terça-feira, 1 de junho de 2010

Adriano Benayon

O BRASIL E O COLAPSO MUNDIAL
Publicado em A Nova Democracia nº 66, junho de 2010

A mídia amestrada, das grandes redes televisão e cadeias jornalísticas, não passa de eco ou porta-voz das ilusões com que a oligarquia financeira mundial e seus agentes no País anestesiam os brasileiros, enquanto intensificam a brutal pilhagem que nos suga secularmente.
2. Estas são as duas principais ilusões, ultimamente difundidas:

1) a “crise” financeira mundial está sob controle, e os EUA estão saindo da “recessão”;

2) o Brasil livrou-se da “crise” mundial, e o único problema aqui seria frear a procura por bens e serviços, pois o PIB estaria crescendo muito.

O colapso em âmbito mundial

1. Sobe o número de descrentes quanto à primeira ilusão, embora quase só se fale da Grécia, sob intervenção dos “credores”. Também, um pouco, da Espanha, por estar seu governo “socialista” cortando despesas, sacrificando empregos, salários e benefícios sociais, apesar de lá já haver a maior taxa de desemprego da Europa, acima de 20%.

2. Também a desvalorização do euro ilustra o estado periclitante das economias européias, fazendo notar que o colapso financeiro mundial está entrando em nova fase aguda. Por outro lado, o afundamento da moeda européia mascara a vulnerabilidade e a decadência do dólar e da libra esterlina, as moedas dos dois maiores centros financeiros do Mundo.

3. De fato, o afundamento do euro resultou, em grande parte, das avaliações negativas em relação a Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e Itália por parte das agências internacionais de risco de crédito, Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s, controladas pela oligarquia anglo-americana. Essas agências classificaram como bons os títulos impagáveis que causaram rombos de trilhões de dólares nos balanços dos grandes bancos, detonando o colapso em 2007 e 2008.

4. As dívidas daqueles cinco países totalizam US$ 2,6 trilhões com seus seis principais credores: França, US$ 911 bilhões; Alemanha, US$ 703 bilhões; Inglaterra, US$ 413 bilhões; Holanda, US$ 244 bilhões; EUA, US$ 186 bilhões; Japão, US$ 122 bilhões. E há mais 16 países credores.

5. Entretanto, os EUA e o Reino Unido, têm as maiores dívidas do mundo, e seus bancos centrais são recordistas em matéria de emitir moeda e adquirir títulos dos respectivos Tesouros. Não obstante, EUA e Grã-Bretanha não recebem notas baixas das agências de risco, nem o FMI é chamado para impor a eles “pacotes de reajuste econômico”.

6. A “tranqüilidade” em Nova York e Londres resulta da ocultação de bolhas infladas com o capital que o FED e o Banco da Inglaterra injetaram nos bancos e com o dinheiro obtido por estes vendendo ao governo, pelo valor de face, títulos tóxicos que não valem senão pequena fração desse montante.

7. Novamente, como em 2008, estão pendentes derivativos na casa das centenas de trilhões de dólares, sem liquidez ou mesmo solvabilidade, porquanto uma e outra faltam à maior parte dos créditos finais que deveriam lastrear esses derivativos.

8. Tudo isso faz que operadores mais avisados dos mercados financeiros busquem reserva de valor no ouro e em outros metais preciosos. O ouro valorizou-se 17,3% em relação ao euro, só nos últimos 30 dias, e mais de 70% desde o início de 2008. Em relação ao dólar foram 30% de um ano para cá e 86,5% nos últimos cinco anos.

9. A perda de valor das principais moedas de reserva mundiais seria ainda maior, se os manipuladores dos mercados mundiais, que controlam as principais bolsas, como a London Bullion Market Association, não vendessem certificados simulando a existência de ouro de que não dispõem.

10. O mal-escondido colapso financeiro aparece quase de corpo inteiro na Europa, e a menos exposta situação dos EUA e do Japão é, no mínimo, tão insustentável quanto a européia.

11. Em suma, o cenário realista aponta para profunda depressão econômica, uma vez que as recentes explosões da crise estão ocasionando novas quedas nas despesas de investimento produtivo e nos gastos sociais. Agrava-se, pois, o desemprego recorde em que já se encontram os países atingidos.

12. Esses países não são somente os que a indecente mídia anglo-americana chama PIIGS (Portugal, Italy, Ireland, Greece, Spain; PIG = porco), mas também as grandes potências e centros imperiais controladores dos mercados financeiros mundiais: EUA e Inglaterra.

13. Analistas competentes entendem que a depressão ficará por muitos anos, com maior deterioração dos direitos sociais, determinando convulsões, e ainda maiores quedas na produção, que já afundou muito nos últimos três anos. Com isso, declínio das receitas fiscais, fazendo crescer ainda mais os déficits públicos, levando a maior emissão de títulos públicos e monetização das dívidas. Depois, inflação e hiperinflação.

14. Isso significa a ruína completa dos trabalhadores, mesmo os mais qualificados, a dos pequenos empresários e até a dos de médio e grande porte que não fazem parte da oligarquia. De fato, além de perder seus meios de ganhar dinheiro, durante a depressão, verão suas economias pulverizar-se por completo ao manifestar-se a hiperinflação.

15. Moral da estória: Esses cenários de miséria e horror ocorrem em decorrência apenas da lógica do mercado, aquela mesma que foi endeusada pelo totalitarismo da globalização, dos anos 80 do Século XX até o despontar do colapso financeiro em 2007? Ou resultam de planejamento calculado por parte da oligarquia financeira mundial, com o objetivo de tornar absoluta a concentração de poder econômico e político que ela promoveu, durante todo aquele período, de forma intensa?

16. Como quer que seja, a humanidade está diante do maior desafio que já teve desde seu surgimento, pois, nunca antes, tantos mecanismos de destruição (econômicos, sociais, culturais, políticos, militares e nucleares) estiveram voltados contra ela.

Efeitos do colapso no Brasil

Estrutura econômica

17. Antes de tratar do que vem por aí, cabe ter presente a estrutura econômica implantada no Brasil desde 1954, caracterizada pela transnacionalização subordinada aos centros mundiais.

18. Dessa estrutura dependente e vulnerável advieram elevados déficits nas transações correntes com o exterior causados pelo superfaturamento de importações e pelo subfaturamento de exportações e por fraudes das transnacionais, fazendo transferências a título de “serviços” superfaturados e até fictícios.

19. Daí veio, de 1979 até o final dos anos 80, aguda crise de balanço de pagamentos. A dívida externa foi usada para aprofundar e ampliar a ocupação dos espaços e do poder pelo capital estrangeiro, inviabilizando o desenvolvimento econômico e social do país, assim transformado em zona de exploração de fabulosos recursos naturais e abundante força de trabalho.

20. Cessando os novos créditos internacionais em função da impossibilidade de fazer face a seu serviço, deu-se o crescimento exponencial da dívida interna, a partir de 1980.

21. A dívida externa resultara do financiamento de déficits externos criados em função de fraudes, além de empréstimos e financiamentos para programas de “desenvolvimento”, sob dependência tecnológica e financeira do exterior, em condições danosas ao País, com importação de pacotes fechados em favor das transnacionais ganhadores de concorrências arranjadas pelo Banco Mundial.

22. Ademais, foi ela enormemente incrementada por causa da decisão do FED (banco de reserva dos EUA), em 1979, elevando os juros em dólar, de taxas reais não maiores que 2%, para mais de 20% ao ano. Em 1982, isso redundou na inadimplência forçada. Depois, o “governo brasileiro” estatizou a dívida privada, elevando ainda mais a dívida pública externa. Essa medida foi mais uma ditada pelos bancos estrangeiros “credores”, para que estes ficassem seguros de cobrar os injustificados débitos do Brasil, independentemente de falências ou concordatas de devedores privados.

23. De capitulação em capitulação, o governo firmou, em 1983 e 1986, acordos de “reestruturação da dívida”, os quais a par de a tornarem cada vez menos administrável, ataram toda a política econômica aos ditames dos agiotas mundiais. Daí a míngua dos investimentos públicos e o declínio das taxas de crescimento da economia.


24. O privilegiamento ao serviço da dívida no Orçamento foi instituído por meio de fraude, tendo entrado na Constituição em 1988, sem jamais ter sido objeto de discussão durante a Assembléia Constituinte.

25. O resultado disso é que, de 1988 a 2009, a União federal despendeu, em valores atualizados de dezembro de 2009, a inimaginável quantia de R$ 5,7 trilhões, a título do “serviço da dívida”, i.e., juros, encargos e amortizações, sem contar a rolagem de dívidas.

26. A dívida interna cresce brutalmente porque o Banco Central fixa as taxas de juros mais altas do Mundo nos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, enquanto países com dívidas mais altas que a do Brasil pagam juros em taxas inferiores à da inflação.

27. Assim, sem que a dívida federal decorra de despesas com finalidade econômica ou social válida, como investimentos produtivos, de infra-estrutura ou sociais, seu serviço anual em 2009 ascendeu a R$ 380,00 bilhões, quantia mais de 10 vezes maior que o investimento total da União e igual a mais de cinco vezes os gastos com educação.

28. A dívida interna da União atingiu em fevereiro de 2010 o montante de R$ 2,6 trilhões, sendo R$ 2 trilhões em poder do “mercado” e R$ 600 bilhões em títulos no Banco Central.

29. Por outro lado, não existe a propalada extinção da dívida externa. A dívida externa bruta alcançou, em fevereiro de 2010, US$ 294,8 bilhões, equivalentes a R$ 533,9 bilhões.

O Brasil diante do colapso

30. Diz-se ser modesta a dívida externa líquida, de US$ 53,7 bilhões, em razão de haver US$ 241,1 bilhões nas reservas. Entretanto, há dano iminente para o País, pois o grosso das reservas é formado por capitais especulativos ingressados para cevar-se dos altíssimos juros. Os manipuladores financeiros estrangeiros (e alguns “nacionais”) tomam dólares emprestados no exterior a juros em torno de zero, e os convertem em reais em títulos públicos e créditos privados no Brasil. É o “carry-trade.”

31. Com isso, auferiram em 2009 juros reais de 13%, com a taxa SELIC, propiciada pelo Banco Central, e muito mais nos créditos privados. Ao retornar para o exterior, adicionaram os ganhos da apreciação do real. O dólar é uma moeda podre, emitida, às dezenas de trilhões, pelo FED, controlado por banqueiros privados, para socorrer bancos que deveriam ter falido em razão da derrocada dos derivativos.

32. O colapso mundial já está se aprofundando em nova crise. Com isso, o fluxo do carry-trade será na direção do exterior, e as reservas do Brasil serão pulverizadas. A manutenção delas é mais um delito contra o País, pois estão aplicadas a juros baixíssimos, enquanto o Brasil se endivida internamente às taxas de juros mais altas do Planeta.

33. Ademais, o Brasil deixou, desde a crise de 2007/2008, de ter saldos positivos nas transações correntes com o exterior. Pior: no 1º trimestre de 2010, teve déficit recorde, de mais de US$ 12 bilhões.

34. O que está dando equilíbrio precário ao balanço de pagamentos é o ingresso de capital especulativo estrangeiro, que deverá sair durante a nova etapa do colapso mundial. Com o recrudescimento da depressão, as exportações cairão mais, e a crise estará no Brasil, incluindo a retração da atividade econômica. Nada disso haveria, se outra fosse a estrutura econômica, em vez da existente, vinculada aos centros mundiais.

Adriano Benayon do Amaral é diplomata de carreira, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal, na Área de Economia, aprovado em 1º lugar em ambos concursos. Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.

benayon@terra.com.br

Saiba mais sobre esses assuntos. Leiam com bastante atenção algumas postagens que já fizemos neste blog a respeito. Vale a pena conferir:

Escravização: as cifras espantosas da dívida pública
Perdas com o serviço da dívida.
Brincando à beira do Abismo
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Os tentáculos da corrupção
Às vésperas do desenlace...
A origem do crime
Independência para sobreviver
Perdas com o serviço da Dívida
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