A lambança e o remédio
Argemiro Ferreira*
O jornalista e escritor James Moore, autor de pelo menos três livros sobre o incrível George W. Bush e seu marqueteiro sem escrúpulos Karl Rove, conhece muito bem a versão republicana de capitalismo. "Eles são socialistas", diz Moore. "Desregulamentam tudo, mas quando chega o resultado do que fizeram, como agora, querem socializar as perdas: mandam a conta para o contribuinte".
Segundo as estimativas até agora (o total da conta continua a se elevar a cada dia), para socorrer as lambanças bilionárias do Bear Stearns, da AIG e dos gêmeos Freddie Mac e Fannie Mae, serão necessários uns US$ 600 bilhões. Talvez por isso Moore fica muito irritado quando ouve alguém sugerir que a atual desintegração econômica é uma mixórdia "muito complexa".
"Não é", responde ele. "Nossa crise financeira nacional pode ser perfeitamente compreendida por qualquer um que já tenha visto ganância e hipocrisia. Mas a diferença é que agora estamos testemunhando ganância e hipocrisia numa escala profunda e monumental". A conclusão final dele é ainda mais melancólica. "Esta é uma nação de idiotas da aldeia", afirmou, referindo-se aos EUA.
Moore lembra que os conservadores republicanos sempre rejeitaram intromissão do governo nos mercados e na atividade privada. Exigem redução do tamanho do estado e nada de regulamentações. Querem que os homens de negócio ganhem o máximo de dinheiro possível. Mas quando a ganância deles cria trapalhadas, exigem leis e regulamentos - e o dinheiro do contribuinte, para salvar os negócios deles.
Para o jornalista, o que o governo Bush está fazendo agora, mais uma vez, é socializar a dívida monumental de alguns gigantes de Wall Street. Os contribuintes não foram chamados a desfrutar uma parte, mínima que seja, de lucros bilionários forjados por instrumentos financeiros fraudulentos como os derivativos ou as montanhas de hipotecas sub-prime. Por que convocá-los para pagar a conta?
O socorro à AIG - gigante de seguros, ameaçada de virar anã - equivale a US$ 85 bilhões, segundo foi anunciado. Esse total é superior ao que o governo Bush gastou, durante oito anos, na ajuda a famílias com crianças dependentes. Isso também pagaria pela assistência à saúde de todos os homens, mulheres e crianças do país durante pelo menos seis meses.
Ao expor tais dados comparativos escandalosos, Moore se perguntou como o país chegou a tal disparate. E citou um personagem emblemático do partido de Bush e John McCain - Phil Gramm, texano e ex-colega de McCain no Senado. Dias depois da Suprema Corte decidir instalar Bush na Casa Branca, Gramm enfiou na lei orçamentária algo chamado Commodity Futures Modernization Act.
Objetivo do pacote de 262 páginas: impedir agências reguladoras de controlar novos instrumentos financeiros descritos como "swaps" (trocas) de crédito. São instrumentos como hipotecas sub-prime, empacotadas e vendidas como ações. Pela lei de Gramm, nem a SEC, reguladora do mercado de ações, nem a CFTC (Commodities Futures Trading Commission), de commodities, podem fiscalizar instituições financeiras como fundos "hedge" ou bancos de investimento, para assegurar que tinham ativos suficientes para cobrir as perdas que estavam garantindo.
O mercado para esses instrumentos financeiros sofisticados é estimado em US$ 60 trilhões por ano, quase quatro vezes todo o mercado de ações dos EUA. Gramm queria tudo isso completamente sem regulamentação. E não criou tal mundo de conto de fadas apenas para Wall Street. Um dispositivo de sua lei impedia ainda a regulamentação dos mercados de venda de energia, favorecendo as fraudes da Enron.
No Texas, a casa dos Gramm não podia estar melhor. Wendy Gramm, mulher de Phil, que tinha antes presidido a reguladora CFTC, ganhou emprego no conselho da Enron, que lhe rendia quase US$ 2 milhões/ano. Prêmio justo: tinha conseguido uma decisão pela qual o governo federal não fiscalizava contratos futuros de energia da Enron.
O que fazer com os lambões
Para Moore, se McCain chegar à Casa Branca Phil Gramm é candidato natural a secretário do Tesouro. Na era Reagan os dois estavam juntos na crise S&Ls (poupança e empréstimo), quando a conta de US$ 1,4 trilhão, após o colapso de 747 firmas, também sobrou para o contribuinte. O motivo tinha sido o mesmo. O personagem central, Charles Keating, dono da Lincoln Savings, era amigo de McCain.
O atual candidato presidencial, com a mulher Cindy e a babá, fez nada menos de nove viagens no jato privado de Keating às Baamas, hospedando-se no "resort" do amigo. Agora, advertiu Moore, "os republicanos que engendraram a atual crise e que na da década de 1980 nos enfiaram na lambança S&Ls, alegam que os mercados precisam de regulamentação".
Moore discorda. Acha que é hora da não intromissão do governo - de deixar que as empresas e os homens de negócios que criaram a lambança sejam esmagados sob o peso da própria estupidez. E quando estiver tudo terminado, "teremos gente sensata e decente para criar leis capazes de garantir que a coisa não aconteça uma vez mais - na hipótese de sobrevivermos ao caos".
*Argemiro Ferreira é correspondente do “Tribuna da Imprensa” em Nova Iorque, autor de “O Império Contra-Ataca”. No livro, mostra que, em 1992, a campanha republicana para reeleger o primeiro George Bush (o pai) foi arrebatada pelos conservadores teocráticos, para os quais se criou o neologismo theocons - fundamentalistas como os reverendos Pat Robertson, criador da Coalizão Cristã, e Jerry Falwell, da Maioria Moral. Eles estreitaram o apelo do partido, mudaram-lhe o rumo e levaram-no à derrota em duas eleições presidenciais (Bush I e Bob Dole). Um ano antes o velho Bush tinha sustado, sob a influência do secretário de Estado James Baker e do chefe do Estado Maior Conjunto, general Colin Powell, o plano da liderança civil do Pentágono, Dick Cheney à frente, de marchar para a guerra...
Sabemos da natureza do colapso financeiro presente: é decorrência das bandalheiras de participantes importantes do mercado financeiro, os quais têm conexões políticas (obviamente em função da grana e das benesses que distribuem entre políticos) suficientes para usar o Tesouro e a moeda criada à vontade pelo FED (no caso dos EUA) para cobrir os rombos. Sempre foi assim. Ideologia liberal, monetarista, conservadora, keynesiana, tudo isso é parolagem melieira para induzir bovinos a entrar nos braços de Morfeu. Em linguagem mais popular: conversa mole para boi dormir.
Os oligarcas acabam com a regulamentação do Estado na hora de criar títulos infinitamente para se locupletarem ainda mais, e recorrem à intervenção estatal para amenizar os estragos da ressaca financeira. Keynes é considerado progressista pela maioria das pessoas, o que é uma farsa, pois a intervenção estatal por ele recomendada é a dos investimentos na guerra. Como mostrou Lauro Campos, Keynes é um seguidor de Malthus, um guia dos conservadores.
Nos próprios anos 30, a oligarquia anglo-norte-americana começou a tomar medidas para tirar a economia da depressão, que perdurou até mais ou menos 1943. Como? Favorecendo a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha e arranjando a 2ª Guerra Mundial. Só as despesas desta e a mobilização de 14 milhões de homens nas FFAA puseram cobro àquela depressão, iniciada com o crack de 1929.
Em suma, isso – e mais o que o correspondente da Tribuna da Imprensa nos EUA menciona sobre MCain e Phil Gramm, etc. – é a democracia” norte-americana, britânica, francesa, alemã, etc. etc. Outra coisa. Não se iluda o leitor, imaginando que Barack Obama fará coisas diferentes das que MCain está programado para fazer.
Como se vê, a corrupção dos políticos é característica essencial das pseudodemocracias badaladas como se democracias fossem, de onde emanam, entre mil outros pretextos para intervir no Brasil e em outros países, conversas a respeito de sistema democrático, direitos humanos e defesa dos direitos dos indígenas.
A corrupção do sistema político pelo dinheiro concentrado pouco difere da praticada no Brasil, onde a desmoralização está completa. A única diferença é que aqueles países estão no centro ou associados a ele (subimperialistas), e o Brasil, como periferia riquíssima em recursos naturais, é objeto de saqueio exponencial.
*Adriano Benayon do Amaral é diplomata de carreira, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal, na Área de Economia, aprovado em 1º lugar em ambos concursos. Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
benayon@terra.com.br
Argemiro Ferreira*
O jornalista e escritor James Moore, autor de pelo menos três livros sobre o incrível George W. Bush e seu marqueteiro sem escrúpulos Karl Rove, conhece muito bem a versão republicana de capitalismo. "Eles são socialistas", diz Moore. "Desregulamentam tudo, mas quando chega o resultado do que fizeram, como agora, querem socializar as perdas: mandam a conta para o contribuinte".
Segundo as estimativas até agora (o total da conta continua a se elevar a cada dia), para socorrer as lambanças bilionárias do Bear Stearns, da AIG e dos gêmeos Freddie Mac e Fannie Mae, serão necessários uns US$ 600 bilhões. Talvez por isso Moore fica muito irritado quando ouve alguém sugerir que a atual desintegração econômica é uma mixórdia "muito complexa".
"Não é", responde ele. "Nossa crise financeira nacional pode ser perfeitamente compreendida por qualquer um que já tenha visto ganância e hipocrisia. Mas a diferença é que agora estamos testemunhando ganância e hipocrisia numa escala profunda e monumental". A conclusão final dele é ainda mais melancólica. "Esta é uma nação de idiotas da aldeia", afirmou, referindo-se aos EUA.
Moore lembra que os conservadores republicanos sempre rejeitaram intromissão do governo nos mercados e na atividade privada. Exigem redução do tamanho do estado e nada de regulamentações. Querem que os homens de negócio ganhem o máximo de dinheiro possível. Mas quando a ganância deles cria trapalhadas, exigem leis e regulamentos - e o dinheiro do contribuinte, para salvar os negócios deles.
Para o jornalista, o que o governo Bush está fazendo agora, mais uma vez, é socializar a dívida monumental de alguns gigantes de Wall Street. Os contribuintes não foram chamados a desfrutar uma parte, mínima que seja, de lucros bilionários forjados por instrumentos financeiros fraudulentos como os derivativos ou as montanhas de hipotecas sub-prime. Por que convocá-los para pagar a conta?
O socorro à AIG - gigante de seguros, ameaçada de virar anã - equivale a US$ 85 bilhões, segundo foi anunciado. Esse total é superior ao que o governo Bush gastou, durante oito anos, na ajuda a famílias com crianças dependentes. Isso também pagaria pela assistência à saúde de todos os homens, mulheres e crianças do país durante pelo menos seis meses.
Ao expor tais dados comparativos escandalosos, Moore se perguntou como o país chegou a tal disparate. E citou um personagem emblemático do partido de Bush e John McCain - Phil Gramm, texano e ex-colega de McCain no Senado. Dias depois da Suprema Corte decidir instalar Bush na Casa Branca, Gramm enfiou na lei orçamentária algo chamado Commodity Futures Modernization Act.
Objetivo do pacote de 262 páginas: impedir agências reguladoras de controlar novos instrumentos financeiros descritos como "swaps" (trocas) de crédito. São instrumentos como hipotecas sub-prime, empacotadas e vendidas como ações. Pela lei de Gramm, nem a SEC, reguladora do mercado de ações, nem a CFTC (Commodities Futures Trading Commission), de commodities, podem fiscalizar instituições financeiras como fundos "hedge" ou bancos de investimento, para assegurar que tinham ativos suficientes para cobrir as perdas que estavam garantindo.
O mercado para esses instrumentos financeiros sofisticados é estimado em US$ 60 trilhões por ano, quase quatro vezes todo o mercado de ações dos EUA. Gramm queria tudo isso completamente sem regulamentação. E não criou tal mundo de conto de fadas apenas para Wall Street. Um dispositivo de sua lei impedia ainda a regulamentação dos mercados de venda de energia, favorecendo as fraudes da Enron.
No Texas, a casa dos Gramm não podia estar melhor. Wendy Gramm, mulher de Phil, que tinha antes presidido a reguladora CFTC, ganhou emprego no conselho da Enron, que lhe rendia quase US$ 2 milhões/ano. Prêmio justo: tinha conseguido uma decisão pela qual o governo federal não fiscalizava contratos futuros de energia da Enron.
O que fazer com os lambões
Para Moore, se McCain chegar à Casa Branca Phil Gramm é candidato natural a secretário do Tesouro. Na era Reagan os dois estavam juntos na crise S&Ls (poupança e empréstimo), quando a conta de US$ 1,4 trilhão, após o colapso de 747 firmas, também sobrou para o contribuinte. O motivo tinha sido o mesmo. O personagem central, Charles Keating, dono da Lincoln Savings, era amigo de McCain.
O atual candidato presidencial, com a mulher Cindy e a babá, fez nada menos de nove viagens no jato privado de Keating às Baamas, hospedando-se no "resort" do amigo. Agora, advertiu Moore, "os republicanos que engendraram a atual crise e que na da década de 1980 nos enfiaram na lambança S&Ls, alegam que os mercados precisam de regulamentação".
Moore discorda. Acha que é hora da não intromissão do governo - de deixar que as empresas e os homens de negócios que criaram a lambança sejam esmagados sob o peso da própria estupidez. E quando estiver tudo terminado, "teremos gente sensata e decente para criar leis capazes de garantir que a coisa não aconteça uma vez mais - na hipótese de sobrevivermos ao caos".
*Argemiro Ferreira é correspondente do “Tribuna da Imprensa” em Nova Iorque, autor de “O Império Contra-Ataca”. No livro, mostra que, em 1992, a campanha republicana para reeleger o primeiro George Bush (o pai) foi arrebatada pelos conservadores teocráticos, para os quais se criou o neologismo theocons - fundamentalistas como os reverendos Pat Robertson, criador da Coalizão Cristã, e Jerry Falwell, da Maioria Moral. Eles estreitaram o apelo do partido, mudaram-lhe o rumo e levaram-no à derrota em duas eleições presidenciais (Bush I e Bob Dole). Um ano antes o velho Bush tinha sustado, sob a influência do secretário de Estado James Baker e do chefe do Estado Maior Conjunto, general Colin Powell, o plano da liderança civil do Pentágono, Dick Cheney à frente, de marchar para a guerra...
Comentário do professor doutor Adriano Benayon* sobre o assunto:
Sabemos da natureza do colapso financeiro presente: é decorrência das bandalheiras de participantes importantes do mercado financeiro, os quais têm conexões políticas (obviamente em função da grana e das benesses que distribuem entre políticos) suficientes para usar o Tesouro e a moeda criada à vontade pelo FED (no caso dos EUA) para cobrir os rombos. Sempre foi assim. Ideologia liberal, monetarista, conservadora, keynesiana, tudo isso é parolagem melieira para induzir bovinos a entrar nos braços de Morfeu. Em linguagem mais popular: conversa mole para boi dormir.
Os oligarcas acabam com a regulamentação do Estado na hora de criar títulos infinitamente para se locupletarem ainda mais, e recorrem à intervenção estatal para amenizar os estragos da ressaca financeira. Keynes é considerado progressista pela maioria das pessoas, o que é uma farsa, pois a intervenção estatal por ele recomendada é a dos investimentos na guerra. Como mostrou Lauro Campos, Keynes é um seguidor de Malthus, um guia dos conservadores.
Nos próprios anos 30, a oligarquia anglo-norte-americana começou a tomar medidas para tirar a economia da depressão, que perdurou até mais ou menos 1943. Como? Favorecendo a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha e arranjando a 2ª Guerra Mundial. Só as despesas desta e a mobilização de 14 milhões de homens nas FFAA puseram cobro àquela depressão, iniciada com o crack de 1929.
Em suma, isso – e mais o que o correspondente da Tribuna da Imprensa nos EUA menciona sobre MCain e Phil Gramm, etc. – é a democracia” norte-americana, britânica, francesa, alemã, etc. etc. Outra coisa. Não se iluda o leitor, imaginando que Barack Obama fará coisas diferentes das que MCain está programado para fazer.
Como se vê, a corrupção dos políticos é característica essencial das pseudodemocracias badaladas como se democracias fossem, de onde emanam, entre mil outros pretextos para intervir no Brasil e em outros países, conversas a respeito de sistema democrático, direitos humanos e defesa dos direitos dos indígenas.
A corrupção do sistema político pelo dinheiro concentrado pouco difere da praticada no Brasil, onde a desmoralização está completa. A única diferença é que aqueles países estão no centro ou associados a ele (subimperialistas), e o Brasil, como periferia riquíssima em recursos naturais, é objeto de saqueio exponencial.
*Adriano Benayon do Amaral é diplomata de carreira, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal, na Área de Economia, aprovado em 1º lugar em ambos concursos. Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
benayon@terra.com.br
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