terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Adriano Benayon*

O COLAPSO FINANCEIRO GLOBAL

Os concentradores financeiros “privados”, reais governantes das “democracias” e de suas dependências imperiais, usam o dinheiro como arma absoluta do poder. Maquiavel, o grande mestre da política,1 já verificara no Século XVI que o ouro e as armas são os meios de conquistar e exercer a autoridade política. Eles interagem: armas podem ser adquiridas com o ouro, que pode ser obtido através das armas.
A moeda só tem valor como dinheiro se a autoridade o determinar. Na época do sábio florentino, os príncipes dotados de poder, asseguravam-no mediante a cunhagem de peças de ouro e de outros metais, as quais constituíam a moeda de curso legal.
Mas havia também, nas grandes praças financeiras da Europa, e entre si, intensa circulação de letras de câmbio. As bolsas negociavam ações de companhias, e alguns bancos emitiam notas. A família comerciante dos Medici, de Florença, após virar banqueira, em pouco tempo tornou-se dinastia real, mostrando como a finança conduz ao poder supremo.
Financistas prudentes advertiam que os títulos não deveriam corresponder a mais que 3 ou 4 vezes a quantidade da moeda, mas a relação chegou a passar de 15 vezes, em algumas épocas, na Holanda e na Inglaterra.2
A especulação é tão velha como o Mundo, mas não se deve pensar na finança apenas sob esse prisma: esta é necessária para complementar a moeda circulante, cuja escassez e pouca mobilidade emperram o comércio e os investimentos produtivos. Há que prover moeda e finança para o desenvolvimento da economia real.
Questão fundamental é esta: quem controla a emissão de numerário (meios de pagamento à vista) e a dos títulos de crédito. Os detentores desse poder têm nele a fonte de seu poder sobre a sociedade.
A eles se subordinam os presidentes e os primeiros-ministros das potências hegemônicas e os de seus associados menores e satélites. Assim, os Estados não estão sendo governados para o bem da sociedade. Ainda mais submissos são os pseudogovernantes dos países periferizados e explorados por meio do livre comércio, dos investimentos diretos estrangeiros e das demais instituições da globalização imperialista.
Os bancos centrais têm sido regidos pela oligarquia financeira, a raposa que controla galinheiros como o Banco da Inglaterra, há séculos, e o Federal Reserve (FED), nos EUA, desde sua criação em 1913.
Como disse, após a criação do FED, Louis McFadden, membro do Congresso dos EUA, depois assassinado: "Um sistema bancário mundial vem sendo preparado. Um super-Estado controlado pelos grandes banqueiros internacionais, agindo em conjunto para escravizar o mundo para o seu prazer. O banco central usurpou o governo."
Nos EUA quem emite e controla a moeda é o FED, feudo de um cartel de bancos privados. Não é o Tesouro. Kennedy autorizou-o a emitir papel-moeda, mas o decreto foi revogado por Lyndon Johnson, poucos dias após assumir a presidência em seguida ao assassinato de Kennedy. O Tesouro só emite títulos pagando juros.
Está, pois, claro quem emite e controla a moeda e o crédito e para favorecimento de quem. Os bancos, ademais das receitas com títulos públicos, auferem juros por meio de empréstimos a empresas e a pessoas físicas. O lançamento no mercado de títulos de empresas é outra fonte de ganhos. Esses títulos são objeto de vários tipos transações, como opções e swaps, e servem para criar derivativos e títulos colateralizados . Até índices de preços de ações e taxas de câmbio são securitizados.
Além de receber taxas e comissões, os bancos buscam mais lucro investindo. Primeiro, com recursos do banco central a custo inferior aos juros auferidos pelos bancos. Segundo, emprestando múltiplos dos depósitos à vista livres do depósito compulsório no banco central. Terceiro, com as aplicações das empresas e de outros investidores.
Com tanto dinheiro, inclusive da coletividade, à sua disposição, os bancos, junto com os fundos, querem fazer render essa pecúnia. Ávidos de lucros e poder, criam montanhas de ativos financeiros maiores que o Everest.
Para esse fim e usando sua ascendência sobre os políticos, desmontaram os controles instituídos nos anos 30 em face dos terríveis problemas gerados pela especulação culminada em 1929. Foram formando outra bolha a partir dos anos 80. Grana é o combustível da ideologia (neo)liberal e da globalização comandada pela oligarquia. Não há ninguém limitando suas decisões: essa é a origem do colapso financeiro mundial.3
Nos últimos vinte anos e, com mais velocidade, nos últimos dez, os ativos financeiros cresceram exponencialmente, em gritante desproporção com a inflação moderada dos ativos monetários. O estoque de títulos de crédito, inclusive derivativos, ultrapassa 500 trilhões de dólares, com grande parte de junk bonds (títulos podres).4
Essa quantidade é tão fantástica, que sua existência material seria impossível mesmo no plano simbólico, como a do papel-moeda, a dos certificados de títulos e a dos lançamentos em livros. Portanto, o atual dinheiro é virtual.
A enxurrada de transações financeiras e cambiais diárias envolvendo centenas de trilhões de dólares só se realiza através de supercomputadores. Grande parte para lavar dinheiro dos tráficos ilícitos: quanto mais movimentações, mais difícil retraçar a origem dos fundos.
David Roche, presidente da corretora Independent Strategy, de Londres, calculou que os ativos financeiros cresceram de 150% do PIB, em 1980, para 400%, em 2005, nos sete países do G-7. Mas não considerou os ativos desses países nos refúgios fiscais (offshore).
Segundo relatório do McKinsey Global Institute, os ativos financeiros no Mundo ultrapassavam 118 trilhões de dólares, no final de 2004. Mais que o dobro de 1993, e 10 vezes o total de 1980. Conforme a fonte, esses ativos correspondiam a três vezes o PIB mundial (em 1980 apenas o igualavam). A proliferação é, na realidade, muito maior, pois esses dados não incluem os derivativos, então estimados pelo BIS,5 em 278 trilhões de dólares. No 1º semestre de 2007, os ativos financeiros mundiais atingiram US$ 167 trilhões, aumentando 42% em relação a 2004, sem contar os derivativos.
A mega-inflação dos títulos financeiros foi acompanhada de estagnação na economia real, causada pelo baixo investimento na infra-estrutura e nas estruturas produtivas. Daí terem declinado os rendimentos e o emprego da classe média, desencadeando dificuldades para o pagamento de créditos em cima dos quais se criou a montanha dos derivados. A economia norte-americana foi estimulada por consumo a crédito, apesar de a maioria ter perdido renda real com a transferência em favor do segmento de 1% que, sozinho, detém 40% dela.

A inadimplência de devedores hipotecários detonou o colapso financeiro, mas a abrangência deste é muito maior, alcançando inclusive cartões de crédito e empréstimos de empresas. O sistema financeiro abusou da conversão de dívidas em títulos (securitização), classificando débitos sub-prime como AAA. Para 1 dólar em hipotecas, havia 3 em títulos.
A implosão tornou-se evidente quando Merrill Lynch e Lehman Brothers suspenderam a venda de colaterais que arrestaram dos falidos fundos hedge do Bear Stearns, por só conseguirem ofertas de 20 centavos por dólar de valor nominal.
Em julho de 2007, alastrou-se a quebra das hipotecas sub-prime. O IKB, da Alemanha foi salvo da falência por um consórcio de bancos desse país, com empréstimo de emergência de US$ 11 bilhões. Houve também a corrida bancária ao britânico Northern Rock.
O colapso já acarreta modificação estrutural no fluxo internacional de capitais. Até agosto de 2007, investidores fora dos EUA compravam mais do que vendiam títulos do governo e de corporações privadas dos EUA. Naquele mês o fluxo tornou-se negativo. Apesar de ter havido recuperação, especialmente em outubro, a média de agosto a novembro (US$ 52,1 bilhões) foi menos que metade da média de janeiro a julho (US$ 113,1).
Nos títulos de longo prazo, as vendas líquidas por estrangeiros foram US$ 86,6 bilhões, em agosto; de janeiro a julho ainda houve compras líquidas de US$ 461,5 bilhões. Só se manteve a procura por notas do Tesouro de curto prazo (até 180 dias).
Importante: a partir de outubro, parte substancial dos ingressos de divisas nos EUA provém do socorro por fundos soberanos da Ásia e do Oriente Médio, que adquirem títulos conversíveis em ações de bancos dos EUA. Em novembro, ações ordinárias do Citigroup foram compradas pelo fundo soberano de Abu Dhabi, no valor de US$ 7,5 bilhões.
O Citigroup, maior banco dos EUA, registrou, em 15.01.2008, o maior prejuízo de sua história e vendeu ações preferenciais por US$ 14,5 bilhões ao Temasek, fundo nacional de Cingapura. Captou também da Autoridade de Investimentos do Kuwait. Ao todo, US$ 26 bilhões desde o início do colapso. A Merrill Lynch recebeu, em janeiro de 2008, U$ 6,6 bilhões da Companhia de Investimentos da Coréia, da Autoridade de Investimentos do Kuwait e de outros, além de US$ 6,2 bilhões obtidos em dezembro.
O gigante suíço UBS teve prejuízo no 3º trimestre de 2007, decorrente da baixa (write-down) de 3,4 bilhões de dólares em títulos ligados aos mercados sub-prime dos EUA. No 4º trimestre, baixa de mais $10 bilhões. Então levantou US$ 17,6 bilhões: participação de 9% do governo de Cingapura no capital do banco e recursos de investidor não divulgado do Oriente Médio.
Estimam-se em US$ 100 bilhões de dólares as recentes injeções de dinheiro em bancos estadunidenses e europeus, por fundos nacionais e investidores de Abu-Dabi, Kuwait, Dubai, Arábia Saudita, China, Cingapura e Coréia do Sul.
Também ganham vulto cada vez maior as operações de resgate por parte dos bancos centrais para que os bancos não ponham à venda os ativos podres, o que faria despencar seu valor de mercado. O FED despejou, várias vezes, dezenas de bilhões de dólares em bancos dos EUA nos últimos meses de 2007. No dia 18.12.2007 o Banco Central Europeu, o FED e o Banco da Inglaterra socorreram bancos do continente europeu e ingleses com US$ 548 bilhões. Estão atiçando a inflação, sem lograr sanear os bancos.
Observadores calculam que mais de US$ 1 trilhão de ativos já ficaram sem valor nos últimos meses. A bolha pode atingir US$ 20 trilhões, segundo o Serviço de Notícias da Executive Intelligence Review. 6
Tudo isso é escondido dos olhos do grande público. A oligarquia responsável pelo colapso pretende fazê-lo pagar por este. Ilustração tragicômica é esta nota, em destaque no portal do Tesouro dos EUA: “Os EUA têm o mercado de capitais mais forte do Mundo, e essa posição é conseguida através de trabalho duro e estratégias inteligentes.”
O economista-chefe do banco de investimentos Goldman & Sachs teve de admitir: "Muita coisa mudou desde meados de julho, quando dissemos que a economia global continua a desfrutar de uma das mais fortemente sustentadas expansões na história moderna”. Daniel Mudd, executivo-chefe da Fannie Mae, importante instituição hipotecária dos EUA, declarou:“o pior da crise ainda está por vir, pois o mercado não chegará ao fundo antes do final de 2008.”


Conclusão

Os efeitos irão além da recessão em curso nos EUA. Virá a depressão, e já está difícil ocultar a natureza fraudulenta do sistema mundial de poder. Por ficar atrelada a este, a sociedade brasileira foi sacrificada demais e tolhida em seu desenvolvimento. O Brasil progrediu nos anos 30 e 40, ao cair o comércio internacional por causa da depressão nos países hegemônicos. Está na hora de o País organizar-se, controlar os capitais e desconcentrar a estrutura econômica.

*Adriano Benayon do Amaral é diplomata de carreira, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal, na Área de Economia, aprovado em 1º lugar em ambos concursos. Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.

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