Açúcar no pré-sal
Alma brasileira nos últimos tempos tomou-se de justificado peito cheio após a descoberta do pré-sal. De repente acordamos com a decisão do Criador de ficarmos bilionários, o Brasil de riso aberto e cara diferente daquele "ame-o ou deixe-o". Barriga cheia de petróleo e olhos de Opep. O bom é ser um sonho-verdade. Vivi os vários tempos, a começar dos anos 50, em que o Brasil lidou com o petróleo como amigo e inimigo, ter e não ter. O mundo em 140 anos, consumiu mais de um trilhão de barris e as reservas mundiais descobertas indicam a existência de outro trilhão. O Brasil, antes do pré-sal, tinha petróleo apenas para 18 anos, e com ele pode chegar a cem e, se Deus guardou com cuidado, para muitos anos mais. Como toda riqueza, desperta ambição e briga. Luís Viana falava: "Ali está uma família unida"; e ele mesmo perguntava: "Já teve herança a dividir?". É o que estamos vivendo, numa luta de gladiadores, Estados, municípios, políticos com e sem voto, palpiteiros em busca de ribalta, mamulengos fingindo ódios e raivas pelo modo de repartir o bolo. Cada um quer seu pedaço e invoca argumentos, desde a formação redonda dos mares da Terra à necessidade de dar um litro de gasolina a cada brasileiro. A novidade é o modelo correto de adotar a partilha, e não a concessão, na exploração das novas reservas. Num, elas podem ser privadas e estrangeiras, noutro, são da Petrobras, como ícone do povo brasileiro. A verdade é que 80% do petróleo do mundo vem de poços em sistema de partilha, pois ninguém vai dividir com os de fora o que pode fazer com os seus. Se tudo correr bem, em breve vai aparecer a cor dessa grana. Julgo que quem já tem direito adquirido, recebendo royalties, como o Rio e o Espírito Santo, não pode perder seus ganhos. Seria um absurdo e nada constitucional. Mas, daqui para a frente, as riquezas que pertencem à nação não podem deixar de ser divididas entre todos e destinadas para transformar o Brasil, a começar por educação e tecnologia, socorrer Estados e municípios contra a pobreza. O Brasil tem uma oportunidade extraordinária, e não deve perdê-la em conversas de botequim. Celso Furtado escreveu um livro dizendo que a Venezuela, quando descobriu petróleo, podia se transformar num dos maiores países da América. Não souberam aproveitar a chance e deu no que está dando. A visão política de encarar o problema não está à altura do desafio. Este assunto deve caminhar para um novo patamar de discussão e solução. Um terreno de união nacional, sem oposição ou governo. É o presente e o futuro. Hora de estadistas, tempo de soluções grandiosas. Colocar açúcar no pré-sal.
Alma brasileira nos últimos tempos tomou-se de justificado peito cheio após a descoberta do pré-sal. De repente acordamos com a decisão do Criador de ficarmos bilionários, o Brasil de riso aberto e cara diferente daquele "ame-o ou deixe-o". Barriga cheia de petróleo e olhos de Opep. O bom é ser um sonho-verdade. Vivi os vários tempos, a começar dos anos 50, em que o Brasil lidou com o petróleo como amigo e inimigo, ter e não ter. O mundo em 140 anos, consumiu mais de um trilhão de barris e as reservas mundiais descobertas indicam a existência de outro trilhão. O Brasil, antes do pré-sal, tinha petróleo apenas para 18 anos, e com ele pode chegar a cem e, se Deus guardou com cuidado, para muitos anos mais. Como toda riqueza, desperta ambição e briga. Luís Viana falava: "Ali está uma família unida"; e ele mesmo perguntava: "Já teve herança a dividir?". É o que estamos vivendo, numa luta de gladiadores, Estados, municípios, políticos com e sem voto, palpiteiros em busca de ribalta, mamulengos fingindo ódios e raivas pelo modo de repartir o bolo. Cada um quer seu pedaço e invoca argumentos, desde a formação redonda dos mares da Terra à necessidade de dar um litro de gasolina a cada brasileiro. A novidade é o modelo correto de adotar a partilha, e não a concessão, na exploração das novas reservas. Num, elas podem ser privadas e estrangeiras, noutro, são da Petrobras, como ícone do povo brasileiro. A verdade é que 80% do petróleo do mundo vem de poços em sistema de partilha, pois ninguém vai dividir com os de fora o que pode fazer com os seus. Se tudo correr bem, em breve vai aparecer a cor dessa grana. Julgo que quem já tem direito adquirido, recebendo royalties, como o Rio e o Espírito Santo, não pode perder seus ganhos. Seria um absurdo e nada constitucional. Mas, daqui para a frente, as riquezas que pertencem à nação não podem deixar de ser divididas entre todos e destinadas para transformar o Brasil, a começar por educação e tecnologia, socorrer Estados e municípios contra a pobreza. O Brasil tem uma oportunidade extraordinária, e não deve perdê-la em conversas de botequim. Celso Furtado escreveu um livro dizendo que a Venezuela, quando descobriu petróleo, podia se transformar num dos maiores países da América. Não souberam aproveitar a chance e deu no que está dando. A visão política de encarar o problema não está à altura do desafio. Este assunto deve caminhar para um novo patamar de discussão e solução. Um terreno de união nacional, sem oposição ou governo. É o presente e o futuro. Hora de estadistas, tempo de soluções grandiosas. Colocar açúcar no pré-sal.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa
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