Dois textos interessantes falando da mesma coisa, a situação do Egito atual, mas com interpretações bastante diferentes. O primeiro saiu hoje no Valor Econômico. Escrito pelo cientista político e professor da FGV-SP, Cláudio Gonçalves Couto, o artigo “A esfinge do levante egípcio” defende a idéia de que “não existe democracia sem que haja secularização” e que “nas sociedades islâmicas, muito pouco secularizadas, paradoxalmente a tutela militar parece ser a única forma de assegurar ao menos a secularização do Estado e, consequentemente, algum grau de democracia”. Seria interessante saber se o autor aplica tal raciocínio apenas às sociedades islâmicas ou se poderia aplicá-lo também para o caso de um outro estado também nada secular, nada tolerante, nada inclusivo, mas que o Ocidente insiste em considerar uma verdadeira democracia: Israel, que é um Estado teocrático, como o Irã. O outro artigo é “O Egito à beira do sangue”, escrito por Thierry Meyssan, analista político francês, presidente-fundador do Réseau Voltaire da conferência Axis for Peace. Thierry tenta mostrar as diferenças entre o caso tunisiano e o egípcio, os equívocos dos analistas ocidentais sobre as realidades dos países do Oriente Médio e África. Confiram os textos.
A esfinge do levante egípcio
Ainda são muito incertas as consequências do levante de massas que convulsiona o Egito e pode levar à derrubada do regime autoritário de Hosni Mubarak. A principal razão para isto é que as forças de oposição - que hoje se escoram na grande insatisfação popular para abalar a estrutura de poder vigente - são muito dispersas e diversificadas. É mais fácil galvanizar uma efêmera aliança negativa entre elas (para derrubar o atual governo) do que erigir coalizões capazes de conduzir adiante projetos de poder mais consistentes. E, para quem, otimista, vê na atual movimentação um desabrochar da democracia num país árabe, um alerta: a mais estruturada das organizações políticas de oposição não é laica, mas religiosa: a Irmandade Islâmica.
(…)
Nas democracias vigentes em sociedades mais secularizadas, tais quais as latino-americanas, essa presença das forças armadas como garantidoras de certos limites para o funcionamento do sistema político é sempre vista como tutela, algo a se lamentar. É assim no Brasil, em que a Constituição de 1988 confere aos militares a função de garantir "os poderes constitucionais" e a "lei e a ordem" internas; foi assim também no Chile pós-Pinochet. Entretanto, nas sociedades islâmicas, muito pouco secularizadas, paradoxalmente a tutela militar parece ser a única forma de assegurar ao menos a secularização do Estado e, consequentemente, algum grau de democracia.
Clique aqui para conferir o texto completo...
A esfinge do levante egípcio
Ainda são muito incertas as consequências do levante de massas que convulsiona o Egito e pode levar à derrubada do regime autoritário de Hosni Mubarak. A principal razão para isto é que as forças de oposição - que hoje se escoram na grande insatisfação popular para abalar a estrutura de poder vigente - são muito dispersas e diversificadas. É mais fácil galvanizar uma efêmera aliança negativa entre elas (para derrubar o atual governo) do que erigir coalizões capazes de conduzir adiante projetos de poder mais consistentes. E, para quem, otimista, vê na atual movimentação um desabrochar da democracia num país árabe, um alerta: a mais estruturada das organizações políticas de oposição não é laica, mas religiosa: a Irmandade Islâmica.
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Nas democracias vigentes em sociedades mais secularizadas, tais quais as latino-americanas, essa presença das forças armadas como garantidoras de certos limites para o funcionamento do sistema político é sempre vista como tutela, algo a se lamentar. É assim no Brasil, em que a Constituição de 1988 confere aos militares a função de garantir "os poderes constitucionais" e a "lei e a ordem" internas; foi assim também no Chile pós-Pinochet. Entretanto, nas sociedades islâmicas, muito pouco secularizadas, paradoxalmente a tutela militar parece ser a única forma de assegurar ao menos a secularização do Estado e, consequentemente, algum grau de democracia.
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O Egito à beira do sangue
Há uma semana parte dos meios de comunicação ocidentais fazem eco das manifestações e da repressão que agitam as grandes cidades egípcias. Traçam um paralelo com as que derrubaram de Zine el-Abidine Ben Ali na Tunísia e evocam um vendaval de revolta no mundo árabe. Segundo eles, este movimento podia estender-se à Líbia e à Síria. Devia favorecer aos democratas laicos e não aos islamitas, prosseguem eles, porque a influência dos religiosos foi subestimada pela administração Bush e o "regime dos molllah" no Irã é um dissuasor. Assim se concretizariam os votos de Barack Obama na Universidade do Cairo: a democracia reinará no Próximo Oriente. Esta análise é falsa segundo todas as perspectivas.
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