Nessa semana, por contingência acadêmica, vi-me relendo duas obras de George Orwell. O escritor inglês é um dos preferidos da direita contemporânea. Ela o usa para combater idéias sobre formas de organização social pretensamente mais justas. Para tanto, cita obras daquele escritor tais como "1984" ou "A Revolução dos Bichos", aliás as duas que eu estava lendo.
Usando essas obras sombrias sobre realidades alternativas - e que emulariam regimes socialistas -, o pensamento conservador tenta preservar uma ideologia, uma visão de mundo e de organização social. A direita quer ver esse "valor" intocado porque ela própria é resultado dele, que se baseia no domínio econômico de muitos homens por pouquíssimos através do uso da força bruta, comandada por uma elite que paira acima do Estado e das Leis, tendo poder para ditar às sociedades o que, quando e como fazer.
George Orwell era, na verdade, Eric Arhur Blair. Ele nasceu na índia inglesa em 25 de junho de 1903 - sendo, portanto, cidadão britânico - e morreu de tuberculose e na miséria em 21 de Janeiro de 1950. Ao fim da Segunda Guerra Mundial escreveu "A Revolução dos Bichos", um romance em forma de fábula que, dizem, seria uma crítica à Rússia stalinista. Seria um relato de anomalias que decorreriam do fim das classes sociais pregado pelo socialismo e que gerariam uma classe acima das outras, detentora e coabitante da gestão do Estado e beneficiária da prevalência do público sobre o privado, que é a idéia-força do socialismo.
Poucos anos depois de "A Revolução dos Bichos", Orwell (ou Blair) publicaria "1984" (1948, ano da publicação, com a dezena do número invertida), outra obra que aborda as questões da "Revolução", porém de forma menos sutil, pois agora retrata uma ditadura real, humana, que se baseia no controle da informação para sustentar um regime de força aparentemente "comunizado", em que alguns (os detentores do poder do Estado) seriam "mais iguais" do que a maioria.
Obra máxima de Orwell, "1984" narra a luta de Winston Smith, membro do partido único - ponto em que a direita se esbalda – e funcionário do "Ministério da Verdade", para manter sua individualidade num regime que massacrava a autonomia de pensamento e impunha um padrão de comportamento rigoroso, moralista ao extremo. Sua função (de Smith) é reescrever e alterar notícias e fatos de acordo com as necessidades, idéias e interesses do IngSoc, partido do Grande Irmão (Big Brother).
O pensamento conservador vê (ou diz que vê) na "comunização" da sociedade retratada por "1984" semelhanças com regimes socialistas autoritários como o soviético, o chinês ou o cubano, sendo este o mais importante, atualmente, por sua contemporaneidade e persistência em resistir ao maior poder da Terra, o império americano. Contudo, "1984", a meu ver, constitui um alerta mais do que ideológico ou político. Ao mostrar como a informação pode ser manipulada e usada para "estabilizar" e "direcionar" os ânimos das sociedades, a obra máxima de Orwell constitui um alerta desesperado contra o poder da mídia.
O patrulhamento espontâneo de cidadãos sobre cidadãos que "1984" relata decorre do convencimento da sociedade imaginária de Orwell, pela "mídia" do "Grande Irmão", de cada ato do Regime. Entendo, contudo, que o poder, as ideologias e, sobretudo, os homens são circunstanciais. O poder da informação, sim, é que é perene e pode ser usado por qualquer ideologia para fazer prevalecer seus desígnios. Assim, acredito piamente na intenção de Orwell de alertar a humanidade para o mau uso da informação.
Num momento em que este país presencia, atônito, a luta feroz de seus meios de comunicação para direcionarem a vontade política dos brasileiros, seus padrões de comportamento e manter estanques as classes sociais, "1984" torna-se assustadoramente atual e emblemático.
Renivaldo Costa é excelente jornalista, professor e sociólogo do Amapá
tgmafra@gmail.com
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