça do súbito e completo colapso do comércio mundial. Isto seria anunciado pela escassez permanente de ouro, algo que alegadamente nunca poderia acontecer. Directamente nos seus calcanhares seguir-se-ia o colapso do sistema de pagamentos em dólar. O comércio por trocas (barter),naturalmente, começaria entre países vizinhos, mas o comércio mundial tal como o conhecemos desapareceria junto. O indicador pelo qual a viragem do contango para a escassez (backwardation) poderia ser medido é chamado a base ouro. É o prémio sobre o preço do ouro para entrega futura de acordo com o contrato que o acompanha relativo ao preço spot. Portanto a base ouro negativa é equivalente a escassez. Mal se passaram uns 40 anos de história de orientação pela base ouro, porque não havia comércio organizado de futuro de ouro antes de a América incumprir suas obrigações internacionais de ouro em 15 de Agosto de 1971. O comércio de futuros começou com uma base ouro robusta. O contango estava no seu pico. A base ouro não pode ser mais elevada do que o pleno encargo de armazenagem (carrying charge) (também conhecido como o custo de oportunidade de possuir ouro, cujo principal componente é o juro). Mas bastante cedo a base ouro começou a erodir-se e a erosão continuou até hoje. Isto foi um processo agourento e que foi ignorado por todos os políticos, economistas e jornalistas financeiros. O desvanecimento da base ouro é ainda mais curioso uma vez que tem estado a acontecer contra o pano de fundo de um avanço constante no preço do ouro. Os manuais de teoria económica ensinam que um avanço no preço sempre e em toda a parte chama novas oferta. Contudo, os manuais de teoria económica são impotentes quando se trata de ouro. Para o ouro, o verdadeiro é exactamente o oposto: um avanço no preço faz a ofertar contrair; e um avanço muito grande pode fazer a oferta desaparecer totalmente. A razão para este paradoxo é que o ouro é um metal monetário. Toda a difamação do ouro por economistas pagos por governo não alterará este facto. Nesta altura o declínio foi tão longe que a base ouro é praticamente zero, com ocasionais afundamentos em território negativo. A academia evita ostensivamente investigar a base ouro, pretendendo que ela tem tanta relação com a economia mundial quanto a base para carcaças de porcos congelados. O público é mantido na ignorância total. Mas só se pode ignorar a base ouro correndo perigo. Trata-se do único indicador disponível que mostra a deterioração progressiva do sistema de moeda fiduciária. Como é bem sabido, em toda a história nunca houve um experimento com êxito de moeda fiduciária. E nem foi por falta de tentativas. Todos estes experimentos ou foram abandonados quando governos esclarecidos decidiram retornar a divisa a uma base metálica, ou acabaram em fracasso absoluto provocando tremendo sofrimento económico para o povo quando a moeda fiduciária estava a perder rapidamente todo o seu poder de compra. A implacável contracção da base ouro significa que o ouro disponível para entrega futura está a desaparecer rapidamente. O ouro está constantemente a mover-se para mãos fortes que o agarram e não o abandonarão mesmo em face de altas de preços abruptas. Finalmente a oferta de ouro secará e a escassez esporádica dará lugar à escassez permanente. As minas de ouro recusam-se a receber papel-moeda pelo seu produto. Se quiser ter ouro, terá de recorrer ao barter. Escassez permanente significa que a confiança na divisa fiduciária em papel e nas promessas do governo de pagar evaporaram-se. Afinal de contas, considerando a sua origem, notas de banco irresgatáveis são nada mais do que promessas desonradas de pagar ouro. Uma vez estilhaçada a confiança, todos os cavalos do rei e todos os homens do rei não podem juntar Humpty Dumpty outra vez. A escassez permanente é como um buraco negro. Não há caminho para dele sair. Nem mesmo um raio de luz pode escapar das suas garras. Eis como os buracos negros ganharam sua fama. "Escassez permanente" não é um nome tão sugestivo como "buraco negro", mas mesmo assim pode devorar a economia mundial. A base ouro é afim à eficiência do dinheiro de suborno. A princípio o suborno é aceite sem se fazerem perguntas. Mas quando se torna uma característica regular do comércio de ouro, a sua efectividade é perdida. No fim o suborno é recusado quando se percebe que o objectivo é trapacear o proprietário e retirar-lhe a sua posse de ouro. Um sistema de comércio construído sobre o suborno é um castelo de cartas. Ele é desonesto. Depende do engano e de tramas falsas. Isto traz-me de volta à reserva ouro alemã. Como a escassez esporádica em ouro torna-se cada vez mais frequente, os cavalheiros responsáveis pelo andamento do sistema mundial de moeda fiduciária ficam alarmados. O único meio de pacificar o mercado é libertar cada vez mais ouro de bancos centrais. Ouro físico. A besta deve ser alimentadas. O ouro de papel não o fará (mas, naturalmente, estes cavalheiros continuarão a tentar inundar o mercado com ele). Libertar ouro americano directamente do Fed para os mercados de futuros está fora de causa. Isso confirmaria a suspeita, já desenfreada, de que o dólar é um colosso com pés de barro sustendo-se com água até os joelhos. Assim, deixem os estados clientes da América fazerem a libertação. Os alemães têm a reputação de favoráveis à divisa forte. Eles estão relutantes em aderir à "corrida para a base" das divisas. A Alemanha é a escolha natural para alimentar mercados futuros de ouro num esforço para proteger o dólar contra o último assalto que está a perfilar-se. Durante muito tempo a América tem estado a torcer o braço de outros países, incluindo o Reino Unido e a Suíça, fazendo-os vender centenas de toneladas de ouro do banco central, ao passo que a América não estava a vender nem uma onça. "Faça como eu digo, não como eu faço!" Durante todo este tempo a Alemanha tão pouco estava a vender. Era mantida a aparência de que esta decisão foi tomada na Alemanha. Não foi; ela tem, ao invés, a marca "made in USA". O ouro alemão é a última defesa do dólar. Por esta altura praticamente todos os bancos centrais ignoram o canto de sereia da América. De vendedores eles se tornaram compradores de ouro. De acordo com o plano mestre americano a Alemanha é a última fortaleza [a impedir] a desintegração do sistema global de moeda fiduciária. A Alemanha não falhará: é para isso que se mantêm tropas americanas no solo alemão. A Alemanha cumprirá obedientemente a tarefa de alimentar com ouro os mercados de futuros num esforço para defender-se da escassez permanente. A repatriação de uma parte a reserva de ouro alemã é um balão de ensaio. Se os mercados ficarem com medo e verificar-se pânico de vendas antes de o Bundesbank começar a vender, então muito melhor. Mas se a trama falsa fracassar e a marcha do mercado mundial de ouro rumo ao entesouramento privado continuar constante, então deixem o Bundesbank, não o Fed, sangrar ouro. O ouro da América deve ser poupado apesar de todos os riscos. 

Sobre tais truques e enganos está fundamentado o sistema monetário internacional. 

Qual é, portanto, a solução? Como pode ser impedida a morte súbita do comércio mundial? Felizmente, ainda há políticos erectos. Godfrey Bloom do Parlamento Europeu, deputado pelos círculos de Yorkshire e North Lincolnshire no Reino Unido, sugere que a Alemanha deveria repatriar TODO o seu ouro e reinstaurar um marco alemão ouro. 

A causa subjacente da crise financeira mundial é dívida desenfreada. O ouro é o único extintor final de vida. A partir da sua expulsão do sistema monetário internacional a dívida total no mundo só pode crescer, nunca contrair. Para travar o crescimento canceroso da dívida o ouro deve ser reinstaurado na sua antiga posição como o guardião da qualidade de dívida. 

Se, em desafio dos desejos americanos, a Alemanha tomar a iniciativa de criar um marco ouro e abrir a Cunhagem Alemã ao ouro em que todos os que se apresentarem possam converter seus lingotes de ouro em moeda de ouro, o curso da história mundial será mudado. Seria o mais admirável momento da Alemanha. A civilização terá sido salva e o arranque da nova Idade Média impedido. O marco-ouro poderia circular lado a lado com o euro e dólar irresgatáveis. Deixem as pessoas decidirem se querem ser pagas em divisas fiduciárias tendentes à crise ou, talvez, se preferem a estabilidade da moeda de ouro respeitada pela sua antiguidade. Não há dúvida do que seria a escolha das pessoas. 

A iniciativa alemã porá em funcionamento uma reacção em cadeia de actos virtuosos semelhantes por parte dos principais bancos centrais do mundo, a fim de impedir a depreciação fatal das suas divisas contra o marco-ouro. Este tornar-se-á a divisa mais cobiçada do mundo para comércio internacional. O sistema financeiro será salvo do suplício das desvalorizações competitivas de divisas e do efeito corrosivo de défices governamentais sempre em expansão. Governos serão forçados a enfrentar a realidade e viver responsavelmente dentro dos seus meios como toda a gente. Agricultores já não serão pagos para não cultivar a terra e trabalhadores fisicamente aptos para não trabalhar. O desemprego juvenil, em particular, será coisa do passado.

Há um precedente. Em 1948 a Alemanha desafiou a força ocupante quando criou o Deutsche Mark sem se aborrecer a pedir permissão em Washington. 

Mas não será o padrão tendente à deflação? Na década de 1930 o padrão ouro internacional entrou em colapso por causa disto mesmo, não foi?

Como disse o pai do Deutsche Mark, Wilhelm Röpke (1899-1966): não foi o padrão ouro que fracassou, mas aqueles a cujos cuidados estava confiado. 
28/Janeiro/2013

Ver também: 

  Histeria no mercado de ouro , Michel Chossudovsky
  O ouro e o "fim do mundo" , Valentin Katasonov

[*] Nasceu em Budapeste, Hungria, em 1932. Matemático e cientista monetário. Em 1958 foi nomeado professor assistente de Matemática e Estatística na Memorial University de Newfoundland, Canadá e em 1993 reformou-se como Professor Titular. Em 1974 fez uma palestra sobre ouro no seminário de Paul Volcker na Universidade de Princeton. Posteriormente, foi investigador visitante (Visiting Fellow) no American Institute for Economic Research e editor sénior da American Economic Foundation. Em 1996 o seu ensaio, Para que o ouro? (Whither Gold?), que se encontra emhttp://www.fame.org/htm/Fekete_Anatal_Whither_Gold_AF-001-B.HTM , ganhou o primeiro prémio no concurso internacional sobre divisas patrocinado pelo Bank Lips, da Suíça. Durante muitos anos foi perito em vendas e hedging de barras de ouro de bancos centrais, e os seus efeitos sobre o preço do ouro e da própria indústria da sua mineração. Dedica-se agora a escrever e fazer palestras sobre reforma fiscal e monetária, com ênfase especial no papel do ouro e da prata no sistema monetário.
No sítio web do jornalista Lars Schall consta também esta entrevista do prof. Fekete: " Gold: Permanent Backwardation Ahead! " 

O original encontra-se em www.larsschall.com/2013/01/28/american-bases-in-germany-and-the-gold-basis/

Este ensaio, traduzido com português de Portugal, encontra-se em http://resistir.info/.

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