“... as mais justas aspirações do povo, plantadas as mais imperiosas necessidades sociais, e propostas as mais importantes reformas econômicas e políticas, sem cuja implantação o país passaria inevitavelmente ao abismo, deprimiria-se no caos da ignorância, da miséria e da escravidão.”
Programa Ayala
Importante líder da ‘Revolução Mexicana de 1910’, considerado um dos heróis nacionais mexicanos, Zapata serve de inspiração para o movimento zapatista. Emiliano Zapata, camponês mestiço, filho de Cleofas Salazar e Gabriel Zapata, nasceu em 8 de agosto de 1879, no estado mexicano de Morelos, vilarejo de San Miguel Anenecuilco, atual Ciudade Ayala, numa época em que o México era governado por Porfírio Díaz. A família Zapata havia apoiado Díaz, quando este lutava para libertar o México do domínio dos franceses e do imperador Maximiliano (1864-1867). Em 1876, Díaz, proclamou-se presidente, mantendo-se no cargo até 1880. A partir de 1884, foi reeleito presidente, seis vezes consecutivas, estabelecendo uma ditadura favorável aos interesses dos grandes proprietários rurais. Zapata, por volta dos 30 anos, ocupou uma das chefias do vilarejo onde nascera, intercedendo nos numerosos conflitos entre seus habitantes e os fazendeiros que procuravam tomar posse das terras dos camponeses. Por muitos anos Zapata defendeu os direitos dos moradores através da recuperação de antigos títulos de propriedade. Revoltado com a prepotência dos latifundiários, e com a ditadura de Diaz, declarou, publicamente, seu desejo de promover uma reforma agrária. Após o manifesto, o governou mandou encarcerá-lo. Em liberdade organizou, sob o lema ‘Terra e Liberdade’, um grupo de camponeses e indígenas do sul passando a promover ações de guerrilha, ocupando e repartindo as terras. Uniu-se a Pancho Villa, líder dos camponeses do norte, que combatia o Exército Federal e os grandes proprietários. Díaz, nessa época, estava preocupado com a candidatura de Francisco Madero, líder do movimento que se opunha à sua reeleição. Díaz prende Madero e, como único candidato, é considerado eleito. Madero foge da prisão e vai para os EUA de onde conclama o povo à rebelião, prometendo reforma eleitoral e agrária de acordo com o ‘Programa de São Luis de Potosí’ redigido, por ele, no exílio. Zapata se alia a Madero e, em 1910, comanda como ‘general’ o ‘Ejército Libertador del Sur’, formado em Morelos. A ‘Revolução Mexicana de 1910’, derruba Díaz e promove ascensão de Madero que, eleito presidente, resolve dissolver o exército revolucionário. Zapata recusa-se a desarmar seus homens e exige a reforma agrária, prometida no Programa de São Luis de Potosí e negada por Madero.
“A fatal ruptura do Programa de São Luis de Potosí motivou e justificou nossa rebeldia contra aquele que invalidou todos os compromissos e defraudou todas as esperanças ... combatemos Francisco Madero, combateremos outros cuja administração não tenha por base os princípios pelos quais temos lutado.”
Em novembro de 1911, Zapata anuncia o ‘Programa de Ayala’ propondo a derrubada de Madero e reforma agrária sob o controle das comunidades camponesas. Em fevereiro de 1913, enquanto a luta prossegue, o general Victoriano Huerta assassina Madero. O governo de Huerta é um retorno ao porfirismo (Porfírio Díaz). Venustiano Carranza, líder do Exército Constitucionalista, não reconheceu o novo governo e se mobilizou contra Huerta, contando com o apoio de Villa e Zapata. Carranza assume a presidência e, novamente, hesita em aceitar as propostas camponesas. Em fevereiro de 1917, é promulgada a Constituição com as transformações idealizadas no Programa de Ayala, os preceitos Constitucionais, no entanto, são ignorados pelo governo. Em 1919 Zapata é assassinado a mando de Carranza.
Chiapas
Estado mexicano, cuja capital é Tuxtla Gutiérrez, que faz fronteira com a Guatemala, país a que pertenceu até 1824. As principais atividades econômicas são a cafeicultura, o artesanato e o turismo. A população de Chiapas é formada por 3,6 milhões de habitantes, sendo mais de 1 milhão de indígenas descendentes dos maias que, em sua maioria, não falam o espanhol.
Causas da rebelião em Chiapas
Vamos procurar resumir uma análise feita pelo sociólogo e crítico mexicano Pablo González Casanova a respeito das oito ‘Causas da rebelião em Chiapas’:
1. Herança Rebelde: os maias representam, na história da humanidade, um dos povos que mais resistiram à conquista espanhola e, o fato de se rebelarem de novo, atende a um chamamento ancestral. Na sua memória está presente a figura de Juan López, homem invencível vindo do céu, que lutou contra o exército em eras passadas e prometeu regressar para ajudar os índios em suas batalhas.
2. Crise da fazenda tradicional: a crise dos latifúndios cafeeiros dos anos 30, das fazendas de gado nos anos 50, provocou a dispensa dos serviços dos trabalhadores que se refugiavam em regiões remotas. Em meados dos anos 70, na Selva, peões de todas as origens formam uma identidade de etnias oprimidas, que ganhou corpo nos anos 80 por meio da Associação Rural de Interesse Coletivo União de Uniões (ARIC U de U), e culminou com um processo de integração das organizações de etnias e de trabalhadores.
3. Ação pastoral: após o Concílio Vaticano II e da Conferência Episcopal de Medellín, deu-se início a uma renovação pastoral expressa na Teologia da Libertação. A ação pastoral desse movimento iniciou nos anos 60 e os párocos e catequistas se dedicaram a ensinar aos índios novas formas de organização para o trabalho coletivo, a discussão fraternal e a tomada de decisões.
4. Estudantes de 1968: depois de 1968, alguns líderes estudantis ajudaram a formar movimentos camponeses. Na sua ideologia havia um elemento comum: “lutar por uma democracia em que o povo trabalhador e explorado tomasse as decisões por si mesmo, e pelo fim do sistema repressivo, autoritário e excludente vigente no México”. Em meados dos anos 70, começaram a chegar em Chiapas e integraram-se nas organizações populares, “ajudando-as a organizarem-se e a adquirirem uma maior consciência para levar adiante suas lutas”.
5. Menos terras para os mais pobres: em 1971, um decreto presidencial, entrega metade da Selva aos lacandones, uma etnia quase extinta. Com o pretexto de preservar alguns que restavam, pretendeu-se arrebatar as terras de tzeltales, tzotziles, choles, tojolobales e zoques, que as habitavam há quase três décadas, acusando-os de ‘usurpadores’. Havia, na verdade, um grande conluio de políticos e madeireiros que usaram como fachada a Companhia Florestal Lacandona S. A. que se apressou em firmar um contrato com os lacandones, ‘legítimos donos’ da terra, adquirindo o monopólio de extrair madeira da região. A terra em Chiapas, principal fonte de sustento das populações mais pobres, tornou-se cada vez mais escassa.
6. A politização dos povos indígenas: por volta de 1982, dentro do Partido Socialista Unificado do México, os tojolobales lutaram pela presidência municipal. Ao perderem-na, ‘perderam a esperança’, segundo se dizia. Em 1974, os índios de San Juan Chamula tomaram a presidência municipal como protesto ante a fraude eleitoral cometida pelo PRI. Dias depois, foram desalojados pelo Exército. A partir de então, o governo local deu início a uma perseguição a milhares de chamulas, acusando-os de serem protestantes. Os expulsos ficaram sem casa e sem terra. Hoje, mais de vinte mil deles vivem nos arredores de San Cristóbal. Estão na miséria. Os políticos exercem em Chamula uma ditadura autônoma e brutal, justificando-a no respeito a seus ‘costumes’.
7. A violência e a lei: no regime racista e oligárquico vigente em Chiapas, a violência institucional é a lei. Sem risco de nenhum tipo de punição, seja na terra, no trabalho ou na política, aquele que detém o poder tem a possibilidade de violar a lei, seja esta agrária, trabalhista ou eleitoral. Diferente do que ocorre com aqueles que são indígenas, mestiços pobres, camponeses, trabalhadores e até empregados, que a qualquer momento podem ser submetidos a falsas acusações e serem-lhes aplicados todos os tipos imagináveis de pena.
8. A violência negociada com perdas e danos: desde o início da existência do terror internalizado que se empreende uma luta para superá-lo. Com decisão, frieza e fraternidade, às vezes, consegue-se dar um primeiro passo nesse sentido. Surgem tentativas de se levar adiante uma luta unida, associada, com tramas e vínculos que se ampliam em uniões de sem-terras, em centrais camponesas, em sindicatos. Nestes, luta-se contra a cooptação, a corrupção de líderes e parentes, levando-se a um endurecimento persistente em que se expressam as correntes políticas do México moderno e as posições revolucionárias mais variadas. Numa revolução, a única possibilidade de vitória é que ela se transforme em uma grande luta política e social, capaz de modificar as correlações do poder e o mercado no sentido de um projeto local, nacional e eventualmente global.
Rafael Sebastián Guillén Vicente nasceu em 19 de julho de 1957, na cidade de Tampico, capital da província de Tamaupilas, fronteira nordeste do México com os Estados Unidos. Filho de imigrantes espanhóis, proprietários de lojas de móveis, é o quarto entre oito irmãos. Matriculou-se em 1977 na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), capital mexicana, onde se destacou como aluno brilhante, obtendo licenciatura em Filosofia e Letras, em 1980, com a tese “Filosofia e educação: práticas discursivas e práticas ideológicas em livros de escola primária”. Em 1979, iniciou sua carreira docente com aulas de estética da imagem na Universidad Autónoma Metropolitana e logo em seguida se uniu aos zapatistas.
Exército Zapatista de Libertação Nacional - EZLN
Em janeiro de 1993, em Prado, é fundado o Partido das Forças de Libertação Nacional (PFLN), sendo aprovada a posição defendida pelo subcomandante Marcos de iniciar uma Guerra de Libertação no México. O objetivo militar é derrotar o Exército Mexicano e chegar até a Cidade do México. Os objetivos citados na sua declaração de princípios são:
“Encabeçar a luta revolucionária do povo trabalhador para a arrancar o poder da burguesia, libertar o país da dominação estrangeira e instalar a ditadura do proletariado que impeça a contra-revolução e inicie a construção do socialismo”.
“Recorrer, como forma principal, à luta político-militar, combinando-a com outras formas de ação política. Conta para isto com o EZLN que jamais haverá de claudicar no México”.
O EZLN, durante mais de dez anos, havia se preparado para a luta armada nas montanhas e nas florestas de Chiapas. Em 1º de janeiro de 1994, o grupo é apresentado ao mundo, quando tomam San Cristóbal de las Casas, Ocosingo, Chanaal, Altamirano e Las Margaritas. Nesse mesmo dia, o EZLN ataca o quartel de Rancho Nuevo, comandado pelo general Garrido e invade os sistemas prisionais da região conflagrada, libertando todos os prisioneiros, a maioria índios. Além das prisões, as prefeituras, prédios públicos, bancos, sedes de algumas empresas importantes e rádios foram os primeiros locais a serem tomados.
Anos de enfrentamento com as Forças Armadas Mexicanas fizeram os Zapatistas mudar o tom agressivo de seu discurso desde 1993, e, em dezembro de 2007, por ocasião do Colóquio Internacional realizado em San Cristóbal de las Casas, Chiapas, se dirigem ao povo do México e aos povos do mundo, relembrando que:
“Desde 10 de janeiro de 1994, o EZLN se comprometeu com a sociedade civil mexicana a que, de maneira unilateral, frearia qualquer atividade bélica. Quatorze anos após essa decisão, o EZLN, apesar da presença hostil do exército federal mexicano, que tanto dano tem feito à vida das comunidades indígenas chiapanecas; apesar da formação de grupos paramilitares; apesar do massacre de Acteal; apesar de tudo, tem honrado sua palavra. Neste tempo, colocando em prática o mandar obedecendo, construiu uma das experiências mais esperançosas do mundo: as juntas de bom governo, as quais conseguiram melhorar o nível de vida das bases de apoio zapatistas e realizar o exercício de governo que já é um fardo na luta pela emancipação humana, seu exemplo de luta pacífica é universal”.
Os Zapatistas, ao contrário da nossa ‘esquerda escocesa’, chegaram à conclusão de que as demandas da Velha Esquerda eram demasiado estreitas, por enfatizarem quase que somente os problemas do proletariado industrial urbano e que a luta armada não é o único caminho para as pretendidas reformas. Os zapatistas consideram, hoje, que a luta pelos direitos de cada grupo é igualmente importante, e é preciso travá-la em todas as frentes simultaneamente. Eles também professam que os próprios movimentos precisam ser internamente democráticos. O lema é ‘mandar obedecendo’, que poderia ser explicado por “comandar obedecendo às vozes e desejos dos liderados”.
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Rua Dona Eugênia, 1227
Petrópolis - Porto Alegre - RS - 90630 150
Telefone:- (51) 3331 6265
Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br/
E-mail: hiramrs@terra.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário