O AI-5 de 1968 foi tramado pelo menos 1 ano e meio antes
Castelo saiu, veio Costa e Silva, Castelo morreu, Costa e Silva ficou “incapacitado” e logo depois morreria, queimaram Albuquerque Lima, surgiu Garrastazu Médici que ninguém sabia quem era, Orlando Geisel foi vetado, ficou como ministro do Exército para garantir a eleição e a posse do irmão Ernesto. E o Exército revoltado, jamais se vira alguma coisa parecida. Ernesto Geisel quase não toma posse, coronéis importantes queriam que depois de Medici, houvesse eleição direta. Não conseguiram.
O movimento da linha dura foi ganhando espaço, terreno e repercussão interna, só faltava o pretexto.
Este foi obtido com um discurso simples do deputado-jornalista Marcio Moreira Alves. Até mesmo esse discurso só foi “descoberto” muito tempo depois de pronunciado. Como era “pretexto”, a época que foi feita não tinha importância.
Marcio foi personagem e vítima de um episódio que não tinha a menor importância. Envolvido, quase morto, mas foi digno, bravo, correu o mundo sem saber quem era amigo ou inimigo. Só que AI-5 ficou para sempre ligado ao seu nome. Uma das grandes injustiças. Foram injustiçados também, Daniel Krieger e Djalma Marinho, dois personagens extraordinários, mortos (politicamente) com uma 45 do Exército, hoje a poderosa 9mm.
A linha dura achava que os acontecimento eram indecisos, lentos, “não aconteciam”. Pressionavam Costa e Silva, “consideravam que o presidente era um deles”, não acreditavam quando recebiam informações: “O presidente tem conversado muito com o vice Pedro Aleixo, pretende promulgar uma nova Constituição”. Ficavam desesperados e pior ainda: tinham perdido o canal direto com Costa e Silva. Como conspiradores, foram atingidos pelo pior dos males: falta de informação.
Costa e Silva assumiu em 15 de março de 1967, nada acontecia. Já se falava muito que o marechal Castelo Branco voltaria, que seria o sucessor de Costa e Silva no tempo normal, e até poderia substituir o presidente “num golpe dentro do golpe”, como já acontecera em 1964. Neste, Castelo nem era citado, falado, cogitado, amanheceu como herdeiro e coordenador da presidência para si mesmo.
Aí, em julho ainda de 1967, dois fatos rigorosamente inesperados, inexplicáveis, imprevisíveis. 1 – Castelo Branco morre num desastre de avião no Ceará. 2 – No seu velório no Clube Militar e em reuniões fechadíssimas num escritório da Pedro Lessa (ali pegado), “confraternização” geral. Militares e civis se juntam. Linha-dura e castelistas que sempre se hostilizaram conversam. Há um consenso de que “as coisas não podem continuar como estão”.
Surgia a tão desejada UNANIMIDADE: 1964 voltaria a ser o denominador comum, com a cara que quase todos queriam, linha-dura e castelistas irmanados, perseguindo o que chamavam de “verdadeira revolução”.
Não se falou em AI-5, claro. Mas foram designadas 5 pessoas (2 civis e 3 militares) para “acelerarem as coisas”. Foram identificados os “amigos” e os “inimigos”, uma única decisão definitiva: “Deveria haver o maior sigilo, o presidente Costa e Silva não poderia saber de coisa alguma, não merecia mais a confiança de ninguém”.
Costa e Silva realmente não soube de nada. Cercado pela mais completa mediocridade, civil e militar, gastava o tempo com filmes de bangue-bangue e informes “colhidos” por Gama e Silva, que jamais se transformavam em “informações”. Mais ou menos em abril de 1968, “descobriam” o pretexto, Costa e Silva e o governo não souberam de nada.
Licença para processar deputado, heroísmo de Djalma Marinho, liderança de Daniel Krieger contra o golpe, manobras na Câmara, e Costa e Silva, isolado, ignorado, desprezado. Dias antes, inesperadamente recebe Krieger (que era boicotado), sabe das coisas, não podia fazer mais nada. O problema chegou oficialmente a ele no dia 12 de dezembro, quando a Câmara votou e negou a licença para processar Marcio Moreira Alves.
O AI-5 era para ser “editado” no dia 12, Costa e Silva deixou para o dia 13. Às 9 da noite, foi lido na televisão. Acabara de chegar do jornal, me vesti para voltar. Sabia que ia ser preso, tinha algumas providências urgentes a tomar.
Quando ia saindo, apressado, o telefone tocou: era Carlos Lacerda. Não queria atender ninguém, ele era diferente. Perguntou: “O que vai acontecer comigo?” Resposta: “Carlos, esse é o verdadeiro golpe que queriam dar em 1964, você vai ser preso e cassado”. O governador rugiu: “Você está acostumado a adivinhar, não serei preso nem cassado”.
Como era natural, fui preso na mesma noite. Lacerda no dia seguinte, às 8 da manhã. Foi levado para o Caetano de Farias, onde eu estava. Me abraçou e disse, generosamente: “Está bem, Helio, fui preso mas não serei cassado”. Foi cassado no dia 30 de dezembro de 1968. No dia 2 de janeiro de 1969, partiu para uma longa viagem. Abandonou a vida pública, com o meu protesto. Já deixara isso bem claro nos 10 dias em que esteve preso, não consegui demovê-lo.
PS – Em 1974, fim do governo Médici, muitos já queriam eleição direta. Principalmente o bravo coronel de então, Otavio Costa. Foram superados, 1968 liquidava tudo. Apenas 1 ano, mas a conspiração dura era invencível.
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