Quem deve a quem?
Muitas vezes, chega-nos pela Internet o texto de um discurso - atribuído ao fictício cacique Cuautémoc - perante uma conferência de chefes de Estado. Diante dos “credores”, ele ironiza a dívida externa latino-americana, ao, com benevolência, comparar a pilhagem de nosso continente a um empréstimo aos colonizadores. Afirma o orador: “O contrário disso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas devolução, mas indenização por perdas e danos.”
Mais: “Não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos europeus, as [...] taxas de 20% e até 30% de juros ao ano, que eles cobram dos povos do Terceiro Mundo. Limitar-nos-emos a exigir a devolução dos metais preciosos, acrescida de juro de 10%, acumulado durante os últimos 300 anos [...] Exigimos a assinatura de carta de intenções que enquadre os devedores e os obriguem a cumpri-la, sob pena de privatização ou conversão da Europa.”
“Outro [...] financista europeu me explica que toda dívida se paga com juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos.” E, citando dados do Arquivo da Cia. das Índias Ocidentais: “Somente entre os anos 1503 e 1660, chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América.”
185 mil kg de ouro são 6 milhões de onças-troy. Ao preço atual, US$ 630 por onça, resultam US$ 3,8 bilhões. 16 milhões de kg de prata, a US$ 14 por onça, valem US$ 7,3 bilhões. Somando: US$ 11 bilhões.
Multiplicamos esse total por 1,03 elevado a 300 (taxa de juros razoável, de 3% aa.)
Isso perfaz US$ 78,1 trilhões, quase o PIB mundial.
A 12% aa., seria 1,12 elevado a 300 = 582,65 trilhões, fator que eleva os US$ 11 bilhões para US$ 6,4 septilhões = 6,4 x 10 elevado a 24. São 24 zeros à direita!
E o Brasil? O ouro extraído de Minas Gerais, no Século XVIII, supera de longe as cifras do México e do Peru. Ainda mais valiosos foram os diamantes. O grosso foi parar na Inglaterra, de quem Portugal era um satélite desde a “aliança” de 1661. Cito Fernand Braudel:
“Um ciclo ‘espanhol’ (o ouro das Antilhas, da Nova Espanha, da Nova Granada e do Peru) foi seguido por um ciclo ‘português’ (o ouro do Brasil). No primeiro, em 120 anos, 170 tons. de ouro foram despejadas na Europa; no segundo, com a mesma duração, 442 tons. (P. Chaunu, “Conquête et Exploitation des Nouveaux Mondes, 1969, pp. 301 e segs. ; F. Mauro, Études Économiques sur l’Expansion Portugaise, 1970, p. 177).
442 toneladas equivalem a 14,36 milhões de onças troy. Ao preço atual são US$ 9,05 bilhões. Saíram também 1,67 milhões de quilates de diamantes, de 1740 a 1763. Na média, 70 mil quilates por ano. Estimado um fluxo médio anual de 60 mil quilates no Século XVIII, são 6 milhões de quilates. O valor atinge US$ 15 bilhões, ao preço de US$ 2.500 por quilate (o quilate pode valer mais de US$ 20.000).
Total = US$ 24 bilhões. Desde meados do Século XVIII, passaram 250 anos. A 3 % aa., chega-se a US$ 38,85 trilhões. A 12% aa., a conta ascende a 48,4 sextilhões, i.e.: 48,4 x 1.000.000.000.000.000.000.000.
Notável: 12% ao ano produzem, em 300 anos, um montante, que parece aumentar pouco ao lhe ser acrescida a assombrosa quantia acima descrita, gerada pelos mesmos 12%, mas por “só” 250 anos. Mais incrível: a taxa está sendo aplicada sobre um capital superior ao dobro do capital que cresceu para aquele montante. Pois é: 64 septilhões + 48,4 sextilhões = 64,05 septilhões. A moral é: brincar com tempo e com juros equivale a brincar, não só com dinamite, mas com bombas nucleares.
E outras épocas? E outros bens? E as outras áreas saqueadas? Só de 1763 a 1815 - e o Império britânico ainda não estava proclamado! - foi arrancado da Índia valor estimado em 750 milhões de libras esterlinas, sem contar todas as perdas no comércio exterior. Em preços atuais, são 47 bilhões de libras = US$ 92 bilhões, ou seja, quase 4 vezes o ouro e os diamantes brasileiros no Século XVIII.
O pior é que o saqueio continua, como mostro em meu livro. No Brasil, com a economia dominada pelas transnacionais, as perdas anuais são mais de 20% do PIB, por meio de 15 mecanismos. Só nessas transferências, afora juros, vão mais de US$ 200 bilhões por ano.
Adriano Benayon do Amaral é diplomata de carreira, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal, na Área de Economia, aprovado em 1º lugar em ambos concursos. Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.benayon@terra.com.br
Muitas vezes, chega-nos pela Internet o texto de um discurso - atribuído ao fictício cacique Cuautémoc - perante uma conferência de chefes de Estado. Diante dos “credores”, ele ironiza a dívida externa latino-americana, ao, com benevolência, comparar a pilhagem de nosso continente a um empréstimo aos colonizadores. Afirma o orador: “O contrário disso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas devolução, mas indenização por perdas e danos.”
Mais: “Não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos europeus, as [...] taxas de 20% e até 30% de juros ao ano, que eles cobram dos povos do Terceiro Mundo. Limitar-nos-emos a exigir a devolução dos metais preciosos, acrescida de juro de 10%, acumulado durante os últimos 300 anos [...] Exigimos a assinatura de carta de intenções que enquadre os devedores e os obriguem a cumpri-la, sob pena de privatização ou conversão da Europa.”
“Outro [...] financista europeu me explica que toda dívida se paga com juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos.” E, citando dados do Arquivo da Cia. das Índias Ocidentais: “Somente entre os anos 1503 e 1660, chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América.”
185 mil kg de ouro são 6 milhões de onças-troy. Ao preço atual, US$ 630 por onça, resultam US$ 3,8 bilhões. 16 milhões de kg de prata, a US$ 14 por onça, valem US$ 7,3 bilhões. Somando: US$ 11 bilhões.
Multiplicamos esse total por 1,03 elevado a 300 (taxa de juros razoável, de 3% aa.)
Isso perfaz US$ 78,1 trilhões, quase o PIB mundial.
A 12% aa., seria 1,12 elevado a 300 = 582,65 trilhões, fator que eleva os US$ 11 bilhões para US$ 6,4 septilhões = 6,4 x 10 elevado a 24. São 24 zeros à direita!
E o Brasil? O ouro extraído de Minas Gerais, no Século XVIII, supera de longe as cifras do México e do Peru. Ainda mais valiosos foram os diamantes. O grosso foi parar na Inglaterra, de quem Portugal era um satélite desde a “aliança” de 1661. Cito Fernand Braudel:
“Um ciclo ‘espanhol’ (o ouro das Antilhas, da Nova Espanha, da Nova Granada e do Peru) foi seguido por um ciclo ‘português’ (o ouro do Brasil). No primeiro, em 120 anos, 170 tons. de ouro foram despejadas na Europa; no segundo, com a mesma duração, 442 tons. (P. Chaunu, “Conquête et Exploitation des Nouveaux Mondes, 1969, pp. 301 e segs. ; F. Mauro, Études Économiques sur l’Expansion Portugaise, 1970, p. 177).
442 toneladas equivalem a 14,36 milhões de onças troy. Ao preço atual são US$ 9,05 bilhões. Saíram também 1,67 milhões de quilates de diamantes, de 1740 a 1763. Na média, 70 mil quilates por ano. Estimado um fluxo médio anual de 60 mil quilates no Século XVIII, são 6 milhões de quilates. O valor atinge US$ 15 bilhões, ao preço de US$ 2.500 por quilate (o quilate pode valer mais de US$ 20.000).
Total = US$ 24 bilhões. Desde meados do Século XVIII, passaram 250 anos. A 3 % aa., chega-se a US$ 38,85 trilhões. A 12% aa., a conta ascende a 48,4 sextilhões, i.e.: 48,4 x 1.000.000.000.000.000.000.000.
Notável: 12% ao ano produzem, em 300 anos, um montante, que parece aumentar pouco ao lhe ser acrescida a assombrosa quantia acima descrita, gerada pelos mesmos 12%, mas por “só” 250 anos. Mais incrível: a taxa está sendo aplicada sobre um capital superior ao dobro do capital que cresceu para aquele montante. Pois é: 64 septilhões + 48,4 sextilhões = 64,05 septilhões. A moral é: brincar com tempo e com juros equivale a brincar, não só com dinamite, mas com bombas nucleares.
E outras épocas? E outros bens? E as outras áreas saqueadas? Só de 1763 a 1815 - e o Império britânico ainda não estava proclamado! - foi arrancado da Índia valor estimado em 750 milhões de libras esterlinas, sem contar todas as perdas no comércio exterior. Em preços atuais, são 47 bilhões de libras = US$ 92 bilhões, ou seja, quase 4 vezes o ouro e os diamantes brasileiros no Século XVIII.
O pior é que o saqueio continua, como mostro em meu livro. No Brasil, com a economia dominada pelas transnacionais, as perdas anuais são mais de 20% do PIB, por meio de 15 mecanismos. Só nessas transferências, afora juros, vão mais de US$ 200 bilhões por ano.
Adriano Benayon do Amaral é diplomata de carreira, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e, depois, do Senado Federal, na Área de Economia, aprovado em 1º lugar em ambos concursos. Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e Advogado, OAB-DF nº 10.613, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi Professor da Universidade de Brasília e do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.benayon@terra.com.br
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