quarta-feira, 28 de abril de 2010

Déficit nas contas externas cresce e BC quer mais juros

Impulsionado por remessas e importações, déficit atingiu US$ 12,145 bilhões no primeiro trimestre

Por Carlos Lopes

Os resultados das contas externas em março e no primeiro trimestre foram ruins. Infelizmente, não é possível obter tranquilidade apenas com a comparação em relação a épocas em que a nossa situação era pior. Realmente, temos de agradecer ao Todo-Poderoso e ao povo brasileiro por não termos um tucano na Presidência – senão, estaríamos falando de catástrofe, em vez de resultado ruim. Mas isso não basta.Dilma Rousseff tem toda a razão em que “temos de tomar medidas para reduzir a nossa necessidade de financiamento externo” (Valor Econômico, 23/04/2010). Aliás, o problema nas contas externas revela, exatamente, que no estágio em que o governo Lula colocou o país, esse terá que ser o próximo passo para garantir o crescimento. Vejamos os números:

BALANÇA COMERCIAL

Em março o comércio exterior teve apenas um pequeno superávit (US$ 668 milhões). E não foi porque exportamos pouco. Pelo contrário: em um mês as exportações somaram US$ 15,727 bilhões. Porém, as importações montaram a US$ 15,059 bilhões.
Da mesma forma, no trimestre o saldo comercial foi apenas US$ 892 milhões, apesar de termos exportado, no mesmo período, US$ 39,230 bilhões – mas as importações chegaram a US$ 38,337 bilhões.
As importações que mais cresceram (+41,5%) foram as de bens intermediários e matéria-prima, ou seja, insumos para a indústria, que foram quase metade (48,2%) delas, e o setor que mais importou foi o de material elétrico e de comunicações, com um déficit de US$ 3,6 bilhões – um aumento, no déficit, de 75,9% em relação ao mesmo trimestre do ano passado.
Assim, com a indústria comprando fora do país - inclusive o que antes de 1995 (isto é, antes do governo Fernando Henrique) era comprado dentro do país - o pequeno superávit foi devido totalmente às exportações agropecuárias e de matérias-primas minerais. A indústria de transformação (não-extrativista) importou US$ 7,7 bilhões a mais do que exportou - um aumento de 89% em relação ao primeiro trimestre do ano passado.
O problema, portanto, não está nas exportações. Não há esforço exportador, incentivos ou isenções que aumentem substancialmente o saldo comercial com o exterior, quando há dentro do país centenas de multinacionais que importam mais do que exportam, além de um câmbio sobrevalorizado que impele empresas brasileiras a importar seus insumos, ao invés de comprá-los no mercado interno.
O principal mecanismo para sobrevalorizar o real - o que torna as importações artificialmente mais baratas em relação aos produtos aqui fabricados - são os juros altos, atraindo dólares especulativos para dentro do país. No primeiro trimestre do ano passado, o preço médio de um dólar era R$ 2,30. No primeiro trimestre deste ano, desceu para R$ 1,80. O resultado é que, quando crescemos, as importações disparam e – junto com outros fatores - levam a uma crise nas contas externas. A solução a la Meirelles é frear o crescimento com mais um aumento de juros – que, por sua vez, leva a uma maior sobrevalorização do real, fazendo com que as importações fiquem ainda mais baratas.
Um círculo vicioso perverso e pervertido - se nos permitem os leitores: coisa de maluco. Mas tem sido esse o principal obstáculo à aceleração do crescimento proposta pelo presidente Lula. Agora mesmo o sr. Meirelles propala mais um aumento de juros.
Não vamos resolver o problema das contas externas – exceto muito provisoriamente – se não quebrarmos esse círculo de juros altos/real hipervalorizado, se não substituirmos insumos importados por insumos fabricados no país. Evidentemente, não serão as filiais de multinacionais que farão tal mudança. Temos centenas delas aqui – e seu efeito é aumentar as importações e remeter lucros para o exterior – ou seja, colocar em crise as contas externas.
É um truísmo dizer que um país somente pode se desenvolver sobre a base constituída pelas empresas nacionais – prioritariamente as não-monopolistas e as estatais. Mas é necessário repetir essa obviedade. Não será com o BNDES repartindo recursos do povo brasileiro entre multinacionais, testas-de-ferro de multinacionais e monopólios privados internos que resolveremos o problema das contas externas.

REMESSAS E ENTRADAS

As remessas para o exterior (serviços + rendas) somaram, em março, US$ 6,015 bilhões – e, no trimestre, US$ 13,823 bilhões, o que é mais do que o dobro do “investimento direto estrangeiro” (IDE) que entrou no mesmo período (US$ 5,656 bilhões).
Certamente, dirão os advogados do IDE, moderno é ter as empresas do país tomadas pelo capital estrangeiro. Infelizmente, além do importacionismo, a consequência é que a enxurrada de “investimento direto estrangeiro” causa uma enxurrada de remessas de lucros para o exterior, e, portanto, o desequilíbrio das contas externas – ou, o que é a mesma coisa, o sangramento de recursos do país.
Este é o significado do “déficit nas transações correntes”, projetado, pelo Banco Central, para US$ 49 bilhões este ano. Nos primeiros três meses, o déficit foi US$ 12,145 bilhões. Para que o leitor tenha uma ideia: em três meses, o deficit foi metade daquele do ano inteiro de 2009.
Por aqui se vê como eram ilusórias as esperanças de que a entrada de IDE cobrisse o rombo deixado na conta de transações correntes pelas importações e pelo próprio IDE - na medida em que as empresas, antes brasileiras, agora passam a remeter lucros para suas matrizes no exterior. O “investimento direto estrangeiro” (IDE) não faz parte da conta de transações correntes - mas seu inevitável corolário, a remessa de lucros, faz parte dela. Portanto, o IDE constitui uma das causas do problema nas contas externas – jamais uma solução para esses problemas.
Como se não bastasse essa troca do remédio pela doença, a entrada de IDE está caindo: em março, do total de dinheiro externo que entrou no país, apenas 18,4% (US$ 2,017 bilhões) foram “investimentos diretos”, enquanto 33,2% (US$ 3,649 bilhões) foram “investimentos em carteira” (IEC), isto é, dinheiro meramente especulativo, e nada menos do que 48,4% (US$ 5,313 bilhões) foram empréstimos bancários (OIE - “outros investimentos estrangeiros”).
Em suma, como observa o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), “os fluxos de natureza estritamente financeira responderam por 81,6% deste ingresso. A análise desagregada desses fluxos revela que seus principais componentes foram as aplicações dos investidores estrangeiros em ações e renda fixa no país e o crédito comercial” (IEDI, “IDE industrial ainda não reagiu”, 22/04/2010).
Março não é um caso atípico. No trimestre, o IDE foi 20,9% do dinheiro externo, o IEC foi 34,5% e os “outros investimentos estrangeiros” (crédito bancário), 44,6%. Ou seja, estamos fechando a balança de pagamentos com “fluxos de natureza estritamente financeira”.
Daí porque as reservas monetárias não são um colchão em que possamos repousar. Aliás, não é possível basear a segurança econômica do país nas reservas em dólar. Primeiro, porque elas são finitas. Segundo, porque são compostas fundamentalmente não pelos saldos comerciais, mas por dólares que o BC troca por reais para os especuladores externos – e já sabemos o que aconteceu em outros países com reservas desse tipo. Por consequência, terceiro: manter a reserva atual (ou aumentá-la) significa manter alta a especulação, portanto, os juros altos e a sobrevalorização do câmbio, o que é incompatível com um desenvolvimento à altura do tamanho e dos recursos do país.
Mas, ainda que o déficit fosse coberto com o IDE, e ainda que ele suba tanto que chegue aos US$ 45 bilhões vaticinados pelo BC para este ano, isso significaria, em pouco tempo, somente mais remessas de lucros, a desnacionalização de mais uma parte da economia e o endividamento do país. Que mérito teria, então, fechar as contas do dia à custa de sacrificar os objetivos estratégicos nacionais?

CARLOS LOPES é diretor de redação do Hora do Povo

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