sexta-feira, 9 de julho de 2010

José Sarney

Silêncio dos Sinos

Em Brasília, alterno meu dever de católico praticante dividindo as minhas missas dominicais entre a Capela do Cardeal Dom Falcão e São Pedro de Alcântara, onde é Pároco devotado o Padre Givanildo Ferreira. No último domingo fiquei estarrecido com a notícia que nos deram de que o Ibram (Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos) estava abrindo uma ação para parar os pequenos e modestos sinos da igreja. Um morador da área, desses que devem ter horror ao canto dos passarinhos, pediu, com base na lei dos ruídos, a punição dos sinos de São Pedro de Alcântara. As badaladas no interior de sua casa tinham um volume entre 46 e 62 decibéis. A medição externa havia comprovado que os toques não perturbavam ninguém. O nosso Padre Givanildo está em pânico com o calar dos sinos, e todos nós seus paroquianos. É a burrice de um órgão que, em vez de combater as violentas destruições do meio ambiente, a extinção das nascentes, faz o menor: investir contra os sinos, de sons milenares da civilização ocidental. Som de sino não é ruído, é benção, é fé. Como poderemos viver num mundo em que os sinos não dobrarão mais em finados nem repicarão nas aleluias? Penso e choro na saudade dos sinos da minha infância, quando só eles davam as notícias das pessoas que morriam, das missas que começavam, das ladainhas que eram entoadas em louvor aos santos de nossa devoção. Os muçulmanos usam nas suas mesquitas o canto dos muezins, chamando para as preces nas horas de oração. No Maranhão, na Igreja de São Pantaleão, onde passam os enterros, os defuntos são lembrados pelos dobres tristes e nos dias festivos pelas badaladas de alegria. Isto fez nascer um ditado popular: “Fulano é como os sinos de São Pantaleão, tanto chora quanto ri.” Tenho um amigo que, morando em Paris, ao lado da Catedral de Notre Dame, convidou-me para ir a sua casa só para ouvirmos os carrilhões que anunciam as matinas e as vésperas. O sino foi adotado pela igreja no século 5º para anunciar as quatro horas canônicas do Divino Ofício: hora 3ª, hora 6ª, do meio-dia, hora 9ª, das 3 da tarde, quando Jesus deu o último suspiro, e as vésperas, às seis da tarde, da Ave-Maria. Como viver num mundo dos sons livres das discotecas, dos carros de arrebentar ouvidos, e a solidão dos sinos calados, cujo silêncio dobra pela defunta humanidade. Lembro Fernando Pessoa: “Ó sino da minha aldeia / Dolente na tarde calma / Cada tua badalada / Soa dentro da minha alma.” São Pedro de Alcântara, perdoai o Ibram. Ele não sabe o que faz.

José Sarney
foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa

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