sábado, 15 de março de 2008

CRISE DO DÓLAR

No dia 15 de março de 1968, há exatos 40 anos, manchete do jornal Tribuna da Imprensa anunciava: “Para salvar dólar, EUA tiram cobertura ao ouro”. A reportagem dizia:

Senado norte-americano aprovou ontem à noite o projeto de lei relativo à supressão da cobertura-ouro do dólar, enquanto que o Conselho da Reserva Federal aprovava o aumento da taxa de desconto praticada pelos bancos federais de 4,5% para 5%. Trata-se de medidas com caráter de urgência adotadas pelo presidente Lindon Johnson para contrabalançar a "explosão" do ouro na Europa, onde as vendas ontem ultrapassaram todos os recordes anteriores. Em Washington, informou-se que o presidente Lindon Johnson empregou ontem o "telefone vermelho" para pedir ao primeiro-ministro Harold Wilson que ordenasse o fechamento do mercado londrino de ouro durante o dia de hoje.

O Não-Sistema de Breton Woods e a hegemonia do dólar
Para se compreender a importância daquela decisão para os dias de hoje é necessário que se entenda que após a 2ª Guerra Mundial foi estabelecido o sistema de Breton Woods. Conforme acordo assinado em 1946, uma onça de ouro equivalia a 35 dólares, e, nessa paridade, a maioria das moedas foram atreladas ao dólar americano que, pela força político-militar dos EUA, ganhou o status de moeda mundial. Assim, qualquer dinheiro poderia ser convertido em dólares e resgatado em ouro, o que foi mantido até 1971, quando o Governo Norte Americano, pressionado pela inflação decorrente dos gastos com a Guerra do Vietnã e pelos gastos descontrolados por causa da Guerra Fria, rompeu unilateralmente o acordo. A arquitetura montada em Breton Woods acabava alí, devido a um defeito fundamental: a moeda internacional era a moeda de um país: o dólar. Políticos e técnicos que participaram dos debates de Breton Woods, como Lord Keynes, já tinham apontado para essa questão. Enquanto essa moeda fosse emitida de maneira moderada, haveria a possibilidade de ser aceita pelas outras nações como moeda internacional. Mas, os países industrializados do Ocidente, neste período, já haviam recuperado suas economia e viam na hegemonia do dólar um entrave às suas políticas econômicas. Por isso, apesar da prosperidade geral – e 1968 é um ano de grande crescimento, que dura até 1973 – os europeus começaram a contestar o papel do dólar na economia mundial. Os primeiros foram os franceses, alegando não estarem mais obrigados a aceitar o dólar como representante da riqueza real porque ele excederia o demandado para as trocas internacionais e pelos negócios financeiros. Viam o dólar - e os gastos dos EUA - como fator de inflação. O presidente De Gaulle, um nacionalista, pôs o dedo na ferida. Começou a trocar dólares excedentes pelo ouro de Fort Knox. Por isso, em 1971, Nixon declarou unilateralmente a inconversibilidade. Quer dizer, simplesmente, que deu calote em todo mundo, fato que geraria toda a situação de crise estrutural dos países da América Latina nos Anos 80 e 90, com as crises das dívidas externas e o processo de privatização/desnacionalização, respectivamente. Entre 1968 e 1971, na crise do dólar, começou a surgir o chamado Euro Mercado, com a criação dos petro-dólares. Ou seja, na falta de lastro-ouro, passou-se a considerar o petróleo como garantia de poder para a moeda norte-americana. Era um mercado monetário que se expandia fora do controle das autoridades – também produto dos excessos e do déficit da balança de pagamentos norte-americanos -, que punha mais dólar para fora do que os seus parceiros mais importantes estavam dispostos a absorver. Quando o Banco da Alemanha, um banco central conservador, tinha excedentes em sua balança de pagamentos, refluía esse excesso de dólares e o re-depositava no Euro Mercado. Este excesso servoiu para se criar linhas de crédito, a juro barato, para os países em desenvolvimento. Essa foi uma das razões do milagre brasileiro, pois o Brasil começou a se endividar em dólar rapidamente a partir da expansão desse mercado, cujas taxas de juros eram convidativas – a 6% ao ano. Mas, quando os norte-americanos declararam a inconversibilidade, em 1971, e permitiram a flutuação em 1973 (até então, as taxas de câmbio eram fixas e administradas pelo FMI, sendo preciso sua licença para a desvalorização de uma moeda), a conseqüência foi o início da flutuação das taxas. Esse foi um dos fatores que deflagrou o aumento do preço do petróleo, fixado em dólares. Portanto, não foram os conflitos do Oriente Médio (crises do petróleo) que geraram a crise econômica mundial, mas, o contrário, foram as crises financeiras vinculadas à questão do dólar não-lastreado que provocariam as crises deliberadas do petróleo. Durante toda a década de 70 houve grande controvérsia sobre a substituição do dólar como moeda de reserva, sendo feitas várias tentativas que se mostraram infrutíferas. Os Estados Unidos saíram da guerra do Vietnã derrotados política e militarmente. Foi um período em que se falava que a hegemonia norte-americana havia terminado, que seu poder estava no fim, que a Alemanha e o Japão iriam substituí-los e coisa e tal. Mas, na reunião do FMI em 1979, em Belgrado, os Estados Unidos impuseram novamente a hegemonia do dólar, que estava em xeque a partir dos interesses europeus. Os Estados Unidos forçaram a barra e valorizaram o dólar e fizeram um déficit fiscal. Reagan fez uma redução de impostos que favoreceu os ricos e a classe média mais alta. Depois de 1981/1982 começou a baixa na taxa de juros, abrindo um tremendo ciclo de consumo e de importações nos Estados Unidos. Japão, Coréia e Taiwan exportaram muito até 1985. O Japão conseguia superávites monumentais à custa dos déficits norte-americanos. O que permitia que os Estados Unidos fizessem isso, sem qualquer problema adicional de balança de pagamento, era o fato de terem o poder da moeda de reserva, podendo pagar o seu déficit em dólar, e todo mundo aceitava. Ou seja, eles tinham - e têem - a maquininha de fazer dinheiro. O que mudou a partir dos anos 70 é que os Estados Unidos passaram a financiar o seu déficit emitindo papéis do Tesouro norte-americano, que funcionaram como uma espécie de colchão de liquidez. Quando ocorreu a crise da dívida externa na América Latina, devido ao aumento unilateral na taxa de juros, o déficit norte-americano fiscal permitiu que os bancos limpassem aqueles créditos podres latino-americanos. Em seu lugar, entraram títulos do governo norte-americano, pagando taxas de juros convidativas. Dessa forma, o déficit dos EUA salvou os bancos norte-americanos porque permitiu-lhes trocar ativos podres por outros com liquidez no mercado. Muitos acharam que, se os Estados Unidos estavam se endividando, iriam quebrar. Mas isso não ocorreu, pois os bancos privados estavam dispostos a aceitar aqueles papéis de dívida norte-americana em suas carteiras. Com isso, a dívida norte-americana funcionou como um mecanismo de transição para o sistema bancário. Se o governo dos EUA não tivesse feito um déficit durante o governo Reagan - e não tivesse emitido dívida pública - os bancos norte-americanos teriam quebrado. Os Estados Unidos salvaram o seu sistema bancário emitindo títulos da dívida pública e, ao mesmo tempo, se transformaram – de credores globais desde o final da I Guerra Mundial – em devedores globais (a dívida pública norte-americana, hoje, é de três trilhões de dólares).

A atual crise estrutural do dólar: calote global

O problema do dólar, hoje, é que ele está em ruína. Está hiperinflacionado com relação às principais moedas dos países industrializados e dos grandes exportadores de matérias-primas. A dívida dos EUA com o mundo está no limite. O sistema de poder financeiro mundial, subjugado pelo padrão dólar, está completamente desacreditado, falido. Os bancos estão caindo aos pedaços em todos os países ditos desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos e Japão. Prevê-se um colapso a qualquer momento. As sucessivas guerras nos anos 80 e 90, apenas serviram para protelar a solução do problema. Devido à ocupação militar no Oriente Médio - ampliada a partir da crise do petróleo da década de 70 -, mesmo com o déficit público monstruoso dos EUA, o dólar inflacionado compra artificialmente o petróleo, base de toda a economia americana e ocidental. Portanto, mesmo sem garantia alguma na economia real, o dólar representa ainda aproximadamente dois terços de todas as reservas de câmbio oficiais. Mais de quatro quintos de todas as transações estrangeiras e metade de todas as exportações mundiais baseiam-se numa moeda completamente fictícia, cujo lastro assenta-se apenas no potencial bélico norte-americano. Além disso, todos os empréstimos do FMI são denominados em dólares. Mas quanto mais dólares circulam fora dos EUA, ou são investidos por possuidores estrangeiros em ativos americanos, mais o resto do mundo tem de fornecer aos EUA bens e serviços em troca destes dólares. Para os EUA, produzir dólares não custa quase nada. Isto significa que os americanos estão importando vastas quantidades de bens e serviços virtualmente gratuitos. Uma vez que muitos dólares possuídos por estrangeiros não são gastos com bens e serviços americanos, os EUA são capazes de manter um enorme e crônico déficit comercial sem aparentemente quaisquer conseqüências econômicas maiores. Os números mostram, por exemplo, que em Novembro de 2002 as importações americanas foram 48% superiores às exportações. Nenhum outro país poderia manter um déficit comercial tão grande, impunemente. Portanto, os EUA, por uma questão apenas de força militar, mantém sua moeda como padrão internacional, mas não tem lastro algum. Eles estão atuando como o "consumidor de última instância", ou seja, estão obtendo um empréstimo maciço e sem juros do resto do mundo sem o compromisso de honrar estes empréstimos. Há uma total inversão da realidade. É pura ideologia. Na verdade, o que acontece é que os países periféricos - que possuem (mas não controlam totalmente) garantias energéticas e minerais reais para o padrão-dólar, inclusive e principalmente o petróleo -, estão "importando" as dificuldades da economia americana, estão assumindo problemas não da periferia, mas dos centros financeiros, pois não possuem soberania sobre as decisões macroeconômicas. Por isso, os americanos suportam um situação insólita em que a sua dívida externa assume cifra gigantesca: mais US$3 trilhões. Essa vulnerabilidade provém dos déficits na conta corrente com o exterior, da ordem de US$ 500 bilhões por ano. Trata-se, como ensina o doutor Adriano Benayon, da UnB, "de dependência análoga à do Brasil e à da Argentina, pois quanto mais o balanço de pagamentos se equilibra por meio de investimentos diretos estrangeiros, mais crescem os fatores do desequilíbrio". Porém, não são eles que são obrigados a pagar a conta. Em decorrência das ridículas medidas de submissão de países como o nosso, com uma elite covarde e apátrida, com discursos sobre Banco Central independente, superávit fiscal e coisas do gênero, somos nós, detentores de riquezas efetivas, que pagamos o descontrole financeiro ianque. O ingresso de capitais estrangeiros nos EUA subiu de US$ 142 bilhões em 1990 para US$ 466 bilhões em 1996. Em 2000 atingiu 1,24 trilhão, em grande parte decorrentes da festa exploratória das transnacionais sediadas nos países periféricos. Mas os norte-americanos, diferentes de outros países como o Brasil, repito, não são obrigados a manter suas contas controladas pelo FMI e, a continuar o atual sistema financeiro mundial, jamais serão obrigados a resgatar estas dividas. É apenas isto que está fazendo com que o dólar caia.

A seguir, artigo meu, de 2003, que fala sobre o problema:

Em defesa de Bush Jr.

"Leão ferido dá mordeduras mais violentas" (Catão)

Não são justas as análises simplificadoras e ingênuas da mídia que colocam o presidente George W. Bush como um monstro ou um energúmeno sanguinário. Mesmo que seu intelecto não seja dos mais geniais, ele não é, definitivamente, um camarada mau nem bobo. Pelo contrário, é um cidadão patriota que está tentando salvar os EUA da bancarrota, impedir a queda do Império sob seu comando. Digo isto porque, ao contrário do que se fala, o governo norte-americano está totalmente desesperado com a ruína iminente da sua economia.Segundo W. Clark, do jornal "Indy Time", o temor do Federal Reserve (Banco Central americano) é de que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), nas suas transações internacionais, abandone o padrão dólar e adote definitivamente o euro. O Iraque fez esta mudança em novembro de 2000 - quando o euro valia cerca de US$ 0,80(hoje está a U$1,07) - e escapou ileso da depreciação do dólar frente à moeda européia (o dólar caiu 15% em relação ao euro em 2002).Esta informação, se analisada por aqueles que conhecem os problemas estruturais do sistema de Breton Woods e as atuais limitações energéticas dos norte-americanos, coloca em dúvida a hegemonia do dólar no mundo e explica a razão pela qual a administração Bush quer, desesperadamente, mais um regime servil na história da Mesopotâmia.Se o presidente norte-americano tiver sucesso, o Iraque voltará ao padrão dólar, não correndo o risco de servir de modelo alternativo para outros países dependentes como o Brasil. É por esta razão que o governo norte-americano, ao mesmo tempo, espera também vetar qualquer movimento mais vasto da Opep em direção ao euro.Por isso, essa informação é tratada quase como um segredo de Estado, pois governos dependentes como o nosso, que apostaram tudo no modelo neoliberal, iriam para o fundo do poço junto com seus chefes norte-americanos. Isso porque os países consumidores de petróleo teriam de despejar dólares das reservas dos seus bancos centrais - atualmente submetidos ao FMI- e substituí-los por euros.O dólar entraria em crash com uma desvalorização da ordem de 20% a 40% e as conseqüências, em termos de colapso da divisas e inflação maciça, podem ser imaginadas. Pense-se em algo como a crise Argentina em escala planetária, por exemplo.Na verdade, o que permeia toda essa discussão é a chamada "crise dos combustíveis fósseis". O físico e pensador Batista Vidal lembra que "as reservas de petróleo estão extremamente concentradas em poucos pontos do planeta, pois o total descoberto no mundo está situado em vinte campos supergigantes".Assim, na ótica do Primeiro Mundo, se os atuais países em desenvolvimento realmente se desenvolvessem, o Mundo teria ou que descobrir meia dúzia de campos supergigantes ou o petróleo acabaria em 10 ou 15 anos.Por isso, o sistema de poder financeiro mundial, subjugado pelo padrão dólar, está completamente desacreditado, falido. Os bancos estão caindo aos pedaços em todos os países ditos desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos e Japão. Prevê-se um colapso a qualquer momento. Agora o que sustenta isso?Devido à ocupação militar no Oriente Médio - ampliada a partir da crise do petróleo da década de 70 -, mesmo com o déficit público monstruoso dos EUA, o dólar inflacionado compra artificialmente o petróleo, base de toda a economia americana e ocidental.Portanto, Saddam selou o seu destino quando, em fins de 2000, decidiu mudar para o euro, posteriormente convertendo US$ 10 mil milhões de seu fundo de reserva. A partir daquele momento, tocou no calcanhar de Aquiles do Império e uma outra Guerra do Golfo tornava-se um imperativo para Bush Jr.. Ou seja, o que está em jogo não é nem o caráter texano caricato de Bush, nem uma questão de segurança nacional norte-americana, mas a continuidade da falácia do dólar, as manipulações com os mercados flutuantes de câmbio e a ilusória proliferação dos ativos financeiros. Esta informação é censurada pela imprensa norte-americana e suas vassalas tupiniquins, bem como pela administração Bush, pois tal verdade pode potencialmente reduzir a confiança dos investidores e dos consumidores, diminuir os empréstimos/gastos dos consumidores, criar pressão política para a formação de uma nova política energética que gradualmente nos afaste do petróleo do Oriente Médio e da órbita anglo-americana; e faça com que projetos como o nosso Pró-Alcool mostrem sua força. E o governo brasileiro atual, infelizmente, não tem a menor idéia de que tudo isso acontece. Os petistas - assim como os tucanos no passado recente - estão tão preocupados em consolidar a transformação do Brasil em província estipendiária do colosso americano em decomposição, mantendo taxas de juros assassinas, garantindo Bacen independente (desastre!), mentindo para os miseráveis com promessas de esmolas, etc., que criminosamente perpetuam o nosso Brasil atrelado a uma bomba relógio chamada economia americana e sistema financeiro mundial. Ou seja, apostam no desastre. Bush, ao contrário de Lula, pelo menos tenta desempenhar o papel para que fora eleito: o de presidente dos EUA.

Leitura adicional recomendada:
- Makhijani, Arjun, "Saddam's Last Laugh: The Dollar Could be Headed for Hard Times if OPEC Switches to the Euro."
TomPaine.com (May 9, 2001) - Beams, Nick, "Iraq, Oil, Dollars, Euros, and Dead Iraqis," Information Clearing House (February 2003)

Leia mais:
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