segunda-feira, 14 de julho de 2008

Adriano Benayon



Independência para sobreviver

Conquistar a independência nacional é requisito indispensável para sustar o saqueio exercido por grupos estrangeiros, agora mais dramático com a perspectiva da secessão de territórios ditos indígenas, começando no Extremo Norte do País

Isso começa a sensibilizar lideranças civis e militares.

O Brasil sofre também a incontrolada aquisição de terras por empresas estrangeiras, como na monocultura de cana-de-açúcar, a fim de produzir e exportar etanol. Além disso, sob o pretexto hipócrita da preservação ambiental, estrangeiros adquirem terras na Amazônia, calculando poder comprá-la inteira por US$ 50 bilhões, uma bagatela diante dos recursos transferidos do Brasil, da ordem de 2 trilhões de reais/ano. Vide meu artigo “Saqueio e Perda de Direitos”, publicado em A Nova Democracia, nº 37, outubro de 2007.
A absurda alienação de imensas extensões de terras viabiliza-se por meio da supressão na Constituição da distinção entre empresas de capital nacional e de capital estrangeiro, bastando a estas registrar-se no País. Essa supressão foi um dos muitos atos de lesa-pátria cometidos na presidência de FHC, com a aprovação do Congresso.
Ainda na área fundiária, o atual presidente obteve do Congresso a Lei de Florestas (nº 11.284, de 02.03.2006), para que a União licite concessões em 5,5 milhões de quilômetros quadrados na Amazônia, por prazos de 40 anos, renováveis por mais 40. Qualquer empresa nacional ou estrangeira poderá extrair madeira, apropriar-se da biodiversidade, patentear recursos e explorar o subsolo.
A apropriação direta do solo nacional por estrangeiros resulta da relação de forças decorrente da cessão, intensificada a partir de meados dos anos 50, de espaços estratégicos menos visíveis, como o controle das empresas em atividade no País, aprofundando as dependências: tecnológica, financeira, cultural e, por fim, a política.
Controlando todos esses aspectos da vida e do poder no País, não foi difícil às oligarquias estrangeiras obter subsídios que potenciam o saqueio. A política econômica “brasileira” programa o subdesenvolvimento, ao cumular o capital estrangeiro de benesses, além de lhe oferecer a livre exploração do mercado interno e do mercado exterior. De posse do poder, os grupos estrangeiros realizam as transferências que acentuam o empobrecimento do País, cuja fraqueza estratégica, política e militar é assim agravada.
Competentes analistas alertam-nos sobre a reconstituição da 4ª Frota Naval norte-americana para agir em mares da América Latina e do Caribe. Associam a coincidência dessa medida com a descoberta de petróleo na camada de pré-sal sob mares do Brasil, não descartando a intencionalidade da coincidência. Ao mesmo tempo, o ministro da Marinha lembra a penúria e o atraso tecnológico do equipamento de sua Força, constatação, de resto, válida para as demais Forças.
Exemplo contundente é o arrastar, por decênios, do projeto de construir submarinos nucleares. Essa iniciativa da Marinha, que desenvolveu excelente tecnologia própria, parece nunca chegar à conclusão, porque suas verbas são reduzidas e contingenciadas. Não é preciso ser perito em assuntos bélicos para saber que os submarinos convencionais não mais asseguram qualquer defesa naval. Só os nucleares põem-se a salvo de mísseis, graças à sua incomparável velocidade e às profundidades a que podem descer.
Sem defesa para seu imenso e riquíssimo litoral, à mercê de predadores hegemônicos, o País está na iminência, ademais, de perder territórios que lhe estão sendo subtraídos por meio de reservas indígenas, como a “ianomâmi”, de 96 mil km.quadrados, em áreas que recobrem as maiores reservas de minerais estratégicos e preciosos, ademais de estupenda biodiversidade. É em função dessas riquezas, existentes também na Raposa Serra do Sol, em Roraima, que o Executivo federal a quer demarcar em faixa contínua, além de expulsar os “não-índios”, obedecendo aos conceitos racistas inculcados principalmente pelas atuais potências hegemônicas, com extenso histórico de genocídio nos cinco continentes.
Instalados a partir de 1990 por eleições diretas controladas pelo dinheiro concentrado, os “governos” têm colaborado para ceder esses territórios, que as potências hegemônicas esperam dominar diretamente mediante a independência formal deles em relação ao Brasil, desenhada com a aprovação de Resoluções da OIT, da Comissão de Direitos Humanos e da própria Assembléia-Geral da ONU, em 2007. Mas a debilidade do País, a qual enseja tudo isso, começou a acentuar-se em 1954, com o início da política subsídios aos investimentos diretos estrangeiros.


Não é só em relação à defesa nacional que o Brasil vive à míngua. A infra-estrutura está sucatada, ademais de inadequada e erguida em função do modelo econômico e social imposto de fora de País. O serviço (juros e amortizações, sem contar a rolagem) das dívidas interna e externa da União ultrapassou R$ 250 bilhões em 2007, e os investimentos federais não passaram de RS$ 10 bilhões.
O salário real médio caiu em quase 50% nos últimos 10 anos, e as carências sociais crescem. Exportam-se a preços subfaturados, e com incentivos fiscais em vez de impostos, os fabulosos recursos naturais do Brasil, postos a serviço de empresas transnacionais.
As remessas oficiais de lucros e dividendos para o exterior somaram US$ 12,4 bilhões, de janeiro a abril de 2008, mais que o dobro dos US$ 5,2 bilhões em igual período de 2007. Essas remessas são fração diminuta das transferências, cuja parte do leão provém da fixação dos preços de exportações e das importações e das despesas por serviços superfaturados e até fictícios pagas às matrizes das transnacionais.
Esse saqueio, de centenas de bilhões de reais por ano, é financiado pelo BNDES a juros favorecidos e subsidiado pela política fiscal dos governos federal e estaduais. Investimentos diretos estrangeiros na produção, como os das indústrias automotoras, são, amiúde, inferiores ao valor dos subsídios governamentais que elas recebem.
Não admira que, sob a dominação política e cultural das oligarquias estrangeiras, Juscelino Kubitschek seja cultuado como herói, pois acabou com a promissora indústria nacional, atraindo as montadoras transnacionais, líderes na predação econômica do País, não precisando, até hoje, para investir um centavo de capital próprio para desviar, em benefício das matrizes, centenas de bilhões de reais por ano.
Essas montadoras anunciaram planos de “investir” US$ 15 bilhões nestes três anos. O BNDES vem financiando 50%, i.e., R$ 13 bilhões, ao atual câmbio supervalorizado. Governos estaduais tampouco cessam de doar dinheiro grosso para que transnacionais controlem a economia. O governador de São Paulo, José Serra acaba de assinar decreto que libera R$ 6,8 bilhões em créditos acumulados de ICMS para montadoras. Criou Programa de Incentivo (ProVeículo), que desonera do ICMS na aquisição de bens de capital. A isso se somam novos benefícios federais, adicionais aos da famigerada Lei Kandir, a qual, além isentar a exportação de tributos, assegura crédito de ICMS correspondente.
Notícia de 04.01.2008 (Estado de São Paulo): “BNDES libera R$ 7,3 bilhões para Vale investir no Brasil, nos próximos 5 anos.” Segundo L. Coutinho, presidente do banco, trata-se da "maior linha já disponibilizada pelo BNDES para uma empresa só". A Vale está também negociando com outros bancos estatais contratos de financiamento semelhantes aos assinados com o BNDES.
A operação aprovada pelo BNDES prevê 80% dos créditos vinculados à variação do dólar e 20% referenciados à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente em 6,25% a.a. Ou seja: condições de mãe para filho, inclusive porque o dólar é moeda com declínio inexorável.
Em vez de promover o equilíbrio produtivo, a geração de empregos, a tecnologia nacional e a diversificação, o BNDES usa colossais recursos públicos para acentuar a concentração, as distorções do modelo econômico e a transferência para o exterior dos recursos gerados no mercado brasileiro. Estes são outros beneficiários da ajuda do BNDES: ALCOA, transnacional norte-americana, do cartel mundial do alumínio, R$ 650 milhões. Grupo Gerdau, R$ 900 milhões. Usiminas, idem. Klabin, R$ 827 milhões. Grupo Ultra, R$ 728 milhões. Braskem, R$ 600 milhões. Copesul R$ 338 milhões.
Em resumo, os governos “brasileiros” mostram notável continuidade, certamente inspirada do exterior, apesar de se acusarem mutuamente por corrupções rasteiras. Uns e outros observam silêncio sepulcral diante da megacorrupção.
PSDB/DEM etc., entregaram, em 1997, por nada, a grupos privados pouco transparentes o controle da estatal Vale do Rio Doce, de valor incomensurável, em relação ao qual é ocioso discutir a quantas dezenas ou centenas de trilhões de dólares corresponde. 2) PT, PMDB etc., mantêm e ampliam subsídios fiscais e outros. Além disso, agraciam com financiamentos recordistas do BNDES os investimentos da mesma empresa-gigante doada por seus antecessores e “rivais”.
Entre os cartéis internacionais financiados pelo BNDES e apoiados por subsídios federais e estaduais está o dos fertilizantes químicos. Além de desastrosos para as terras e para a saúde pública, esses insumos têm tido seus preços aumentados continuadamente, sendo um dos principais motores da alta dos preços dos alimentos. O mercado é oligopolizado na produção e na distribuição, e os lucros oficiais (pequena fração dos reais) foram, em 15 anos, R$ 2,6 bilhões. A Ultrafértil foi privatizada, em favor da transnacional Bunge, por US$ 207 milhões. Na realidade, muito menos para quem conhece as formas de “pagamento” admitidas na Lei de Desestatização, de 1990, aprovada a toque de caixa pelo Congresso, a mando de Collor por encomenda do Consenso de Washington.

Os absurdos do sistema colonial implantado no Brasil abrangem todos os setores estratégicos, como geração e distribuição de eletricidade, condenados, desde as privatizações, ao subinvestimento e à oneração dos usuários, exceto indústrias eletro-intensivas, como as multinacionais do alumínio.

Não se pode fechar este painel sem falar na quebra, não declarada, do monopólio estatal do petróleo, nem da alienação de 68% do capital da Petrobrás. Nem dos leilões de petróleo, a beneficiar transnacionais na aquisição de jazidas detectadas pela Petrobrás, para exportarem sem qualquer controle e pagando os royalties mais baixos do mundo.

A Petrobrás realiza, de 2007 a 2011, investimentos de quase US$ 20 bilhões em gás natural, e alguns bilhões em termelétricas, poluentes e antieconômicas em comparação com as que poderia ter, se não boicotasse a produção de óleos vegetais. Nestes, dilapida recursos em iniciativas com matérias-primas inadequadas, em vez de apoiar pequenos e médios produtores no cultivo de dendê, mais de 15 vezes mais produtivo de óleo por hectare que a soja.

* Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”, editora Escrituras. benayon@terra.com.br

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