Cortina de fumaça na Raposa do Sol
O jornal "Folha de S. Paulo" assinala, em editorial de 30 de agosto último, que o Itamaraty contrariou a Constituição ao assinar (em 2007) a Declaração da Assembléia-Geral das Nações Unidas sobre os "direitos dos povos indígenas". O editor resume a incompatibilidade entre Declaração da AG da ONU e o direito de países soberanos a conservar a integridade de seu território, dizendo muito bem: "O acervo constitucional brasileiro não abriga o conceito de `povos' nem de `nações' indígenas. A lei fundamental admite apenas uma nação, um território e uma população, a brasileira."
A severa crítica é fundada, pois a Declaração prevê a "autodeterminação" de povos indígenas, ensejando que tribos indígenas troquem a tutela disfarçada pela tutela declarada das potências hegemônicas. De fato, os agentes destas, há decênios, infiltram-se nas extensas áreas econômicas ricas em minerais e em biodiversidade, nas quais vêm obtendo demarcações abusivas de "reservas indígenas" em faixas contínuas.
Com efeito, aponta o editor: "Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia... perceberam a esparrela e não assinaram a declaração da ONU". Mostra, ainda, outro ponto insustentável: o documento da ONU restringe ações militares em terras indígenas. "As áreas ocupadas por índios no Brasil são propriedade da União e, para fins de defesa nacional, estão sujeitas à presença permanente das Forças Armadas". E: "Na (zona de) fronteira, definida como a faixa de 150 quilômetros até a divisa com outros países, a presença militar é mandatória (obrigatória)."
Entretanto, depois de expor tudo isso, o editorial faz conclusão oposta aos interesses nacionais: "O decreto presidencial, contestado no Supremo Tribunal Federal, que homologou a terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, manteve-se na linha prescrita pela lei fundamental."
Diz, ainda, a "Folha": "... o Itamaraty resolveu dar sua contribuição para uma celeuma gratuita a respeito do assunto. Assinar documentos internacionais que contrariam a Constituição do País é erro diplomático elementar."
Ora, a celeuma só é gratuita para ingênuos. O jornal aparenta imparcialidade, mas defende o decreto pernicioso. Parece ter como objetivo apenas fustigar o governo, coisa que não fazia em outros tempos, quando este estava sob direção ainda mais subserviente para com a oligarquia mundial.
O decreto traz ameaça maior à integridade do território nacional do que a declaração da ONU, contra cuja aprovação, pendente no Senado, o jornal, de resto, não faz advertência clara. Se aceito pelo STF, o decreto assegura, no terreno, a exclusão dos brasileiros de todas as raças e oriundos de todas as miscigenações, sob o primado do princípio racista, determinando a expulsão dos "não-índios" e a da maioria dos índios, a qual não quer ser excluída da comunidade brasileira.
O decreto é inconstitucional não só por ferir os direitos dos brasileiros de toda e qualquer origem radicados na área, mas também por se basear em política racista de limpeza étnica. Leva, de fato, a segregar do território nacional as áreas demarcadas. Ora, a situação no terreno é determinante, pois o direito não costuma prevalecer sem a capacidade, especialmente militar, de o fazer respeitar.
Por isso, o estribilho recitado pelos defensores da entrega de territórios nacionais refere-se à Declaração da AG da ONU, retirando o foco do julgamento no STF sobre a validade do decreto de demarcação. Isso porque o essencial, no momento, para as potências hegemônicas é garantir que saiam das áreas demarcadas os brasileiros não vinculados a seu serviço direto ou por ONGs e entidades religiosas interpostas. Com ou sem o voto do Brasil aderindo à Declaração, as potências hegemônicas já obtiveram tantas capitulações de governos do Brasil e já o fizeram enfraquecer tanto que para as desencadearem o processo de "independência" de pretensas nações indígenas só falta a demarcação em faixa contínua. Elas o farão, mesmo desaprovadas por países menos afinados com o império anglo-norte-americano, como a Rússia e a China. Em função da dificuldade geo-estratégica, estas provavelmente se absteriam de intervir, embora percebam seus interesses prejudicados.
Em suma, a defesa da Amazônia não é viável sem mudança institucional profunda no Brasil. Só um sistema político não-governado pelo dinheiro concentrado, que domina as "disputas" eleitorais, pode realizar a indispensável autodeterminação nacional, que exige criar estruturas econômicas, políticas e culturais completamente distintas das presentes.
Sem reconquistar o controle da economia e das finanças onde elas se encontram (São Paulo, Rio de Janeiro etc.), não haverá como manter a Amazônia brasileira. O poder militar, indispensável para isso, só tem possibilidade de ser construído com a reconquista daquele controle.
*Adriano Benayon do Amaral é diplomata de carreira, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal, na Área de Economia, aprovado em 1º lugar em ambos concursos. Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
benayon@terra.com.br
O jornal "Folha de S. Paulo" assinala, em editorial de 30 de agosto último, que o Itamaraty contrariou a Constituição ao assinar (em 2007) a Declaração da Assembléia-Geral das Nações Unidas sobre os "direitos dos povos indígenas". O editor resume a incompatibilidade entre Declaração da AG da ONU e o direito de países soberanos a conservar a integridade de seu território, dizendo muito bem: "O acervo constitucional brasileiro não abriga o conceito de `povos' nem de `nações' indígenas. A lei fundamental admite apenas uma nação, um território e uma população, a brasileira."
A severa crítica é fundada, pois a Declaração prevê a "autodeterminação" de povos indígenas, ensejando que tribos indígenas troquem a tutela disfarçada pela tutela declarada das potências hegemônicas. De fato, os agentes destas, há decênios, infiltram-se nas extensas áreas econômicas ricas em minerais e em biodiversidade, nas quais vêm obtendo demarcações abusivas de "reservas indígenas" em faixas contínuas.
Com efeito, aponta o editor: "Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia... perceberam a esparrela e não assinaram a declaração da ONU". Mostra, ainda, outro ponto insustentável: o documento da ONU restringe ações militares em terras indígenas. "As áreas ocupadas por índios no Brasil são propriedade da União e, para fins de defesa nacional, estão sujeitas à presença permanente das Forças Armadas". E: "Na (zona de) fronteira, definida como a faixa de 150 quilômetros até a divisa com outros países, a presença militar é mandatória (obrigatória)."
Entretanto, depois de expor tudo isso, o editorial faz conclusão oposta aos interesses nacionais: "O decreto presidencial, contestado no Supremo Tribunal Federal, que homologou a terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, manteve-se na linha prescrita pela lei fundamental."
Diz, ainda, a "Folha": "... o Itamaraty resolveu dar sua contribuição para uma celeuma gratuita a respeito do assunto. Assinar documentos internacionais que contrariam a Constituição do País é erro diplomático elementar."
Ora, a celeuma só é gratuita para ingênuos. O jornal aparenta imparcialidade, mas defende o decreto pernicioso. Parece ter como objetivo apenas fustigar o governo, coisa que não fazia em outros tempos, quando este estava sob direção ainda mais subserviente para com a oligarquia mundial.
O decreto traz ameaça maior à integridade do território nacional do que a declaração da ONU, contra cuja aprovação, pendente no Senado, o jornal, de resto, não faz advertência clara. Se aceito pelo STF, o decreto assegura, no terreno, a exclusão dos brasileiros de todas as raças e oriundos de todas as miscigenações, sob o primado do princípio racista, determinando a expulsão dos "não-índios" e a da maioria dos índios, a qual não quer ser excluída da comunidade brasileira.
O decreto é inconstitucional não só por ferir os direitos dos brasileiros de toda e qualquer origem radicados na área, mas também por se basear em política racista de limpeza étnica. Leva, de fato, a segregar do território nacional as áreas demarcadas. Ora, a situação no terreno é determinante, pois o direito não costuma prevalecer sem a capacidade, especialmente militar, de o fazer respeitar.
Por isso, o estribilho recitado pelos defensores da entrega de territórios nacionais refere-se à Declaração da AG da ONU, retirando o foco do julgamento no STF sobre a validade do decreto de demarcação. Isso porque o essencial, no momento, para as potências hegemônicas é garantir que saiam das áreas demarcadas os brasileiros não vinculados a seu serviço direto ou por ONGs e entidades religiosas interpostas. Com ou sem o voto do Brasil aderindo à Declaração, as potências hegemônicas já obtiveram tantas capitulações de governos do Brasil e já o fizeram enfraquecer tanto que para as desencadearem o processo de "independência" de pretensas nações indígenas só falta a demarcação em faixa contínua. Elas o farão, mesmo desaprovadas por países menos afinados com o império anglo-norte-americano, como a Rússia e a China. Em função da dificuldade geo-estratégica, estas provavelmente se absteriam de intervir, embora percebam seus interesses prejudicados.
Em suma, a defesa da Amazônia não é viável sem mudança institucional profunda no Brasil. Só um sistema político não-governado pelo dinheiro concentrado, que domina as "disputas" eleitorais, pode realizar a indispensável autodeterminação nacional, que exige criar estruturas econômicas, políticas e culturais completamente distintas das presentes.
Sem reconquistar o controle da economia e das finanças onde elas se encontram (São Paulo, Rio de Janeiro etc.), não haverá como manter a Amazônia brasileira. O poder militar, indispensável para isso, só tem possibilidade de ser construído com a reconquista daquele controle.
*Adriano Benayon do Amaral é diplomata de carreira, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal, na Área de Economia, aprovado em 1º lugar em ambos concursos. Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.
benayon@terra.com.br
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