segunda-feira, 14 de julho de 2008

Cel. Hiram Reis e Silva

Kichwa Sarayacu e a onda separatista Latino-Americana

“Nós nos questionamos se um povo pequeno como o nosso pode mudar o mundo. Não pode! Mas nós estamos seguros que dentro de cada coração existe um povo que luta com a mesma força, e assim, mesmo sendo pequeno, nós somos símbolo da potência da vida.”

José Gualinga da comunidade Sarayacu


Kichwa

Os Kichwa, originários da região do lago Titicaca, chefiados por Manco Cápac, filho do sol, estabeleceram-se em Cuzco no século XII. Seus sucessores consolidaram o domínio sobre os povos vizinhos criando uma civilização notável, baseada numa monarquia teocrática cuja autoridade máxima era o Imperador (o Inca), aconselhado por um Conselho Imperial. O Império incluía as regiões do atual Equador, o sul da Colômbia, Peru, Bolívia até o noroeste da Argentina e o norte do Chile. Também chamado de Tahuantinsuyo (‘as quatro regiões’) tinha como capital a cidade de Cuzco (‘umbigo do mundo’). Era formado por diversas nações com mais de 700 idiomas diferentes, embora o mais importante fosse o kichwa. Em 1533, os conquistadores espanhóis executaram o Imperador Atahualpa, impondo o término do vasto império. Apesar de extinta a formação imperial inca, o kichwa, ainda hoje, é a mais importante língua indígena sul-americana, falada por diversos grupos étnicos que totalizam cerca de dez milhões de pessoas na Argentina, Chile, Colômbia, Bolívia, Equador e Peru, sendo uma das línguas oficiais desses três últimos países.



Crime contra a Humanidade

A Chevron-Texaco atuou na selva equatoriana até 1992, quando retirou-se da região, após ter provocado uma ‘maré negra terrestre’. Objeto de diversos processos judiciais, a empresa tem usado todos artifícios possíveis, para não ser condenada a arcar com os custos de reparação do desastre ecológico, que, segundo a Frente para a Defesa da Amazônia (FDA), ‘são avaliados em US$ 6 bilhões’. A FDA afirma que a transnacional no período de 26 anos, extraiu mais de 47 milhões de barris de óleo cru, quase 12 milhões de água de formação e queimou ao ar livre cerca de 10 milhões de pés cúbicos de gás. A água de formação, altamente tóxica, era jogada diretamente nos igarapés afluentes do rio Aguarico, que atravessa o território habitado pelas comunidades indígenas Siona e Secoya. O vazamento de petróleo provocado pela empresa americana, 18 bilhões de galões, foi duas vezes maior do que o desastre da Exxon Valdez e, profanou vasta área de mata virgem, banhados e rios. Como resultado, dos despejos lançados, os indígenas da região apresentam, hoje, uma incidência de câncer 30 vezes maior do que outras comunidades não afetadas pela produção petrolífera. O nível de derivados do petróleo nos rios, de 1999 a 2001, foi de 200 a 300 vezes superior aos limites estabelecidos para o consumo humano. Os indígenas entraram com uma ação na Corte Superior de Nueva Loja, capital da província de Sucumbíos, cobrando uma indenização de 6 milhões de dólares, pelos danos irreversíveis ao ecossistema e à saúde humana

Os Kichwa e Companhia Geral de Combustíveis (CGC)

O povo indígena Kichwa de Sarayaku, ocupa um território de aproximadamente 140.000 hectares, na província de Pastaza (Equador), coberto na sua quase totalidade pela selva primária. A empresa petrolífera ‘Compañia General de Combustibles’ (CGC) entrou no vale do rio Bobonaza com o apoio do Governo, graças a um acordo firmado em 26 de julho de 1996. Desde então a pequena população indígena dos Sarayacu trava uma disputa com a empresa petrolífera Argentina que adquiriu os direitos de exploração na região conhecida como ‘Bloco 23’. A comunidade Sarayacu, que pertence à Nação Kichwa, com cerca de mil indígenas, defende seu direito de manter a floresta virgem para que não aconteça na sua região desastre similar ao provocado pela Texaco. O conflito se agravou quando uma minoria indígena, cooptada pela CGC, em troca de aproximadamente US$ 200 mil de compensação em obras comunitárias, empunhando armas, atacou lideranças de
Sarayacu. "Ainda temos nossos rios, nossa floresta, nossa biodiversidade e nossos recursos naturais livres da poluição, e cuidamos dessa terra", afirma uma declaração da comunidade Sarayacu. A luta dos Kichwa ganhou notoriedade internacional depois de terem expulsado de seu território a empresa petrolífera em nome da preservação do seu meio ambiente e com o propósito de assegurar um desenvolvimento sustentável. A luta fez com que a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos instassem o governo equatoriano a proteger a Integridade do território de Sarayaku. O Governo atual, através de seu representante, o Ministro de Minas e Petróleos, Galo Chiriboga, em visita a Sarayaku, prometeu que o Governo cumprirá as medidas cautelares determinadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. O povo de Sarayaku solicitou, ainda, ao governo a rescisão definitiva do contrato de exploração com a empresa CGC, baseando-se nas inúmeras ilegalidades cometidas pela empresa Argentina.

Território e autodeterminação

Em outubro de 2003, os índios haviam proclamado seu território como autônomo. O comunicado público foi assinado pelo dirigente indígena Mario Santi, denunciando que “nós, indígenas, levamos muito tempo vivendo e sofrendo os vários modelos de desenvolvimento. Nosso desenvolvimento é para repartir e não para dominar. É para manter nosso mundo e não para mudá-lo”. Para eles a chave para o auto-desenvolvimento é “um território amplo, íntegro e diversificado onde todos, pessoas animais, árvores, rios lagos, nosso deus Amazanga, montanhas, sejam beneficiados”. "Negar nuestra existencia es un retroceso de 500 años. Estamos muy preocupados ante la reacción del Gobierno que no se define frente a la propuesta de constituir un Estado plurinacional que permita a los pueblos indígenas el pleno ejercicio de sus derechos colectivos”, afirmou José Gualinga. Este ano, em Paris, José Gualinga, responsável pelas relações internacionais da comunidade indígena Sarayakuna, insistiu na importância de reconhecer juridicamente a diversidade dos povos originários na nova Constituição Equatoriana.

Constituição do Equador, de 1998

O artigo 23, dispõe, no seu item n° 6, “El derecho a vivir en un ambiente sano, ecológicamente equilibrado y libre de contaminación. La ley establecerá las restricciones al ejercicio de determinados derechos
y libertades, para proteger el medio ambiente”.


O artigo 84, no seu item n° 5, assegura que os povos indígenas devem “Ser consultados sobre planes y programas de prospección y explotación de recursos no renovables que se hallen en sus tierras y que puedan afectarlos ambiental o culturalmente; participar en los beneficios que esos proyectos reporten, en cuanto sea posible y recibir indemnizaciones por los perjuicios socio-ambientales que les causen”.

Se a atual Constituição Equatoriana já confere ao Estado a responsabilidade de garantir a qualidade do meio ambiente e reconhece os direitos ancestrais das nações indígenas sobre seus territórios, consideramos que falta apenas ao governo modificar sua visão no que tange à política petrolífera e mineradora.

Conclusão

Embora os kichwa tenham iniciado uma luta justa contra uma exploração criminosa, por parte dos empresários estrangeiros, de suas terras, observamos que, com o passar dos anos, abraçaram novas idéias como a ‘autodeterminação dos povos indígenas’, uma das principais bandeiras do Movimento Indigenista Internacional. O Movimento possui grandes tentáculos e, na América do sul, são representados, por exemplo, pela ‘Coordinación de los Indígenas de la Cuenca del Amazonas’ (COICA), sediada em Quito, Equador, e sua associada ‘Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira’ (COIAB), com sede em Manaus, que tem como meta fundamental a intensificação dos conflitos fundiários originados por questões indígenas.
O caso Sarayacu nos permite refletir como os governos podem, usando não apenas as leis, mas o bom senso, minimizar conflitos, ouvindo as populações diretamente envolvidas e levando em conta pressupostos ambientais. Mostra a necessidade de que qualquer empreendimento deva ser acompanhado de medidas de preservação do meio ambiente, evitando a erosão, a poluição dos cursos d’água, a recuperação das áreas degradadas e, ainda, permitam o desenvolvimento sustentável das comunidades residentes na área de influência. O mais fantástico, porém, é deixar patente como a luta de uma pequena aldeia, perdida e isolada na selva, é capaz de alterar profundamente as ações de um governo.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Rua Dona Eugênia, 1227
Petrópolis - Porto Alegre - RS - 90630 150
Telefone:- (51) 3331 6265
Site:
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E-mail: hiramrs@terra.com.br

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