segunda-feira, 5 de abril de 2010

O descaso da "Cidade da Música" no RJ

O “elefante branco” herdado do ex-prefeito César Maia, que consumiu mais de R$ 500 milhões, deteriora-se na gestão Eduardo Paes

Leandro Uchoas - Brasil de Fato

Classificar uma obra como “construção faraônica” é usar um símbolo historicamente forte. As edificações dos faraós eram suntuosas, milionárias, pujantes. Mobilizavam inúmeros trabalhadores e muitos recursos para construir aquilo que representaria poder e, de alguma forma, opressão. No Rio de Janeiro do século 21, uma obra do ex-prefeito César Maia (DEM) ganhou, por inúmeras vezes, essa classificação. Adjetivação justa e pertinente: a Cidade da Música talvez seja a obra mais suntuosa, cara, inútil e pouco transparente da dinastia Maia. Criada para abrigar eventos de música clássica – de baixíssima demanda no Rio – na Barra da Tijuca (bairro nobre da cidade), a obra já tinha orçamento incrivelmente caro quando foi anunciada. As estimativas, em 2002, feitas pelo então secretário municipal de Cultura, Ricardo Macieira, eram de um custo de R$ 80 milhões. O valor, que já escandalizava os defensores de democratização da cultura no Estado, terminaria por ser muito pequeno perante o que seria gasto. Segundo levantamento da gestão atual da prefeitura, mais de R$ 500 milhões já teriam sido gastos. Desse valor, R$ 430 milhões já teriam sido pagos às empreiteiras (437% a mais que o orçamento inicial).

CPI

Segundo a vereadora Andréa Gouveia (PSDB), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a Cidade da Música em 2009, pouco se fez na atual gestão. “O relatório da CPI tem 57 conclusões, que mostram uma série de irregularidades. A prefeitura iniciou uma obra sem saber quanto iria custar, contrariando a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição, há serviços que foram pagos duas vezes, há constatação de fraudes em contratos, entre outras anormalidades”, disse. A CPI encaminhou as denúncias à prefeitura, ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Município (TCM). Hoje, um ano após Eduardo Paes (PMDB) ter interrompido o longo período em que Maia e aliados governaram o Rio (16 anos), o problema permanece. Desde sua posse, as obras estão paradas. E, o que é pior, a parte construída já apresenta sinais de degradação. Somada à insuficiente manutenção, muitos dos equipamentos já instalados não foram protegidos da maneira como deveriam. A prefeitura nega as acusações, porém, uma auditoria recente confirmou as suspeitas de que as obras estariam realmente paradas há 400 dias. Em 14 de janeiro deste ano, o TCM visitou as obras e ficou “escandalizado” com os resultados.

Obras paradas

Os funcionários da prefeitura se defendem dizendo que estão levantando custos para a continuação das obras, que seriam retomadas a partir de março. Segundo a Secretaria Municipal de Obras, a continuação do projeto se dará por etapas, e a conclusão está marcada para o segundo semestre deste ano. A primeira etapa seria a reativação do canteiro de obras para a montagem da infra-estrutura necessária, e teria sido reiniciada em novembro de 2009. Durante a inspeção, os fiscais do TCM contaram apenas 20 funcionários trabalhando no canteiro. O tribunal não conseguiu identificar quais serviços estariam sendo realizados, e o gerente do canteiro de obras tampouco soube responder. Os equipamentos de execução da obra estavam parados. Desde o primeiro dia do governo Paes, quando o prefeito decidiu interromper as obras para auditoria nas contas e investigação de irregularidades, essa é a terceira inspeção do TCU. Já na primeira, ocorrida em abril, o tribunal alertava para a possibilidade de deterioração da estrutura. O desgaste tende a tornar a obra ainda mais cara do que a estimativa original. Segundo o TCU, no acesso à principal sala de concertos, parte do piso de madeira foi removida, e há várias rachaduras no forro de gesso. Boa parte das peças e estruturas metálicas, por conta da manutenção insuficiente, está enferrujando. Entre elas, as engrenagens das escadas rolantes. Há uma grande trinca em um dos lagos que circundam a construção, e a estrutura parece comprometida. Vidros mal armazenados se quebraram, e os outros lagos estão com sujeira acumulada devido à falta de limpeza.

Dívidas da prefeitura

Em dezembro, Paes calculou um gasto de R$ 50 milhões – mais da metade do orçamento inicial – para o término das obras. Com esses recursos, dizia o prefeito, seria possível inaugurar as instalações ainda incompletas e, através dos patrocinadores, continuar as obras. Acontece que a Cidade da Música já foi inaugurada sem ser concluída por César Maia, em seu último mês de gestão. Pelos cálculos da CPI da Cidade da Música, seriam necessários R$ 700 milhões para finalizar o projeto. Em fevereiro, Paes chegou a ameaçar cancelar os contratos com as empreiteiras e refazer as licitações. Os dois consórcios responsáveis pela obra alegam que a prefeitura tem dívidas referentes a atividades realizadas nos dois últimos meses da gestão passada. “As construtoras cobram uma dívida de R$ 230 milhões. Só com os custos decorrentes de interrupções, encargos financeiros etc., as empreiteiras cobram R$ 48 milhões. Dentro desse valor, estão R$ 11,5 milhões de horas extras e adicionais noturnos. Também cobram R$ 95 milhões por serviços executados e não medidos, e mais R$ 93 milhões para a conclusão do projeto. Se somarmos essa dívida aos R$ 440 milhões que já foram gastos, a Cidade da Música já estaria custando R$ 670 milhões, fora o dinheiro que a prefeitura terá que desembolsar para concluir o equipamento”, denuncia Andréa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário