domingo, 28 de setembro de 2008


Esperando o fim

Como você deve ter lido, o mundo pode acabar por estes dias. O tal acelerador de partículas com que pretendem recriar o nascimento do Universo já está em funcionamento e uma das consequências improváveis mas possíveis do experimento é que ele crie um buraco negro que nos engolirá, você, eu e toda a vizinhança. Se você está lendo isto é sinal de que ainda não aconteceu, mas acho que devemos nos portar como se o fim estivesse próximo. Eu, por exemplo, já suspendi o pagamento de todas as minhas contas, mas você pode tomar medidas mais nobres - e, no caso de haver vida depois do buraco, mais rentáveis aos olhos de Deus -, como fazer a paz com os seus desafectos, confessar os seus pecados e devolver os seus CDs emprestados.
E tente ver o lado bom da coisa. A Terra desaparecer num vácuo será terrível, claro. Por várias razões, e não apenas porque ninguém saberá como termina a novela. Mas pense em como a possibilidade da catástrofe torna insignificante coisas como os seus problemas de pele ou a má fase do Internacional. Você perderá a vida mas ganhará uma noção clara da importância relativa das coisas, mesmo que seja por pouco tempo.
Na hora de se redimir das suas calhordices para enfrentar o fim do mundo, no entanto, é importante ter cuidado e não fazer como o dr. Crispin, que quando sentiu que o seu fim se aproximava reuniu a família em torno do seu leito de provável morte e confessou tudo, tudo. A amante, a outra família que sustentava com privações da família legítima, tudo. A quase viúva, compungida, perdoou o dr. Crispin e rezou por ele. Mas aconteceu o seguinte: o dr. Crispin não morreu. Viveu mais 15 anos. Quinze infernais anos, durante os quais o mínimo que ouvia da mulher era "Foi a minha reza que te salvou, cretino", e os filhos lhe viravam a cara. Prepare-se para ser tragado pelo buraco negro, portanto, mas sem esquecer que é tudo conjectura, que nem os cientistas sabem o que o acelerador vai produzir e tudo pode terminar num humilhante traque, e com você obrigado a dar explicações embaraçosas ("Não é verdade que eu faço xixi na piscina").
Mas não há por que não aproveitar a perspectiva do fim do mundo para fazer, ou pelo menos propor, o que sempre quisemos fazer, antes que seja tarde. Tudo que a cautela, a preguiça ou o senso de ridículo, sem falar na moral e nos bons costumes, nos impediam de tentar. Estou preparando um e-mail que circulará entre alguns nomes escolhidos (não os citarei para evitar ressentimentos) e que começará com considerações filosóficas sobre os tempos e a moral, e como tempos extraordinários devem apagar barreiras que inibem e separam. Relembrarei outros tempos em que a perspectiva do desastre afectou o comportamento humano, como os frenéticos anos 20 e 30, e citarei o boato, nunca desmentido pelos que participaram, da orgia terminal no "Titanic" a caminho do fundo. Jurarei não contar nada do que se passar entre nós depois, não por discrição mas por absoluta falta de sinais vitais. E terminarei com o nome do motel, a data e a hora para o nosso encontro, advertindo que o choque de partículas que detonará o mundo pode acontecer a qualquer minuto e não teremos muito tempo. Se aparecerem só três - ou, vá lá, duas - terá valido a pena.

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