Em meados de Junho a confrontação entre o governo e as associações patronais do campo parecia haver chegado a um ponto de ruptura total –, mas não foi assim, pois poucos dias depois acalmavam-se as águas. A presidente decidiu transferir para o Parlamento a decisão final sobre os impostos à exportação de produtos agrícolas. Era o que esperavam os empresários rurais para levantar o seu lockout que começava a desgastar-se rapidamente, tal como a popularidade do governo. Foi o fim provisório de mais de cem dias de enfrentamento após os quais, como dizem agora alguns politólogos, "a Argentina já não é a mesma". A imagem da presidenta havia chegado a um nível de deterioração apenas comparável com o do ex-presidente De la Rua em Dezembro de 2001. Sua convocatórias para a mobilização em apoio ao governo haviam inflamado contra si as classes altas e sectores crescentes das classes médias. Por sua vez, os ruralistas haviam estendido sua influência unificando atrás de si o conjunto da oposição de direita e vastos setores das classes médias rurais e urbanas – neste último caso inclusive grupos médio-baixos afetados por um processo inflacionário que ao longo dos últimos meses deteriorou o seu nível de vida. Contudo, sua radicalização levava-os a um beco sem saída, especialmente no caso da pequena burguesia agrária próspera, uma espécie de "novos ricos" furiosos diante das cargas fiscais que turvavam suas expectativas de lucros abundantes e crescentes. A intransigência extremista a que haviam chegado nas suas exigências era de fato uma convocatória para o golpe de estado. No passado, talvez o seu desejo pudesse ter-se materializado, mas agora, a um quarto de século do fim da última ditadura militar, a capacidade de intervenção das Forças Armadas é quase nula – a sua degradação institucional e a pedra tumular moral que pesa sobre elas devido ao genocídio torna impraticável essa possibilidade. A alternativa golpista seria um tumulto de direita (uma espécie de 2001 ao contrário) amplificado pelos meios de comunicação e finalmente manipulado por um sector do sistema institucional (judicial, parlamentar nacional, governos provinciais, etc).
Outros ensaios de Jorge Beinstein:
· O naufrágio do centro do mundo: Os EUA entre a recessão e o colapso , 08/Mai/08
· No princípio da segunda etapa da crise global , 13/Fev/08
· Estados Unidos: a irresistível chegada da recessão , 06/Jun/07
· O declínio do dólar… e dos Estados Unidos , 18/Jan/07
· A solidão de Bush, o fracasso dos falcões e o desinchar das bolhas , 27/Ago/07
· A irresistível ascensão do ouro , 03/Jul/06
· O reinado do poder confuso , 12/Abr/06
· Os primeiros passos da megacrise , 24/Jan/06
· As más notícias da petroguerra , 20/Jul/05
· Pensar a decadência: O conceito de crise em princípios do século XXI , 11/Abr/05
· Os Estados Unidos no centro da crise mundial , 01/Nov/04
· A segunda etapa do governo Kirchner , 07/Out/04
· A vida depois da morte: A viabilidade do pós-capitalismo , 07/Set/04
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