Adriano Benayon*
Na última 4ª feira foi, mais uma vez, elevada a taxa básica de juros (Selic), aplicada em títulos públicos, agora para 13% aa. Os pontos percentuais das demais taxas de juros equivalem a múltiplos da Selic que podem ser até mais de 6, como ocorre com alguns empréstimos a pessoas físicas a 9% ao mês, ou seja, mais de 180% aa.
No mesmo dia fui entrevistado, em Brasília, por uma emissora de televisão, a Rede TV, horas antes da decisão pelo novo aumento. Em certa altura, a repórter referiu-se à tradicional desculpa do Banco Central e da maioria dos formadores de opinião, segundo a qual o aumento da taxa seria necessário, por causa da inflação em alta.
Respondi que o aumento das taxas de juros tem mais efeito para fazer subir os preços do que para diminuí-los. Para começar, os juros são um componente dos custos de produção. Assim, juros mais altos resultam em custos mais altos e preços também mais altos.
Somente a curto prazo, o aumento de juros poderia conter um pouco a inflação, ao desencorajar os consumidores de comprar a crédito, o que faria diminuir a quantidade procurada de bens e serviços. Mas nem isso é certo, uma vez que os preços são, em geral, determinados em mercados de escassa concorrência, por ser a economia muito oligopolizada e cartelizada.
Os juros no Brasil têm sido sempre absurdamente onerosos, e há anos o País detém o triste título de ter as taxas de juros mais altas do Mundo. Elas inibem os investimentos. Conseqüentemente, a produção, e, portanto, a oferta. Com esta em declínio, a tendência dos preços é subir. Os investimentos são desestimulados não só porque o capital para investir fica mais caro, mas também porque os produtos vêem possibilidades menores no mercado em face da repressão ao consumo sinalizada pelo aumento dos juros. Ninguém investe para produzir e depois não vender.
Ademais, os descomunais juros do mercado financeiro brasileiro atraem capitais estrangeiros especulativos, que se cevam na dívida mobiliária interna e em títulos privados e seus derivados, para transferir anualmente centenas de bilhões de reais para o exterior.
Enquanto prevalecem os ingressos sobre as saídas de capital, o real acumula valorização mais que excessiva. Assim, as empresas brasileiras ficam em ainda piores condições de competir nos mercados externos. Ademais, como elas não têm acesso a dinheiro a juros módicos praticados no exterior, são ainda mais inviabilizadas, até no mercado interno, dominado por subsidiárias de empresas transnacionais.
Estas, ademais de desfrutarem de subsídios governamentais, podem captar no exterior o pouco capital de que necessitam. Dessas repercussões no câmbio e na estrutura dos mercados, nem falei na entrevista, porque não havia tempo para alongar-se.
Em suma, são imensos e duradouros os malefícios à economia da política de juros altos, pois, além de causarem inflação, colocam a produção em nível cada vez mais baixo. Na continuação, os resultados são desastrosos: 1) renda real em queda; 2) elevação dos preços de bens e serviços; 3) desemprego em aumento.
À pergunta de por que, então, as taxas de juros vêm sendo elevadas, apontei que isso decorre de prevalecerem na política as decisões dos grupos mais poderosos. A sociedade difusa, o grosso da população, obviamente não faz parte desses grupos.
Procurei transmitir essas noções de forma clara, mas escolhendo as palavras com muito cuidado, para evitar que a natural contundência que o assunto requer não assustasse os responsáveis pelo noticiário da tal TV.
Ele é transmitido a partir das 21 horas. Cerca de 50 minutos de sua duração foram gastos em assuntos como treinamento de policiais, explorando o pavor dos telespectadores com a segurança, e "fatos diversos", como o menino que mordeu o cachorro, o chimpanzé que se agitava no teto de um prédio e coisas do gênero.
Quando o programa entrou na taxa de juros, o apresentador leu a notícia em alguns segundos e, por tempo ainda mais breve, apareceu a repórter dizendo que alguns especialistas discordam. Daí surgiu a minha imagem num trecho de menos de 10 segundos, pinçado do contexto em que eu mencionava o desestímulo aos investimentos decorrentes da alta dos juros. Não creio que os telespectadores tenham podido captar alguma informação nesse flash relâmpago.
Já conhecia a censura da grande mídia a qualquer contestação às mistificações da política econômica, encobridoras de incomensuráveis prejuízos à sociedade. Aceitei dar a entrevista só para experimentar mais uma TV. Esta, pelo visto, embora relativamente obscura, não abre qualquer brecha à informação. Ou seja, concessionárias dos "serviços de comunicação" infringem as condições legais que regem suas concessões.
*Adriano Benayon é diplomata de carreira, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal, na Área de Economia, aprovado em 1º lugar em ambos concursos. Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
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