quinta-feira, 24 de julho de 2008

Conto




Serás Ministro

- Esse vai ser ministro - sentenciou o pai, logo que o garoto nasceu.

- E você, com esse ordenado micho de servente, tem lá poder pra fazer nosso filho ministro?

- duvidou a mãe.

- Então, só porque meu ordenado é micho ele não pode ser ministro? A Rádio Nacional deu que Abraão Lincoln trabalhava de cortar lenha no mato, e chegou a presidente dos Estados Unidos.

- Isso foi nos Estados Unidos.

- E dai? Nem eu estou querendo tanto pra ele. Sá quero uma de Ministro.

- Tonzinho, deixa isso pra lá.

- Pra começar, a gente convida o Ministro pra padrinho dele.

- O Ministro não vai aceitar.

- Não vai por quê? Trabalho no gabinete há dois anos.

- Ele é muito importante, filho.

- Por isso mesmo. Com padrinho importante, o garotinho começa logo a ser importante.

- O Ministro é tão ocupado, você mesmo diz. Vê lá se tem tempo pra batizar filho de pobre.

- Pois sim. Ele me trata com toda a consideração, de igual pra igual. Hoje mesmo eu faço o convite. Fez. O Ministro não pôde comparecer, mas enviou representante. Era quase a mesma coisa. Na hora de dizer o nome do menino, o pai não vacilou; disse bem sonoro:

- Ministro.

- Como? - estranhou o padre.

- Ministro, sim senhor.

A mulher ia atalhar: "Tonzinho, não foi Antônio de Fátima que a gente combinou?" mas era tarde. No cartório, também estranharam:

- Ministro por quê?

- Porque eu escolhi. Acho lindo.

- Não é nome próprio.

- Pois eu cá acho muito próprio. Não tem ai uma família chamada Ministério, aliás com pessoas distintas, médicos, dentistas, etc.?

- Tem.

- Pois então. Meu filho é Ministro, só isso. Ministro Alves da Silva, futuro cidadão útil à Pátria. Tem alguma coisa demais? O garoto registrou-se. Cresceu. Na escola, a principio achavam-lhe graça no nome. Parecia apelido. Depois, o costume. Há nomes mais estranhos. Ministro não era o primeiro da classe, também não foi dos últimos. Já moço, o leque das opções não se abriu para ele. Entre o oficio sem brilho e o andar térreo da burocracia, acabou sendo, como o pai, servente de repartição. Promovido a continuo.

- Eu não disse?

- festejou o pai.

- Começou a subir. O máximo que subiu foi trabalhar no gabinete do Ministro.

- Ministro, o Sr. Ministro está chamando.

- Ministro, já providenciou o cafezinho do Sr. Ministro?

- Sabe quem telefonou pra você, Ministro? A senhora do Sr. Ministro. Diz que você prometeu ir lá consertar umas goteiras e esqueceu.

- Ministro! Roncando na hora do expediente?! Começaram os equívocos:

- Telefonema para o Ministro.

- Qual? O Ministro ou o Sr. Ministro?

- Este Ministro é um cretino! Me fez esperar uma hora nesta poltrona!

- Perdão, Deputado, o senhor está ofendendo o Sr. Ministro.

- Eu ? Eu ? Estou me referindo a esse animal, esse... Até que se apurasse que o animal era Ministro, o contínuo - que confusão !

O Ministro de Estado, ciente da confusão, recomendou ao assessor:

- Faça esse homem trocar de nome.

- Impossível, Sr, Ministro. É o seu título de honra.

- Então suma com ele da minha vista. Mandaram-no para uma vaga repartição de vago departamento. Queixou-se ao pai, aposentado, que isso de se chamar Ministro não conduz a grandes coisas e pode até atrasar a vida.

- Ora, meu filho, hoje no bueiro, amanha no Pão de Açúcar. E você não tem de que se queixar. Num momento em que tanta gente importante sua a camisa pra ser Ministro, e fica olhando pro céu pra ver se baixa um signo do astral, você já é, você sempre foi Ministro, de nascença! de direito! E não depende de governo nenhum pra continuar a ser, até a morte!

Abraçaram-se, chorando.

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