Agência Brasil de Fato
Renato Godoy de Toledo
A coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, aponta que o principal motivo para se levar a fundo a CPI da Dívida Pública é o fato do passivo gerar o maior gasto no orçamento brasileiro. Para ela, a Comissão é uma conquista, mas o desafio agora é conquistar uma auditoria oficial da dívida brasileira, conforme previsto na Constituição de 1988. Leia abaixo entrevista com Fattorelli.
Brasil de Fato – Qual é a importância de se instaurar uma CPI da dívida Pública?
Maria Lucia Fattorelli – A dívida pública federal superou a casa dos R$ 2 trilhões em dezembro e consumiu 36% dos recursos federais durante 2009, conforme dados do Banco Central e do Tesouro Nacional. Esse crescimento espantoso tanto do estoque da dívida como do volume de pagamentos é fruto da política econômica aplicada no país que, além de praticar as taxas de juros mais elevadas do mundo, ainda privilegia os gastos financeiros em detrimento dos gastos sociais.Diante desse quadro, a CPI foi criada com o objetivo de investigar a dívida pública, o pagamento de juros e seus impactos sociais, pois enquanto o pagamento de juros e amortizações da dívida consumiram 36% dos recursos federais em 2009, a Saúde recebeu pouco mais de 4% e a Educação pouco mais de 2%, sendo que todas as demais áreas sociais ficaram também prejudicadas.Portanto, a investigação do endividamento é fundamental, pois esse é o gasto público mais relevante do país e influencia a vida de toda a população, que paga a dívida tanto por meio da elevada carga tributária como pela insuficiência de serviços públicos de qualidade.Adicionalmente, a CPI da Dívida Pública constitui um primeiro passo para o cumprimento da determinação contida na Constituição Federal de 1988 (art. 26 do Ato das Disposições Transitórias), que determina a realização de uma auditoria da dívida externa brasileira, até hoje não realizada.
Brasil de Fato - Como está o andamento da CPI em termos políticos e em termos de investigação?
Maria Lucia Fattorelli – A CPI constitui um marco histórico, pois propiciou o acesso a diversos documentos públicos que nunca haviam sido divulgados à sociedade, além de expor o debate sobre a grave situação do endividamento público brasileiro, abrindo espaço em diversos meios de comunicação que se encontravam bloqueados ao tema.As audiências públicas realizadas pela CPI contaram com a participação de importantes convidados, que demonstraram que a dívida pública é o problema central do país. A CPI possibilitou também corrigir o equívoco amplamente divulgado no sentido de que a dívida brasileira teria “acabado”, demonstrando que o pagamento antecipado da parcela que devia ao FMI em 2005 significava uma parte pequena do volume da dívida pública brasileira e que, apesar daquele pagamento, o Brasil continuou aplicando o receituário econômico do FMI. Por outro lado, a CPI da Dívida enfrentou limitações. A primeira é relacionada ao curto período de funcionamento da Comissão, insuficiente para investigar tema tão vasto e importante. O acesso a muitos documentos também ficou prejudicado, pois o período de investigação determinado pelos parlamentares foi desde 1970 para a dívida externa e desde 1987 para a dívida interna. Dessa forma, os órgãos responsáveis pelo controle do endividamento – Banco Central e Tesouro Nacional – enfrentaram dificuldades de localizar parte dos documentos e registros requisitados pela CPI e apresentaram solicitações para a prorrogação de prazo para o atendimento.Em termos políticos, é preciso ressaltar que diversas entidades da sociedade civil têm sido assíduas em todas as audiências públicas da CPI, dando uma clara demonstração do interesse dessas entidades pelo tema. A Auditoria Cidadã da Dívida tem divulgado boletins semanais sobre as audiências públicas realizadas pela CPI, disponíveis no site da Auditoria Cidadã.
Brasil de Fato – Quais são os indícios de que a dívida que o país paga é ilegítima?
Maria Lucia Fattorelli – Várias questões de ilegitimidade marcam o processo de endividamento brasileiro, tanto interno quanto externo. Nas sessões públicas da CPI já foram levantadas, por exemplo, a repercussão da elevação unilateral das taxas de juros internacionais a partir de 1979, pelos Estados Unidos, de 6 para 20,5%, o que provocou tremenda crise financeira e a multiplicação da dívida por ela mesma. Com base nos dados recebidos pela CPI, caso os juros tivessem sido mantidos no patamar de 6%, os pagamentos efetuados para quitar os extorsivos juros teriam sido suficientes para eliminar a dívida então existente, e nos tornaríamos credores.Também foi debatido na CPI o impacto da utilização da dívida pública na sustentação do Plano Real, bem como a participação de representantes do mercado financeiro nas reuniões com o Banco Central, que influenciam a decisão sobre a taxa de juros.Esses são apenas exemplos do que foi publicamente debatido, e muitas investigações estão em fase de finalização e conclusão e em breve serão divulgadas.
Brasil de Fato – Na sua opinião, o desfecho da CPI pode levar a alguma ação estatal, como uma auditoria, por exemplo?
Maria Lucia Fattorelli – Sem dúvida, as investigações realizadas pela CPI comprovarão a necessidade de realização da auditoria da dívida, podendo também instigar ações por parte de diversos órgãos, como o Ministério Público, para o aprofundamento das investigações, bem como o questionamento da legalidade de vários aspectos da dívida pública, tais como a prática de juros flutuantes, exigência de juros sobre juros, dentre outras questões.A participação das entidades e movimentos sociais nos debates da CPI e no conhecimento do resultado das investigações tem papel fundamental para que o desfecho da CPI possa ser utilizado em favor da implantação de um modelo econômico mais justo, melhorando as condições sociais tão precárias de um país que tem historicamente destinado a maior parte de suas riquezas para o capital. Quem éMaria Lucia Fattorelli é coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida e foi requisitada para assessorar a CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados.
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