sexta-feira, 9 de abril de 2010

Meu Rio querido... A causa, repito, é "antropogênica". Ouça o Pedro Porfírio.

Temporais de incompetência, insensibilidade e má fé
Por Pedro Porfírio, jornalista cearense, mas cidadão apaixonadamente carioca

Agora, vamos ter a farra das obras de emergência: sem licitação e com fartura nos gastos

Numa reunião com o ministro da Integração Nacional, João Santana, e o governador Sérgio Cabral, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, apresentou dia 07/04, quarta-feira, um plano com 38 ações de emergência contra os estragos causados pelas chuvas e com a previsão de investimentos necessários para sanar o problema no município do Rio. Paes solicitou ao governo federal recursos na ordem de R$ 370 milhões. Esse filme eu já vi antes.

Toda essa tragédia poderia ter sido evitada ou minimizada se houvesse vocação pública entre os governantes

Se há um pecado pelo qual o sr. César Epitácio Maia deve ser crucificado, esse pecado é a inserção na vida pública de alguns mauricinhos hedonistas, para os quais o poder é uma festa. E nada mais.
Com a cooptação desses garotões preocupados por índole com os negócios privados, sem qualquer lastro político, sem compromissos com a polis e com os cidadãos, o Rio de Janeiro inverteu a referência e alterou o processo de escolha: antes de passar pela pedreira dos embates em arenas adversas, os escolhidos eram catapultados aos píncaros do poder, onde ganhavam visibilidade, exercitando suas idiossincrasias histriônicas e suas ambições personalistas.
O bacharel em direito, Eduardo da Costa Paes, seria o mais saliente espécime dessa fauna. Aos 23 anos, ganhou a "Subprefeitura" da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, como se donatário fosse. Logo, enturmou-se com os emergentes e potentados da "Beverly Hills" carioca, construindo aos poucos a imagem de um arrogante guardião dos interesses das "melhores famílias", defensoras de um Aparthaid à brasileira - com "carinho e afeto".
Com luz própria desde que rompeu com o criador, do qual herdou e burilou seu lado reacionário, uniu-se a Sérgio Cabral Filho, outro fantoche das elites, depois de disputar com ele o governo do Estado, então como tucano de "alta plumagem".
Prefeito sem oposição e despreocupado

No seu vai-e-vem, Eduardo da Costa Paes se viu prefeito do Rio de Janeiro, cargo que ganhou no segundo turno das eleições passadas, graças a um feriado sob encomenda e ao apoio dos carreiristas do PT, PC do B, PDT, do senador Crivella (da Igreja Universal) e outros ex-adversários, devidamente compensados com prebendas no primeiro escalão de sua administração anódina. Ou outras moedas.
À frente da cidade mais emblemática da alma brasileira, Eduardo Paes deslumbrou-se, principalmente pela montagem que o poupou de uma oposição arisca. Nunca um prefeito do Rio de Janeiro, que teve pouco mais de 50% dos votos (no 2º turno), reuniu uma "base parlamentar" tão acachapante, com 80% de aliados explícitos e outros 15% de híbridos coniventes.
Contando também com o carinho do governador e do presidente Luiz Inácio, o prefeito dormiu no ponto diante do desafio de uma urbe complexa como o Rio de Janeiro e preferiu impregnar sua gestão da caça aos louros do poder: mudou seu discurso em relação ao banco estrangeiro que detém a conta da Prefeitura (Ia trocá-lo), fez os gostos dos empreiteiros, com o restabelecimento do BDI (Budget Difference Income - Benefícios e Despesas Indiretas -, que engorda em 30% os custos de uma obra e permitem um orçamento com gastos presumidos), prorrogou por 20 anos a concessão da rendosa Linha Amarela, isso 13 anos antes de expirar o contrato, e entregou o Instituto de Previdência dos Servidores Municipais a uma quadrilha que teve de afastar à pressas ao vazar o uso indevido e leviano de R$ 70 bilhões numa aplicação de má fé .
O descuido em relação a ações preventivas contra enchentes dá uma outra forma ao uso do dinheiro público. Agora, tudo poderá ser feito como "emergência", isto é, pagando o que quiser, a quem desejar. E contando com recursos excepcionais do governo federal. Em intervenções regulares, dentro de um planejamento que foi "esquecido", as obras deveriam ser objeto de concorrência pública.

A culpa dos mortos

Eduardo Paes abusou da sorte e se deu mal. No sábado, 6 de março, uma chuva de menor intensidade só não provocou o caos de agora porque era fim-de-semana. Foi um aviso que os mauricinhos da Prefeitura carioca não consideraram.
O temporal que se abateu sobre o Rio atingiu as duas faces da cidade partida. Mas, para variar, provocou mortes nos morros, onde vivem milhares de miseráveis desafiando a natureza.
O prefeito, que teve a faca e o queijo na mão por década, recorreu à mesma ladainha do governador Cabral Filho: a culpa é dos mortos, que não podiam estar onde estavam e foram para lá sem que nenhum governante decidisse demovê-los dessa moradia suicida. (Num primeiro momento, antes de ser aconselhado, havia assumido o fracasso de sua administração)
Esse tática de "partir para a ofensiva" para escamotear sua responsabilidade é outro sintoma da incompetência e da má fé que inspiram os administradores públicos, preocupados tão somente com as vantagens do poder.

Casa como compensação - o estímulo a ocupação irregular

Desde o tempo de Carlos Lacerda, que nadava em dinheiro a fundo perdido da "Aliança para o Progresso", o governo resolveu construir casas em bairros distantes para "limpar" a Zona Sul, frequentada pelos turistas estrangeiros.
Instituiu assim uma compensação para os arrancados dos seus barracos em Copacabana e adjacências. Suas remoções foram tão infelizes que, na pressa, teve de construir em madeira "centros de habitação provisória", localizados em alguns pontos: estes se tornaram megafavelas, como Nova Holanda, na Maré (CHP-1) e Manguinhos (CHP2).
Negrão de Lima e a SHISAN - repartição federal - adotaram a mesma fórmula na "limpeza" das favelas do entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas. O que seria uma solução, virou um problema: independente de sua necessidade real, dos fatores que os fazem morar perigosamente, os favelados aprenderam a tirar proveito de instalar-se em áreas impróprias.

Experiência desprezada por miopia política

Quando em 1989 fui ser secretário municipal de Desenvolvimento Social (pela segunda vez), herdei mais de 5 mil famílias desabrigadas pelas chuvas de 1988, que ocupavam várias escolas ou estavam em abrigos provisórios de madeira e acampamentos de lonas. Além disso, quase 500 famílias "moravam" sobre a tubulação de uma adutora da CEDAE em Manguinhos (no CHP2) e outras 600 deveriam ser retiradas da beira do rio Jacaré, que canalizamos (acabando virtualmente com as enchentes na favela do Jacarezinho e proximidades).
Como a Prefeitura vinha de uma falência declarada e não contava com recursos federais, tínhamos que fazer tudo com criatividade e muita parcimônia. Pela experiência anterior, vi que seria indispensável o máximo rigor em relação aos beneficiados e fui mais além: no lugar de casas, construímos embriões em lotes urbanizados.
Nesses reassentamentos, tivemos que agir com firmeza, destruindo os abrigos provisórios na hora da mudança dos seus ocupantes. Do contrário, no dia seguinte, teríamos novos "desabrigados". Para isso, tive de encarar pessoalmente bandidos que queriam tirar proveito, tentando colocar seus "protegidos" nos abrigos a serem desmontados.
Implantei também um projeto de "agentes comunitários de defesa civil". Em cada favela, contratamos e treinamos dois encarregados de impedir novas ocupações das áreas de risco a formação de "lixões" nos morros ou de lançamentos de entulhos nos rios.
Eleito pela oposição ao governo do PDT, Cesar Maia nomeou para a SMDS a então vereadora Laura Carneiro. Sua primeira preocupação foi desmontar nossos projetos, alegando que os mesmos tinham nossa cara. Ela fez um trabalho tal que em dois anos o prefeito começava a retalhar a Secretaria, vista como "a prefeitura dos pobres" - ou uma prefeitura paralela, por estar preparado para responder a todas as demandas das comunidades de baixa renda.
Agora, seus projetos se distribuem entre outras novas secretarias, como de Habitação, Meio Ambiente (o mutirão de reflorestamento dos morros), Idosos e Assistência Social. Com isso, ninguém aparece para evitar tragédias como essa, que tantas vidas ceifam. E fica fácil empurrar responsabilidade para outros.
A bem da verdade, posso dizer de camarote: muito desse drama vivido seria evitado se o foco das intervenções públicas fosse a população e não as empreiteiras e os interesses criados a partir do uso abusivo do poder.
Infelizmente, porém, como tenho dito exaustivamente, implantou-se no Brasil uma mentalidade malandra, destinada tão somente a enriquecer governantes e amigos. O que conta para os gestores públicos de todos os partidos (não sei se ainda existe exceção) é criar mecanismos de favorecimentos em causa própria ou de seus financiadores, implementados sistematicamente, na certeza de que o povo tem memória fraca e juízo crítico limitadíssimo.
Quando acontece um caos como o desta semana no Rio o cidadão sofre as consequências. Mas tende esquecer o sufoco e embarca na canoa de quem mais souber mistificar, quem tiver grana farta, for mais cínico e melhor assessorado por marqueteiros de plantão.

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