Intenção do
procurador-geral para momento de apresentar denúncia contra Calheiros é
insondável em um inquérito de tipo corriqueiro
Pela segunda vez em meio ano, parte
significativa do Congresso pode acusar interferência do Judiciário. A anterior
foi atribuída ao Supremo Tribunal Federal, ao marcar o julgamento do mensalão
coincidindo com a campanha eleitoral. Agora é do Ministério Público, também
vista como desrespeito à independência dos Poderes. No caso atual, a acusação
refere-se à denúncia criminal feita ao Supremo pelo procurador-geral da
República, Roberto Gurgel, contra o senador Renan Calheiros. A reação não foi
causada pela denúncia em si, já esperada, mas por ser feita menos de uma semana
antes da eleição em que o denunciado era candidato favorito à presidência do
Senado. A intenção de Roberto Gurgel é insondável. Mas a hipótese adotada a
respeito pelos políticos, de que tentava demolir o favoritismo de Calheiros,
não é implausível. Roberto Gurgel teve dois anos e meio para apresentar a
denúncia. Quem deixou passar tanto tempo poderia muito bem esperar uma semana
mais. A explicação dada por Gurgel para a esquisita demora da denúncia não
precisa de hipóteses: nos dois anos e meio, disse ele, esteve muito ocupado com
o mensalão. A assessoria do procurador-geral e os quadros da Procuradoria da
República ficam mal na explicação, sem no entanto merecerem esse descaso. E,
além disso, o inquérito de Calheiros nada tem de especial ou nebuloso, é de
tipo corriqueiro nos Ministérios Públicos -notas fiscais falsas, para disfarçar
recebimentos inconfessáveis de dinheiro, mais falsidade ideológica e peculato. No
mínimo, Roberto Gurgel pôs em prática, outra vez, uma falta de sensibilidade
que não perde ocasião de se manifestar, mesmo que seja apenas uma entrevista
momentânea. Os ânimos entre Congresso, Supremo e Procuradoria-Geral da
República já eram bastante ruins. Quase todos os discursos na sessão que elegeu
Renan Calheiros para a presidência do Senado, na sexta-feira, lançaram
indiretas fortes, contra as interferências de que os congressistas se queixam
há anos. Gurgel agravou o que já era ruim. E assim surgiram dois riscos. Um vem
da representação existente no Senado contra Roberto Gurgel. Estava adormecida,
mas pode ser despertada, e não foi outra coisa que Fernando Collor indicou em
discurso, aliás, considerado seu objetivo, bem-feito. Não convém esquecer que,
assim como é necessária a aprovação dos senadores para a nomeação do
procurador-geral, também lhes cabe o poder de destituí-lo. O outro risco é a
possível incidência do mal-estar na decisão sobre sobre o direito, ou não, dos
procuradores e promotores de realizar investigações. De um lado, a pressão das
polícias obtém adesões contra o reconhecimento do direito. De outro, exemplos
externos juntam-se a situações internas no apoio aos procuradores e promotores.
Caso, entre vários, das três procuradoras da República em São Paulo que
desvendaram a corrupção na obra do novo Tribunal Regional do Trabalho paulista.
As três mosqueteiras conseguiram até a destituição e prisão do juiz Nicolau dos
Santos Neto, o Lalau, um resultado raro para membros do Judiciário. Vários
casos, entre eles o do próprio Calheiros e os recursos do mensalão, vão
confrontar Judiciário e Ministério Público com segmentos expressivos do
Congresso. Cada um justifica, desde logo, um sinal amarelo no ambiente
cinzento.
Seletiva
O Supremo e os tribunais superiores
são lugares de grandes confortos, para não falar dos luxos. Mas nem as cadeiras
especialíssimas que se sucediam foram a capazes de atenuar o intenso
senta-levanta do ministro Joaquim Barbosa durante o julgamento do mensalão.
Parece que a cadeira de presidente fez algum bem até às suas costas ou ancas,
porque deixou de ser preciso trocá-la a cada vez que o ministro, a intervalos
bem maiores, ficou de pé. Mas a administração do STF deveria estudar outras
cadeiras. Longe do tribunal, não o vemos pela TV, mas podemos saber que o
ministro pode ficar nas cadeiras de cinema e outras sem precisar levantar-se.
Jânio de Freitas é jornalista, colunista do jornal Folha de S. Paulo
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